OPINIÃO

Boteco de segunda, mas de primeira

Por Roberto Magalhães | 23/02/2024 | Tempo de leitura: 2 min

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

O Galo nasceu em Pinheiros. Um bar espelunca. A muvuca é de beber em pé. Para as bundas cansadas, algumas cadeiras de plástico, dessas vagabundas de praia - as cadeiras, claro. Para completar, alguns engradados de bebidas. Paredes descascadas, reboco explícito, apertadíssimo, um forno de torrar. O jeito é beber na calçada que, sendo estreita, obriga o resto a ir para o meio da rua. Tanto sucesso o Galo fez, que foi notícia e foto na Folha de S. Paulo. É um boteco pobre, mas lotado de riquinhos, que adoram beber em bar de pobre sem o incômodo de estar ao lado de um. Difícil entender essa opção de ser mal tratado. Por que não um lugar arejado, confortável com bom atendimento? Os frequentadores retrucam que nada disso conta. Argumentam que um bar precisa ter um quê a mais, precisa ter alma. O Galo teria nascido assim ungido com a santa aura da embriaguez. Por isso, reina e canta no poleiro da madrugada.

O saudoso Humphrey Bogart dizia que "todo homem está sempre três doses abaixo do normal." É o que explica a impaciência com o moroso garçom. Pudera, o cara entra no boteco louco para esquecer as aporrinhações domésticas ou profissionais. Três doses depois, o mundo começa mudar de cor. Aliviado, ele fica simpático, ri de uma orelha a outra, destrava a boca, fala pelos cotovelos e, não poucas vezes, chora a vagabunda que lhe enfeitou a testa.

Paulo Mendes Campos dizia que é o "desequilíbrio" que nos leva ao bar. Aliás, o mesmo desequilíbrio que nos leva "à igreja, ao consultório do analista, às alcovas sexuais, à arte, à ciência, à ambição do dinheiro, a tudo." Acho que o tiro acertou a mosca: cada um busca sofregamente o lugar que lhe alivie as dores. Estamos sempre fugindo de alguma coisa, daí a necessidade de bengala que nos ampare. Baudelaire disse coisa nessa mesma linha: "É necessário estar sempre bêbado. Mas de quê? De vinho, de poesia, ou de virtude, como achardes melhor, contanto que vos embriagueis." E Maiakovski arremata: "Melhor morrer de vodka do que de tédio!"

Agora, saindo da embriaguez e voltando ao boteco, a pulga continua coçando. Teria mesmo o Galo essa alma que o consagra e o faz tão especial? Não sei não, prefiro acompanhar Paulo Mendes Campos. Para ele, um bar é como camisa que, com o tempo, fica velha. Só isso. Daí a necessidade de "comprar camisa nova e mudar de bar." Enfim, cada um sabe como está a camisa que lhe veste o corpo. Na vida tudo é, mas depois deixa de ser.

Talvez o Galo seja só uma camisa nova.

Ou não? Bar com alma? Será?

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