SUPERAR A CRISE

Bauru precisa sair de estado permanente de crise política para conseguir avançar

Impasse causado pelo projeto da concessão do esgoto expôs inabilidade de se chegar a consensos; é hora de virar a página

Por André Fleury Moraes | 13/04/2024 | Tempo de leitura: 5 min
da Redação

Divulgação e Malavolta Jr./JC Imagens

Novo pres. da Assenag, Luiz Izzo Filho; pres. do Sincomercio, Walace Sampaio; no final, foto da advogada Márcia Negrisoli, pres. da subseção de Bauru da OAB
Novo pres. da Assenag, Luiz Izzo Filho; pres. do Sincomercio, Walace Sampaio; no final, foto da advogada Márcia Negrisoli, pres. da subseção de Bauru da OAB

Em 2008, num artigo publicado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), os professores Valter Luís Barbosa e Antônio Fernandes Nascimento Júnior, de Bauru, cravaram: "o modelo convencional da gestão pública em Bauru apresenta duas características: a primeira, na elaboração de projetos que não se desenvolvem na resolução dos problemas enfrentados na cidade; a segunda, quando se observa pouca participação da sociedade local e da falta de transparência".

Por isso, segundo eles, é possível dizer que a cidade "vivencia uma crise política endêmica e conjuntural associada a uma crise estrutural econômica, social e política". O objetivo do artigo foi abordar as problemáticas em torno dos planos diretores dos municípios e a importância desse instrumento como meio de controle social. A constatação, aliás, veio independentemente do tema da publicação.

Passados 16 anos desde a elaboração do artigo, a situação parece continuar a mesma e a constatação, ao que se percebe, é atemporal. Quase duas décadas atrás a classe política tinha dificuldade em chegar a consensos. E quase duas décadas depois da publicação do artigo a classe política permanece tendo dificuldade em chegar a consensos, problema do qual não se livram nem Executivo nem Legislativo.

A bola da vez envolve saneamento básico. Um projeto de lei (PL) encaminhado pelo governo Suéllen Rosim (PSD) quer conceder o sistema de esgotamento sanitário de Bauru à iniciativa privada por 30 anos prorrogáveis por outros 30, uma negociação que, ao fim e ao cabo, supera R$ 3 bilhões.

O texto foi encaminhado à Câmara em julho do ano passado. Em setembro, a prefeitura encaminhou um pedido para impor regime de urgência ao texto. Passou com folga: foram contrários à medida apenas os vereadores Chiara Ranieri (União Brasil), Estela Almagro (PT), Júnior Lokadora (PP) e Eduardo Borgo (Novo).

Excepcional, esta modalidade de tramitação reduz o prazo de análise do projeto por parte das comissões permanentes e, após esgotado o período máximo em que o texto pode ser votado, nada mais pode ser analisado que não a matéria sob regime de urgência. A consequência natural é o travamento da pauta legislativa - que não deixa de ser, de uma forma ou outra, a pauta da cidade.

Bauru enfrenta este problema hoje. A pauta da Câmara Municipal está travada há quase dois meses, desde 19 de fevereiro, sem data para ser liberada. Tudo em razão do PL que concede o sistema de esgoto à iniciativa privada, o chamado PL do Esgoto.

Complexo e bilionário, o projeto foi de fato pouco debatido. No Poder Legislativo, por exemplo, foram apenas encontros entre reuniões e audiências públicas - a prefeita compareceu a uma delas; nas demais reuniões, enviou representantes.

A ausência da autora do projeto é alvo de críticas, mas nem Fernando Haddad, ministro da Fazenda, ia às audiências quase que diárias para discutir temas relacionados à reforma tributária, aprovada no final do ano passado.

Costurou, porém, um canal eficaz de articulação: destacou o economista Bernard Appy e o nomeou secretário extraordinário da reforma tributária. Foi um caminho exitoso, dada a aprovação da medida pelo Congresso. Existe a avaliação de que medida semelhante poderia ter sido feita em Bauru.

De uma maneira ou outra esta página precisa ser virada. Bauru tem outros problemas para ficar refém de uma crise cíclica na política, especialmente num período decisivo para os rumos da cidade: o ano eleitoral.

De um lado, a prefeita Suéllen Rosim argumenta que já passou da hora de a Câmara apreciar o texto. Pressiona os vereadores, argumentando, por exemplo, que "já apresentou a solução para o problema da drenagem na avenida Nações Unidas" - numa referência à inclusão dessas obras a título de contrapartida da futura concessionária, medida que, na avaliação de alguns parlamentares, pode aumentar substancialmente a conta de água caso a proposta seja aprovada.

De outro, por sua vez, os vereadores dizem que o regime de urgência representa "uma faca no pescoço" e "uma tentativa de impor a aprovação do projeto". Foi a Câmara, porém, que deu aval ao regime de urgência.

Noves fora essa discussão, o fato é que o texto precisa ir à votação. Rejeite-se ou aprove-se. Mas é preciso decidir a bem do interesse público. Há outras questões igualmente urgentes ao município, entre os quais o Plano Diretor e a Lei de Zoneamento. Além disso, há também necessidades acessórias, entre elas repasse a entidades, por exemplo, que exigem aprovação legislativa. Nada disso anda se a pauta não for destravada.

PRAZOS NO FIM

Até porque a deliberação final sobre o projeto é o de menos neste caso. O problema maior está nos recursos que Bauru recebeu a fundo perdido em 2014 para iniciar a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Vargem Limpa, que terão de ser devolvidos caso nada disso tenha andamento.

Há três semanas, por exemplo, a prefeitura voltou a se reunir com os Ministérios Públicos Estadual (MP-SP) e Federal (MPF), com quem assinou um Termo de Ajustamento de Conduta se comprometendo a finalizar a obra. O prazo máximo era 2024, mas terá de ser repactuado. Para isso, porém, a Câmara precisa decidir se aprova ou rejeita o texto.

Walace Sampaio, presidente do Sindicato do Comércio de Bauru e Região (Sincomercio), diz que esse estado permanente de crise prejudica a cidade como um todo. "Claro que o projeto foi pouco discutido. Isso é uma verdade. Mas é preciso que as partes tenham bom senso", argumenta. "É preciso votar o texto. Aprovar ou rejeitar, mas não parar no tempo. Não é uma culpa exclusivamente da Câmara, isso é uma inverdade. A prefeitura também tem parte nisso. Mas resolver é questão urgente", pontua.

Presidente da subseção de Bauru da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Márcia Negrisoli avalia que é hora de autoridades se reunirem para chegar a um consenso sobre o problema. "É papel das lideranças nesse momento conciliar suas diferenças e encontrar pontos de convergência para avançar em questões essenciais. A população não pode ser prejudicada pela falta de diálogo", pontua.

Posição semelhante tem o engenheiro Luiz Carlos Izzo Filho, novo presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos (Assenag) de Bauru. "Temos problemas tão relevantes quanto os do esgoto. O Plano Diretor, por exemplo, e a Lei de Zoneamento. Creio que falta uma agenda progressiva para a cidade", salienta.

Presidente da subseção de Bauru da OAB, advogada Márcia Negrisoli (crédito: Malavolta Jr./JC Imagens)
Presidente da subseção de Bauru da OAB, advogada Márcia Negrisoli (crédito: Malavolta Jr./JC Imagens)

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