OPINIÃO

Quem é seu melhor amigo

Por Maria da Gloria De Rosa | 19/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

A autora é pedagoga, jornalista, advogada e professora doutora aposentada - Unesp

Seu melhor amigo não é seu pai, nem sua mãe ou seu vizinho da esquina. Seu melhor amigo, dizem os amantes dessa era em que vivemos, é o algoritmo que não se rebela nem escraviza e é tão bom em tomar decisão que, não seguir sua recomendação, seria uma loucura. Eis a posição de alguns aficionados da técnica, que passaremos a explicar ao longo deste artigo. Então, se estiver interessado, me siga.

Em 2013, Angelina Jolie anunciou sua decisão de fazer uma mastectomia dupla. Sua mãe e sua avó haviam morrido por causa de um câncer e a própria Jolie havia passado por um exame genético que demonstrou ser ela portadora da mutação de um gene perigoso. Em virtude disso, ela resolveu antecipar-se e submeter-se à mastectomia.

É necessário notar o papel crítico que os algoritmos desempenharam neste caso. Quando Angelina teve de tomar essa decisão, não ouviu seus sentimentos, mas os números. Os algoritmos do computador de seu médico lhe diziam que havia uma bomba relógio em seu DNA incitando-a a tomar uma decisão. Muito provavelmente, se você passar por um teste genético, um exame de sangue ou uma ressonância magnética, e um algoritmo analisar seu resultado com base em bancos de dados estatísticos, você aceitará a recomendação do algoritmo.

Angelina preferiu sacrificar sua vida privada em benefício de sua saúde. Um desejo similar de melhorar a saúde de nosso bairro, nossa cidade ou nosso país poderia, com nossa permissão, derrubar as barreiras que protegem nosso espaço privado.

Por exemplo, permitir ao Google ler nossos e-mails e acompanhar nossas atividades possibilitaria a ele nos alertar sobre epidemia e outras doenças, antes que fossem percebidas por serviços de saúde.

Suponhamos que déssemos ao Google uma larga liberdade de vasculhar nossa vida. Ele acabaria nos conhecendo tão bem, a ponto de poder responder às nossas mais íntimas dúvidas.

Um sistema de dados muito amplo, com certeza nos conheceria melhor do que nós mesmo. As ilusões a respeito de nossos relacionamentos, nossos hábitos prejudiciais, carreiras erradas e muito mais não enganariam o Google. Munido de tão alargados dados, o Google nos aconselharia em tudo: o filme a assistir, aonde deveríamos ir nas férias, que faculdade escolher, que oferta de emprego aceitar e até mesmo quem escolher para sair ou namorar.

Pelo exposto, teria de admitir que, sob a ótica do eu da narrativa, você perderá o protagonismo, uma vez que não será mais uma entidade autônoma. Em troca dos serviços de aconselhamento dos algoritmos, você terá de abrir mão da ideia de que tem livre arbítrio para determinar o que é bom, o que é belo e o que dá sentido à vida. Passará a fazer parte de uma imensa cadeia global.

Você acha mesmo que seu melhor amigo é o algoritmo? Atualmente, muitos de nós já abrimos mão de nossa privacidade e individualidade, conduzimos nossa vida on line e ficamos histéricos se nossa conexão com a rede se interrompe mesmo que só por alguns minutos. A transferência da autoridade de humanos para algoritmos está acontecendo às centenas.

Se não tivermos cuidado, o resultado poderá ser um estado de polícia que monitora não somente nossos atos, mas até o que acontece dentro de nossos cérebros.

Seria bom para você? Não sei, mas para um Putin ou para um Alexandre de Moraes seria um mar de rosa!

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