Ácido pirolenhoso é obtido através da condensação da fumaça do carvão e já é usado como fertilizante e repelente de pragas
Bernardino de Campos - Um produto extraído da condensação da fumaça de carvão está revolucionando a agricultura na região. É o Ácido Pirolenhoso, um extrato que pode substituir adubos, fertilizantes e desinfetantes de solo, além de servir como um repelente natural e eficaz contra pragas e outros animais.
O Piro Mor, como é comercialmente chamado, está sendo produzido há cerca de oito meses pelo comerciante João Batista de Almeida, 52 anos, que já foi apelidado de engarrafador de fumaça.
Segundo ele, o produto é constituído de 200 tipos de compostos orgânicos. Diluído conforme o tipo de cultura, pode ser usado diretamente no solo ou pode ser pulverizado sobre folhas e frutos. Ele ajuda a recuperar as propriedades físicas, químicas e biológicas da terra e revigora a planta. O resultado são frutos mais bonitos, maiores, mais saborosos e que resistem mais tempo após a colheita. E o melhor: sem qualquer contra-indicação à saúde do consumidor, já que não contém contaminantes.
Ao contrário, os produtores estão usando o Piro Mor junto com inseticidas e garantem que já diminuíram em até 50% a quantidade dos produtos químicos. E além de tudo isso, ele ainda elimina quase todo o alcatrão da fumaça na produção do carvão, o que é excelente para o meio ambiente, completou Almeida.
Início
O comerciante contou que descobriu a técnica há cerca de oito meses, assistindo a uma reportagem sobre o Programa Pró-Carvão, cujo objetivo é reduzir, nas carvoarias, a emissão de alcatrão na atmosfera. Um dos responsáveis pelo programa é o bernardinense José Otávio Brito, professor da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq/USP), de Piracicaba.
Sendo conhecido de Brito, Almeida entrou em contato e pediu detalhes do projeto. O pesquisador passou as coordenadas, Almeida construiu artesanalmente o equipamento - que não mostrou à reportagem, alegando ser o segredo de seu negócio - e começou a extrair o Piro Mor a partir da condensação - processo que transforma o vapor (no caso, a fumaça do carvão) em líquido.
Um metro cúbico de madeira dá 100 litros do produto. Eu tiro, em média, 2 mil litros do Piro Mor por mês. Minha intenção é chegar a tirar 2 mil litros por dia, contou Almeida.
A não ser pela mão-de-obra, a extração praticamente não tem custos para ele, pois o comerciante é proprietário de uma serraria e usa restos de madeira de eucalipto para fazer o carvão e condensar a fumaça. Ou seja, ele vende a madeira, o carvão e o ácido pirolenhoso, aproveitando integralmente a matéria-prima.
Almeida explicou que, desde o início, amostras do ácido pirolenhoso vêm sendo analisadas por Brito (Esalq). Ele diz que esse produto vai ser a salvação da agricultura, pelo custo-benefício e porque diminui o uso de inseticidas, herbicidas, formicidas. Uma usina de cana-de-açúcar gasta US$ 55 com herbicidas para cada hectare de plantação. Com o produto, o gasto diminuiria 40%, observou.
Milenar
De acordo com o aposentado Antônio Sousa Santos, 71 anos, conselheiro e colaborador de João Almeida, o ácido pirolenhoso é um produto milenar e que foi muito usado, no Egito, na mumificação de corpos. Por volta de 1930, descobriu-se que esse produto poderia ser aplicado à agricultura, com bons resultados, nutrindo a planta e repelindo pragas. E isso a um custo relativamente baixo, já que o extrato é diluído na proporção de 200ml para cada 100 litros de água, comentou Santos.
Para o tratamento do solo de jardins, recomenda-se diluir uma colher de café do ácido pirolenhoso para cinco litros de água. Para pulverizar flores, a diluição deve ser de três gotas para cinco litros de água. Segundo Almeida, o Japão usa o extrato na agricultura há milhares de anos, com excelentes resultados.
Produção aumentou em 30%
O agricultor Edson Porto de Castro, 64 anos, começou a usar o Piro Mor há cerca de cinco meses. Ele garante que sua produção aumentou em aproximadamente 30%, mesma proporção em que foram reduzidos os custos e o uso de produtos químicos. Não podemos eliminar totalmente a química, porque ela é necessária para a qualidade do produto, mas já reduzimos 30% e queremos reduzir ainda mais, contou.
Segundo ele, a diferença da plantação com o uso do extrato foi enorme. Eliminou os insetos, que é o que mais estraga o produto, e melhorou muito o fruto, ganhou mais massa, ficou mais pesado. Valeu a pena, disse.
O agricultor contou que mantém 30 mil metros de estufa, onde planta pepino, pimentão e tomate. No final do ano passado, o ácido pirolenhoso chegou a salvar a plantação de duas estufas inteiras de pimentão. O calor foi demais e começou a dar frutos muito pequenos. Nós chegamos até a começar a arrancar os pés, mas resolvemos tentar o Piro Mor. Começamos a passar no solo, nas folhas e, hoje, colhemos uma carreta inteira de pimentões desses pés que estávamos para arrancar, comemorou.
Foi o próprio produtor do ácido pirolenhoso, João Almeida, quem apresentou o produto ao agricultor. Ele disse ter dado cinco garrafas do Piro Mor para que Castro experimentasse. A partir daí, o agricultor tornou-se fiel freguês.
No começo, nós passávamos o produto duas vezes por semana. Agora, estamos passando a cada dez dias, porque à medida que reduz os insetos, diminui a doença e precisa de menos tóxicos, observou Castro.
Estudo aprovou o produto em 1932
A Journal of Agricultural Research (Revista de Pesquisa Agricultural) publicou, em abril de 1932, um estudo realizado pela Estação Experimental de Agricultura Massachusetts, comparando os resultados da aplicação de formol, ácido acético e ácido pirolenhoso na agricultura. O objetivo era promover um melhoramento do solo antes da semeadura, de modo que o índice de apodrecimento das sementes e raízes fosse o menor possível.
Os três produtos foram testados no solo em diferentes condições, para diferentes culturas (pepino, beterraba e alface), com intervalos variáveis (1 a 13 dias antes da semeadura) e todos os resultados apontaram vantagens para o ácido pirolenhoso.
A primeira delas foi o custo, equivalente a 58% do que foi gasto no tratamento com formol. O ácido acético também mostrou-se mais barato, mas ainda correspondeu a 3/4 do custo do formol.
Outra diferença mostrada foi no intervalo necessário entre a aplicação dos produtos e a semeadura. No caso do formol e do ácido acético, a semeadura só pôde ser feita 10 a 13 dias após o tratamento do solo. Com o ácido pirolenhoso, esse prazo chegou a ser encurtado para um a dois dias, sem qualquer prejuízo para o plantio. Ainda assim, por segurança, Almeida recomenda aguardar sete dias, após o uso do Piro Mor no solo, para a semeadura.
O ácido pirolenhoso mostrou-se um eficiente desinfetante de solo, tanto quanto o formol ou o ácido acético, porém, mais confiável e barato do que ambos, concluiu o estudo.