OPINIÃO

Querida Barbie

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

Enquanto aguardava a abertura das portas para a sessão de Oppenheimer, vi na outra sala de espera uma explosão de senhoras e adolescentes de croppeds rosas e cabelos tingidos com a mesma cor. Esperavam pelo filme da Barbie.

Sem deixar de sentir o sofrimento que a vida lhes impinge, tudo o que resta ao indivíduo é buscar um alivio momentâneo, alguma forma de anestésico, alguma gratificação menor. Adorno e Horkheimer chamavam de "atrofia da imaginação" esse fenômeno sociológico produzido pela indústria cultural.

A humanização da mercadoria leva a desumanização da pessoa. E não é só uma crítica ao sistema capitalista de produção. As linhas de produtos destinadas ao grande público também se identificam com ideários contrários ao sistema capitalista, como camisetas estampadas com a foto de Che Guevara ou roupas do estilo hippie. O importante é faturar.

Até a geração dos millenials, as pessoas tinham como ideário a acumulação do capital. Aprendiam, desde criança, a poupar para enriquecer. Os brinquedos, elas mesmas tinham que imaginá-los e até fabricá-los, como os papagaios de papel de seda, os carrinhos de rolimã e as bonecas de trapo. Hoje, o objetivo é o de nos tornar grandes consumidores e passar a vida comparando os tipos de experiência que o mercado pode oferecer, para inclusão.

Garotas apaixonadas pela Barbie guardam coleção com mais de uma centena de modelos da boneca. Nada seria possível sem o apoio financeiro dos pais, alvos principais dos fabricantes. Centenas de complementos, sempre caros, completam o saque aos bolsos dos responsáveis: patins, laptop, bicicleta, guitarra, microfone, cachorrinho... Existem Barbie vestidas para o desempenho de todas as profissões e situações.

Não esqueceram da cadeirante e a vestida de soldado, pronta para o front na Ucrânia. Jogadoras de futebol estão para sair. "Limited editions", com vestidos e joias assinadas por grandes criadores da moda, chegam a custar 1 milhão de dólares aos colecionadores. Quem sabe seja editada uma "Barbieheimer", misto com Oppenheimer, para aproveitar o fluxo de outro campeão de bilheteria. Seria uma garota preocupada com a corrida armamentista e os efeitos de uma possível guerra atômica, com detonações em forma de cogumelos cor-de-rosa.

Barbie já está com 64 anos, mas continua exibindo aquele corpo feminino anoréxico. Aparentemente um simples brinquedo, a boneca é uma referência que traz à tona uma série de ideais e representações da mulher. Padrões de beleza são criados e cada vez mais impostos à uma sociedade "plastificada". A mulher deve ser magra de corpo escultural, dentre outros atributos.

A Mattel, dona da patente, também precisa se mostrar politicamente correta. Existe a Barbie negra. No filme, recomendado a maiores de 12 anos, os criadores pretendem demonstrar que "toda menina pode ser o que quiser. A beleza está no interior de cada um". Pensam diferente os pesquisadores psicossociais.

Para o bem ou para o mal, a boneca é objeto de desejo das meninas justamente porque seu sucesso está imbricado à beleza, juventude e consumo. O ideal de beleza está sempre aliado ao supérfluo. Ela não só diz que a felicidade nela se encontra, como também que a felicidade "apenas" nela é encontrada.

O único modelo que o Marketing do fabricante nunca topou, foi o de produzir a Barbie-mãe. Seria o fim do fetiche de um objeto do desejo. Imagine boneca para amamentar bebê, cuidar da casa, do marido, trabalhar fora e ainda ter que comprar Barbie e acessórios para a filhinha, mesmo com outras prioridades.

Em sua ubiquidade, a indústria cultural batalha para que o indivíduo não lhe escape, nem por um segundo. Tudo o que ela precisa é que você nunca deixe a posição de consumidor. O objetivo é vender. Com toda a exposição na mídia e o próprio filme, as vendas vão aumentar, com certeza.

É o que interessa.

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