OPINIÃO

A divinização do parecer jurídico opinativo

Por Luiz Henrique Herrera |
| Tempo de leitura: 2 min
O autor é advogado e professor universitário

Em 442 a.C., o dramaturgo grego Sófocles escreveu a tragédia "Antígona". Essa peça de teatro possui diversas passagens interessantes e possibilita ricas interpretações acerca dos discursos das personagens.

Em um dos trechos mais célebres, o Rei Creonte proíbe o sepultamento de um dos irmãos de Antígona, considerado opositor político. Ao mesmo tempo, determina que seu outro irmão (ligado às forças políticas do Rei) fosse sepultado com honras de Estado.

No embate, Antígona tenta convencer Creonte de que sua ordem é injusta, ao que argumenta que sua conduta é contrária às leis da natureza. Creonte, por sua vez, declara ser o representante do Direito, da Lei e da Justiça.

A questão que se coloca é se devemos obedecer a Creonte, em submissão cega ao seu parecer, pelo simples fato de ter em suas mãos o Poder e a divindade mitológica da sabedoria. O dilema moral que está em jogo é se seria razoável Antígona discordar do juízo de valor de Creonte.

A tragédia grega nos ensina que nem sempre o posicionamento jurídico é adequado e justo, decorrente de determinada compreensão dos fatos e de determinada interpretação das leis. Diante de arbitrariedades e ilegalidades, é perfeitamente legítimo que se recuse ao cumprimento de ordens imorais, confusas ou tendenciosas, que denotem injustiça, insegurança e parcialidade.

Em Bauru, o parecer jurídico que "destravou" a votação do Projeto de Lei de Concessão da ETE se insere nesse contexto.

O parecer jurídico opinativo é, indiscutivelmente, prerrogativa inviolável do advogado subscritor. Ao adotar tese plausível, mesmo minoritária, o parecerista está protegido pela inviolabilidade de seus atos, o que garante legítimo exercício da função.

Entretanto, o mesmo não se pode dizer em relação ao destinatário: o destinatário não deve, obrigatoriamente, se submeter ao parecer do advogado. O assessor jurídico realiza a importante tarefa de controle preventivo dos atos administrativos, evitando-se, com isso, que se realize algum procedimento fora das regras do jogo.

No meu entendimento, a agora Lei nº 7.792, de 14 de maio de 2.024, é inconstitucional, porque violou regras do devido processo legislativo.

Isso se deve porque ocorreu a divinização do parecer jurídico opinativo, no qual não se fez constar as consequências de se adotar o encaminhamento sugerido. Sem estas ponderações (interpretações possíveis, divergências e riscos), o destinatário o seguiu sem reflexão.

Na Câmara Municipal de Bauru, por ocasião da votação, a tragédia ocorreu no exato momento em que a mesa da Câmara se submeteu ao parecer opinativo, sem que houvesse tempo de que os vereadores pudessem, na arena política, promover o debate e a análise sobre sua (in)adequação e consequências.

O parecer jurídico não deve ser um guia absoluto que constrange e controla sujeitos. Creonte não estava certo, ainda que seu parecer estivesse "fundamentado". Antígona, dotada de senso de Justiça, contrariou a orientação jurídica do Rei com tenacidade e convicção; nos deixou a eterna lição de que na arena da polis há de se ter independência, autonomia e liberdade para enfrentar os medos e as imposições, sobretudo em tempos de tirania e falta de diálogo.

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