CIÊNCIA

Relógio é retrô e te escraviza!

Por Alberto Consolaro | 24/12/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC

Presentear com relógio significa dar a ele uma pessoa para que a comande
Presentear com relógio significa dar a ele uma pessoa para que a comande

Um só relógio persiste na sala e, de vez em quando, me atrasa um compromisso. É sinal que está na hora de trocar a pilha. Um dia desses ressuscitei das catacumbas um despertador que toca desesperado uma campainha estridente quando está há hora! Tentei, mas não dá, tem que ficar dando corda todo dia. O relógio da sala tem seus dias contados, pois se dizia que relógio era a única coisa que trabalhava de graça e as pilhas estão muito caras.

Perto deste relógio, uma flor tocou o ponteiro sem percebermos, e ele parou! Horas depois, fiquei feliz pois vi que uma flor parar o tempo. Isto pode ser um sinal que horários não devem prevalecer, que devemos dar um tempo ao tempo. A flor, o amor, o carinho e o afeto não têm tempo para iniciar ou acabar, só dependem de nós em se desligar da escravidão servil ao relógio!

ESCRAVOS DO RELÓGIO

O escritor argentino Julio Cortázar escreveu que não devíamos usar relógios de pulso e muito menos dá-los a alguém. No conto “Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio” do livro “Histórias de cronópios e de famas”, descobri que quando lhe dão um relógio, o presente é você para o relógio! É ele que o levará para passear, trabalhar e se divertir. Ele tomará conta de você, lhe dando a obsessão de olhar a hora certa. Você o cuida para não ser roubado, cair no chão ou se quebrar, ou ainda lhe dá o costume de comparar seu relógio aos dos outros.

Para cortar o encanto do relógio não lhe dê corda ou tire-lhe a bateria. Depois de uma breve crise de abstinência perceberás que as árvores soltarão suas folhas, os barcos correrão em regata, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar, as brisas da terra, a sombra de uma mulher e o perfume do pão com queijo.

Como uma mágica, cada coisa ou encontro esquecido por você, enferrujará as peças e começará a corroer as veias do relógio, secando o sangue frio dos rubis e quartzos. Com a morte do relógio perceberemos que se não corrermos na vida, aí que chegaremos antes e compreenderemos que o tempo não tem importância.

CRIANÇAS

Muitas escolas com o motivo de preparar as crianças e abrir portas para que dominem o mundo, embute uma competividade que pode criar a Síndrome do Pensamento Acelerado de Augusto Cury. As crianças e adolescentes se retraem, se exacerbam, perdem a naturalidade e ficam agressivas, sendo atribuídas a elas diagnósticos e terapêuticas equivocadas de hiperatividade, depressão e outras psicopatias. Cuidado, um relógio pode ser perigoso.

Relógio, tempo e cobranças são coisas que andam juntas. Eu percebo nitidamente quanto tempo eu perdi ao não perder tempo com certas coisas. Hoje eu vivo revisitando os caminhos percorridos à busca de coisas que deixei para trás por falta de tempo ou ainda procurando o que perdi pelos solavancos da estrada que segui. As vezes me perguntam: o que procuras? Respondo que procuro algo que perdi no caminhão de mudança e nem sei o que é! Ainda bem que tenho estas oportunidades e quem não as têm?

REFLEXÃO FINAL

O relógio é muito retrô e fica nos tolhendo. É muito bom sair por ainda cantarolando “Tempos Modernos” de Lulu Santos: “Hoje o tempo voa, amor/ Escorre pelas mãos/ Mesmo sem se sentir/ Não há tempo que volte, amor/ Vamos viver tudo que há pra viver/ Vamos nos permitir” ...

Devemos consumir e construir aquilo que queremos e podemos para ficarmos tranquilos e felizes, plenos na sensação de bem-estar, sem culpas e medos. A vida é curta e nobre demais para vivê-la sem qualidade, pois haverá o amanhã e o amanhã será muito melhor! Quem consegue ser feliz com o pouco, jamais será escravo do muito.

Feliz Natal.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Receba as notícias mais relevantes de Bauru e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.