OPINIÃO

O tempo das coisas

Por Claudia Zogheib | 28/02/2024 | Tempo de leitura: 2 min

A autora é psicóloga clínica pela USC, psicanalista especialista pela USP

"Dizem" que daqui a algum tempo não teremos mais livros em papel, que não cozinharemos mais em casa, que as coisas serão mais práticas, rápidas, descartáveis.

Se por um lado as facilidades estão aí e não podemos menospreza-las, existe um grande hiato quando nos deixamos seduzir por aquilo que é fácil, descartável. Em todos os sentidos até a natureza está sofrendo danos por não ter lugar para colocar os descartados sem consciência.

O caminho de construção do qual nos beneficiamos ao fazer as coisas não optando pelo que é rápido, encontra sincronicidade em nosso mundo interno mediado pelo tempo que atravessa a própria subjetividade e pede pausa para digerir as vivências podendo de fato ser e saber sobre si.

O perigoso raso seduz, mas não convence por nunca estar além do ponto que é permitido para traduzir nossas ações em pensamento, sobretudo encontrando correspondência diante daquilo que estamos aptos a viver. As boas coisas necessitam de etapas para aprofundar uma história que não pode ser construída no tempo fugaz, e ao meu ver, é perigoso se deixar seduzir pelo que é raso.

Não saberia dizer que rumo as coisas irão tomar diante das facilidades contemporâneas, mas pressinto que não devemos desistir do caminho que oferece vivências que se estendem e que nos dão a oportunidade de pensar as coisas, que dizem sobre nossos sentimentos diante das situações, e ao meu ver, não vejo que isto seja possível sem um tempo para pensar as próprias atitudes.

Um exemplo disto seria pensar no impacto das vivências e o que deixamos entrar para dentro diante das circunstâncias da vida e que vão nomeando quem somos, o que queremos e onde pretendemos chegar. O que comemos e como o alimento é feito reflete em nosso peso, em nossa saúde física e mental, o que bebemos em nossa sobriedade, o que consumimos revela uma compulsão para alimentar ansiedades e poder fajuto diante dos outros, o que lemos constrói e nos muda por dentro.

Todas estas coisas não podem acontecer sem pensarmos no tempo das coisas, e mesmo quando estamos diante das facilidades que vieram para contribuir, descartar etapas pode ser perigoso porque é justamente quando paramos para ler, cozinhar, caminhar, pedalar, escrever, estudar, pintar, planejar, etc... é que temos a possibilidade de pensar sobre, entrando em contato com nossa subjetividade para a partir de então fazer escolhas que ecoam dentro de nós não nos deixando ser arrastados pelas ondas sociais, pelos modismos típicos de cada geração, tão fúteis às vezes.

Suspeito que integrar o novo sem considerar o velho pode desintegrar coisas preciosas para o que de fato fomos chamados, traduzindo equívocos para nossos descendentes se não fizermos nada por isto.

Pensar sobre o tempo das coisas nos faz escolher a saúde mental como mantra da própria vida nos aproximando de quem de fato fomos chamados a ser. E como síntese emocional, só ganhamos com isto.

Música "Por quem merece Amor" com Miltinho e MPB4.

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