As manifestações coletivas de violência, que têm como objetivo vingar um crime envolvem, geralmente, uma parcela da população que não confia no Judiciário e nas instituições de segurança para resolver problemas. É o que avalia o professor e doutor em Ciência Política Bruno Pasquarelli, ao analisar casos recentes de justiçamento registrados em Bauru e região. Ele afirma, porém, que fazer justiça "com as próprias mãos" é errado do ponto de vista ético, moral e jurídico. Sem contar que se corre o risco de praticar injustiças, como aconteceu em Bauru e Botucatu.
Conforme o JC noticiou, na tarde da última segunda (12), em Botucatu, um homem de 36 anos foi espancado após ser confundido com um estuprador, enquanto acompanhava a filha de 13 anos, a distância, no trajeto da saída da escola até sua casa.
Ele tentou explicar que era o pai da adolescente, mas, mesmo assim, os agressores o cercaram e o espancaram, além de xingarem. O caso é apurado como lesão corporal, ameaça e injúria.
Outra ocorrência grave foi registrada em outubro de 2021, em Bauru. Um idoso, com Parkinson, ficou 19 dias na UTI e perdeu a visão de um olho após ser espancado na região do Bela Vista, porque o tremor em suas mãos foi confundido com gestos sexuais. Antonio Roberto Moreira, de 72 anos, morreu em 6 de junho último. A família afirma que o óbito foi em decorrência das agressões (leia abaixo).
NÃO É NOVO
Segundo Pasquarelli, esse tipo de comportamento (justiçamento) não é novo e ocorre em todo o mundo. "Esses casos começaram lá atrás, com a Lei de Talião. Mas, hoje, já não é mais tão comum, pois houve mudança na sociedade com o monopólio do poder da justiça nas mãos do Estado, com o Judiciário e as polícias. É ele que tem a responsabilidade de usar meios racionais para punir os autores", diz. Sem contar que é preciso provas para não se cometer injustiças.
Por outro lado, o especialista observa que o Estado ainda é falho na resolução de alguns casos, principalmente os relacionados a pessoas negras e de baixa renda, o que também faz com que parte da população não confie nessas instituições. "Se a família de uma pessoa agredida bate no autor para se vingar, pode ser que os parentes desse agredido busquem vingança também. Ou seja, a violência só gera mais violência", complementa.
Além disso, aquele que busca vingança incorre em crime. "As pessoas não podem agir da própria vontade tentando combater um fato criminoso. É para isso que existe a autoridade pública, que tem o preparo para saber o que é certo ou errado, de acordo com a lei", destaca o delegado seccional de Bauru, Luciano de Barros Faro, ressaltando que é função da Polícia Civil investigar crimes e coletar provas para responsabilizar os autores.
Já a PM pontua que a conduta de fazer justiça com as próprias mãos não é recomendada. "Ao presenciarem situações de crimes, que estejam ocorrendo ou tenham ocorrido, comuniquem a PM. Não orientamos nem incentivamos a ação direta da população no intuito de intervir em ação criminosa", alerta a corporação, em nota assinada pelo tenente-coronel Paulo Cesar Valentim, comandante do 4.º Batalhão de Polícia Militar do Interior (4.º BPM-I) de Bauru.
"Depois das agressões, meu pai nunca mais foi o mesmo"
Filha de Antonio Roberto Moreira, a manicure Giovana Moreira afirma que o pai morreu em decorrência do espancamento. "Quando foi intubado após as agressões, ele pegou uma bactéria no pulmão. E foi essa bactéria que causou a pneumonia bacteriana que tirou a vida dele. Se ele não tivesse sido agredido, não teria sido intubado e infectado. Sem contar que ele também teve insuficiência renal pela quantidade de remédios que estava tomando", detalha.
"Meu pai era independente, estava bem, e nunca mais foi o mesmo depois das agressões. Ele piorou, começou a cair sempre, esquecer das coisas, e não podia mais ficar sozinho. Se tivessem ligado para a polícia, feito o certo, acredito que meu pai ainda estaria aqui. Mas destruíram a vida dele. E eles estão aí, enquanto meu pai está morto. É revoltante. Só quero que a justiça seja feita", conclui a filha.