No dia em que a dúvida nasceu, o sol inaugurou uma esperança luminosa. Antes, sob tempo nublado, a certeza reinava absoluta. E, como nenhuma dúvida havia, era certo matar quem diferente pensasse. Pagãos contra cristãos. Cristãos contra heréticos.

Católicos contra protestantes. Protestantes contra católicos. Reis contra pensadores. Atualizando um pouco mais o rio de sangue, a torcida do Corinthians contra a do Palmeiras e vice-versa, valendo também para outras camisas com que se vestem fanáticos torcedores. Nesse rol de inventário, não dá pra esquecer, claro, a ultra direita e a ultra esquerda, uma metendo o dedo de ódio na fuça da outra.

Milhões de pequenos ditadores começam brutalizando a liberdade dentro suas próprias casas. Depois, nas ruas, praças e redes, enxovalham de ódio e de merda todos que lhe pareçam genis.

Se tivessem menos entusiasmo por suas crenças...Se não tentassem enfiar na cabeça alheia verdade que é só deles...Se, no lugar de tanta certeza, ruminassem algum fiapo de dúvida...Se entendessem que palavras, jamais bombas, tanques e fuzis, são o melhor esparadrapo para feridas e conflitos...Se esse inútil "se" deixasse de ser esse eterno "se"... chance ainda haveria de estancarmos o histórico rio de sangue que nasce da fanática e burra certeza.

Toda vez que ouvirmos alguém vociferando ódio petrificado, que não consiga sequer girar para os lados a cabeça de torcicolo... Toda vez que nos depararmos com esses cuspidores de pedras contra os que não lhes sejam retrato, perguntaremos: Onde andará a sagrada dúvida?

É preciso plantá-la e regá-la com a urgência do muito mais. Só ela pode fazer a cabeça pensar. A boca da certeza calar. E, finalmente, conversar.