
Justiça a todos é diretriz de vida
Foi durante um estágio na Defensoria Pública de Bauru, ainda durante a faculdade de direito, que Mario Augusto Carvalho de Figueiredo descobriu seu propósito de vida: garantir que pessoas com poucas condições financeiras pudessem ter seus direitos preservados por meio do acesso gratuito à Justiça. Depois de concluir a graduação, tornou-se defensor público e, hoje, aos 37 anos, é coordenador regional da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que abrange as unidades de Bauru e Jaú.
Ele está nesta função há dois anos e, como defensor, soma dez anos de carreira. Por meio de seu trabalho, ao lado de outros 13 colegas de profissão e mais cerca de 70 trabalhadores, entre servidores, estagiários e auxiliares administrativos, permite que pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos tenham assegurados direitos como internações, cirurgias e recebimento de pensão alimentícia.
A instituição atua, ainda, de forma coletiva em várias frentes. No ano passado, por exemplo, foi ela a responsável por ingressar com ação para garantir, em Bauru, a gratuidade do transporte público no segundo turno das eleições. Nascido na cidade, filho de um representante comercial e uma professora, Mario Augusto é casado com Fernanda, com quem teve Pedro, 7 anos, Maria Luiza, 1 ano e seis meses, e Maria Eduarda, de cinco meses.
Mestre em direitos difusos e coletivos, é coautor do livro "Aristóteles no Brasil do Séc. XXI" e autor de "Inteligência artificial e responsabilidade civil", que, devido à atualidade do tema, deverá ganhar em breve uma segunda edição. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.
JC - Você se tornou defensor público logo após se formar em direito?
Mario - Fiquei um ano e meio advogando para banco e saí para estudar para o concurso. Por dois anos e meio, fui pegando casos particulares, mais na área de família, mas não tinha escritório. Fui aprovado, tomei posse em fevereiro de 2013 e fui para São Paulo, no Fórum da Barra Funda. Fiquei lá por três anos, na área criminal e, depois, fui atuar na área cível e de família no Fórum da Freguesia do Ó. Fiquei seis anos em São Paulo e voltei para Bauru.
JC - A experiência em São Paulo foi muito diferente da de Bauru? Por que decidiu voltar?
Mario - O Fórum da Barra Funda é o maior da América Latina. Foi uma experiência bem rica. Mas os casos da Defensoria são bem parecidos aqui e lá. Na área criminal, são mais comuns casos de tráfico e roubo e, na área de família, casos envolvendo fixação e revisão do valor de alimentos (pensão alimentícia), além de execução da prisão do devedor. A decisão de voltar para cá foi muito motivada pelos filhos. Conheci a Fernanda em São Paulo, nos casamos e o Pedro nasceu lá. Já a Maria Luiza e a Maria Eduarda nasceram em Bauru. Aqui, há facilidade para locomoção e as crianças têm mais liberdade.
JC - Em que áreas atuou desde que chegou aqui?
Mario - Vim para Bauru no meio de 2018, fiquei quatro anos e meio na infância e juventude e, em junho de 2023, por achar importante fazer mudanças, fui para a área criminal. Na infância e juventude, os casos mais frequentes são de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco, reivindicação de medicamentos, cadeira de rodas, e adolescentes em conflito com a lei. Em Bauru, há um problema bem crítico na área de saúde e, todos os dias, somos requisitados para ingressar com ação judicial para conseguir medicamentos, cirurgia ou vaga de internação. Creio que, diante desta dificuldade, a população criou uma cultura de recorrer à Defensoria, até pelo fato de ela estar na cidade desde 2007, apenas um ano depois de a instituição ser criada no Estado de São Paulo.
JC - O que o moveu a se tornar defensor público?
Mario - O primeiro contato foi durante a faculdade, quando fui estagiário na Defensoria de Bauru por um ano e meio, na área de família, e me identifiquei. Encontrei meu propósito e vejo que tive uma decisão feliz. É uma instituição muito relevante para a democracia, com um papel importante de zelar pelas pessoas mais excluídas. Em cidades que não contam com Defensoria, a diferença é brutal em termos de acesso à Justiça.
JC - Algum caso marcou mais?
Mario - Casos de crianças ou adolescentes doentes, que estão anos sem tratamento porque não têm acesso a medicamento ou a cirurgia, marcam bastante. Quando a gente entra com o processo e vê a pessoa receber a decisão favorável do juiz, é muito gratificante. E é comum as mães virem na Defensoria depois para agradecer.
JC - Na pandemia de Covid-19, a Defensoria teve alguma atuação específica?
Mario - Teve um papel importante. Fizemos, por exemplo, audiências com o Departamento Regional de Saúde e cobramos informações quando faltaram medicações nos hospitais. Quando estava para vir a vacina da Pfizer, que exigia uma temperatura menor de armazenamento, fizemos recomendações à prefeitura. E, de forma individual, ingressamos com muitos mandados de segurança para conseguir vaga de internação, até mesmo em hospitais privados, às custas do Estado, porque o sistema público estava saturado.
JC - Com dez anos de atuação, considera já ter adquirido uma bagagem grande?
Mario - Já. Na Defensoria, a demanda é muito alta. Na triagem, por exemplo, a média de agendamentos presenciais em uma manhã é de 110, 120 pessoas, que nos procuram querendo ingressar com alguma ação. E, por vezes, estas pessoas chegam angustiadas, porque receberam muitos 'nãos' antes de decidir judicializar. Com o tempo, a gente vai aprendendo a administrar estes conflitos e adquire habilidade para contornar algumas situações.
JC - Quando não está trabalhando, o que gosta de fazer?
Mario - Gosto de fazer churrasco, cozinhar, assistir jogo de futebol do São Paulo, ver filmes e séries, ler, escrever e viajar. E gosto muito de ficar com a família. Em São Paulo, passava muito tempo fora de casa e não aproveitei tanto os primeiros anos do Pedro. Aqui em Bauru, consigo vivenciar bem mais este início de vida das meninas.