OPINIÃO

Déjà vu (...Nada há, pois, de novo sob o sol – Eclesiastes, 1.9)

Por José Carlos Pereira | 07/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é prof. aposentado da Faculdade de Odontologia de Bauru, USP

Um episódio marcou a história da antiga Roma, ainda sob o comando de Júlio César. Dizem os relatos, imortalizados na peça homônima de Shakespeare, que o senado romano, alegando que César pretendia dar um golpe autoproclamando-se imperador, dissolvendo a República e colocando em risco a democracia, conspirou para seu assassinato o que, de fato, ocorreu. Cooptado por Cassius e Brutus, um grupo de senadores romanos ambiciosos assassinou Júlio César nas escadarias do próprio senado, com vinte e três punhaladas. Isso ocorreu no ano 44 a.C., há mais de dois mil anos.

Empregando as artimanhas que os políticos tão bem conhecem e praticam, os senadores inculcaram na população a narrativa de que César merecia e precisava ser morto. Acreditando, os cidadãos romanos, ignaros, passaram a concordar com a conveniência do assassinato, apoiando seus executores.

Para dar mais credibilidade às suas "boas intenções", os senadores designaram Marco Antônio, pessoa muito próxima e querida de César e que o respeitava e admirava, a realizar a leitura de seu testamento e proferir as homenagens durante os funerais. Tal discurso, conforme magistralmente representado em Shakespeare, é considerado uma peça retórica digna de registro. Ao contrário do que esperavam os senadores ao sugerirem Marco Antônio como orador, o discurso, dito com ironia, acabou por reconquistar o respeito e a admiração que o povo nutria por César.

Os fatos da história presente aparecem como eventos novos, nunca antes experimentados. Não é verdade. Eles se repetem, e repetem, disfarçados em nova fantasia escondendo sempre o mesmo corpo. Assim acontece na cena política brasileira.

Imaginemos o discurso de Marco Antônio hoje, subtraindo-se as diferenças de tempo, de atores e de fatos, tendo como protagonistas personagens da vida política brasileira de hoje. Segue parte do discurso de Marco Antônio, como recriado por Shakespeare:

"Amigos, romanos, compatriotas ouçam-me. Eu vim para enterrar César e não para exaltá-lo. O mal que os homens fazem sobrevive depois deles; o bem é quase sempre enterrado com seus ossos. Assim seja com César.

O nobre Brutus lhes disse que César era ambicioso. Se isso é verdade, foi uma falta grave e gravemente César respondeu por ela. Com a permissão de Brutus e dos demais, porque Brutus é um homem honrado, assim como eles todos homens honrados, venho eu aqui falar nos funerais de César. Ele era meu amigo, leal e justo comigo. Mas Brutus disse que ele era ambicioso. E Brutus é um homem honrado.

Ele trouxe muitos prisioneiros para Roma, cujos resgates encheram os cofres públicos. Era nisso que César parecia ambicioso? Quando os pobres choravam, César chorava. A ambição deveria ser de uma substância mais dura. Mas Brutus disse que ele era ambicioso. E Brutus é um homem honrado.

Todos vocês viram que, nas Lupercalias, três vezes eu lhe ofereci a coroa real e três vezes ele recusou. É isso ambição? Mas Brutus disse que ele era ambicioso e, sem dúvida alguma, Brutus é um homem honrado.

Eu falo não para desaprovar o que Brutus falou. Mas estou aqui para falar o que sei. Todos vocês o adoravam e não sem motivo. Que motivo os impede, então, de chorar por ele agora? "

Voltando ao ano 44 a.C., a história registra que o assassinado, que não foi capaz de salvar nem a República nem a democracia, contribuiu por eternizar Júlio César. Depois de uma longa guerra civil e com a dissolução da República, Octávio Augusto foi proclamado o primeiro imperador de Roma.

Hoje vemos muitos homens honrados assassinando reputações. O número de punhaladas varia.

A história não perdoa o povo que a ignora.

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