Estigmatizada como sinônimo de mulher má nos contos de fadas e em ditados populares, a figura da madrastra na realidade sofre uma injustiça. Nem sempre (ou talvez, quase nunca) a segunda esposa do pai é uma mulher ruim ou invejosa, pelo contrário, muitas mulheres nessa situação acabam sendo grandes amigas e verdadeiras protetoras dos (as) enteados (as). Em outras palavras, mães e, portanto, também comemoram o seu dia hoje.
Nenhuma mulher sonha em ser madrasta um dia, mas esse papel está cada vez mais se tornando uma realidade, atualmente. Uma das razões é fato de muitas mulheres estarem se casando ou encontrando o parceiro ideal mais tarde, o que aumenta a probabilidade dele já ter filhos. A outra, é o aumento do número de divórcios, que divide a família e, invariavelmente, faz com que ou o homem ou a mulher carreguem os filhos para uma segunda relação ou casamento.
Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo a publicação Ebony, existem 15 milhões de madrastas no país. O último censo americano mostrou que mais da metade da população vive em uma casa comandada por um padrasto ou por uma madrasta. Nas décadas de 80 e 90, o número de crianças americanas que têm padrasto ou madrasta aumentou em 13%, enquanto o dos que vivem com os pais biológicos diminuiu 4%.
No Brasil, os dados não são tão precisos mas uma recente Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (Pinad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que a maioria das crianças brasileiras vive em lares de um só cônjuge, o que pressupõe que por trás desses números exista a presença de uma mãe auxiliar, que pode ser uma namorada ou nova esposa do pai.
Segunda mãe
A professora Maria Luiza Mendonça é uma dessas mães auxiliares. Há três anos ela se tornou a segunda mulher do comerciante Sérgio da Silva Camargo, que já tinha dois filhos do primeiro casamento. Não sabia como ia ser ter que me relacionar com duas crianças, porque não tinha filhos, nem pensava nisso, conta.
O começo não foi fácil, porque a mãe biológica das crianças dificultou a relação. Ela achava que eu ia roubar os filhos dela, diz. Foi preciso mais de um ano de negociações de todos os lados para que os filhos de Sérgio passassem a encará-la como uma amiga. Tive que ter muita paciência com eles, mas valeu a pena porque hoje sinto que eles gostam mesmo de mim e eu sei que só quero o bem deles como se fossem meus filhos... Quer dizer, eles agora são também, declara.
Para a dona de casa Célia (que preferiu não se identificar por completo) hoje os filhos do marido também são como se fossem seus, apesar de terem a mãe biológica. E vai mais longe: Eles gostam mais de mim do que dela, diz sem modéstia. Tenho orgulho de dizer isso porque fui eu quem os criei desde muito cedo, quando a mãe deles deixou o pai. Ensinei e eduquei como uma verdadeira mãe, explica. O marido, João, confirma: Meus filhos têm ela como uma segunda mãe mesmo. é para ela que eles vão chorar ou pedir alguma coisa, afirma.
Mãe também
Do ponto de vista dos filhos, a presença de uma madrasta no começo é estranha mas depois pode ser muito vantajosa. A universitária Eliana Corrêa Parente foi criada desde os 10 anos pela madrasta, depois que os pais se separaram. Assim que o pai começou a namorar, ela conta que foi contra. Fiquei com ciúme dele, achava que ela estava se intrometendo, conta. Depois que o pai se casou novamente e ela passou a viver com a madrasta foi que a conheceu por completo. Ela sempre me tratou muito bem, mas na mesma casa ela mostrou que era muito mais do que eu esperava, uma grande amiga, diz.
A estudante passou a conversar muito mais com a madrasta, mesmo tendo um relacionamento muito próximo com a mãe também. Com a minha mãe eu falava coisas de filha, com ela falava coisas de amiga, era diferente, mas sabia que podia confiar nas duas porque elas me amavam como filha, explica.
Acho que todo mundo tem medo de perder o pai quando surge uma madrasta, diz o estudante Luís Cláudio Sanches, que também foi praticamente criado pela segunda esposa do pai depois que a mãe faleceu, quando ele tinha 7 anos. No começo achei que pudesse perder meu pai também quando ela surgiu, revela.
O medo inicial, segundo Sanches, desapareceu quando ele percebeu que ela era uma pessoa muito boa para seu pai, que demorou muito para se recuperar da perda da esposa. Além disso, ela sempre foi muito amorosa comigo, nunca brigou e até me puxava o saco um pouco... Não sei como eu teria crescido se não tivesse tido ela como mãe substituta, questiona. Acho que teria sido uma criança triste. Graças a ela eu não fui, completa.
Tirando o rótulo
Não se pode generalizar dizendo que a madrasta é sempre ruim, alerta a psicóloga Luciana Biem Neuber. Existem mães biológicas que são relapsas e pouco carinhosas, assim como existem mães biológicas cuidadosas e amorosas. Com a madrasta é a mesma coisa, completa. Segundo Biem, a figura da madrasta está envolta numa simbologia na qual representa a mulher má, aquela que veio para roubar o pai ou separar a família, e muitas vezes, por conta desse rótulo, acaba sendo repudiada pelos enteados mesmo antes de ser devidamente conhecida por eles como pessoa.
É essa a imagem que os contos de fada como Branca de Neve ou Cinderela passam. A psicóloga explica que, nos contos, a figura da madrasta representa o aspecto negativo da lado feminino, enquanto a mãe, o lado positivo. Trata-se de puro símbolo e não de uma afirmação de que todas as madrastas são verdadeiras bruxas.
Ou seja: toda mãe biológica seria formada por um lado mãe, que é carinhoso, compreensivo, amoroso; e por um lado madrasta, que é disciplinador, que diz não, que é bravo quando precisa. O problema é que, às vezes, os filhos acham que aquela mulher que está entrando na vida deles é ruim porque sempre ouviram falar que só a mãe é quem ama, só a mãe é o boa e que a madrasta é ruim, diz Luciana Biem Neuber.
O próprio significado (um dos possíveis) da palavra madrasta no dicionário mostra como sua imagem é rotulada para o mal: pouco carinhosa, ingrata, má. É claro que existem mulheres que fazem jus à fama de bruxa, têm ciúme dos filhos do marido, brigam, mas isso não acontece em todos os casos, lembra.
A entrada da madrasta na vida dos filhos do companheiro deve acontecer naturalmente e não de uma forma que a coloque como uma opositora da mãe biológica.
Na opinião da psicóloga Telma Regina Toniol, essa entrada pode acontecer de diferentes maneiras. No geral, se a mãe biológica morre e a criança é pequena, é mais fácil que ela assimile a nova companheira do pai porque tem tempo de formar a imagem de uma mãe substituta. Quando é mais velha, a criança pode vir a ter algum problema com a madrasta se a encarar como uma rival ou como a mulher que vai roubar o pai.
No caso de uma separação do casal, Telma Toniol acredita que é muito comum que os filhos fiquem do lado das mães mesmo que elas tenham sido a razão da separação. Assim, a aceitação da madrasta fica muito mais difícil. O ser humano tem a necessidade de sempre culpar alguém e nesse caso os filhos vão sempre culpar a madrasta pelo fim do casamento dos pais, diz a psicóloga. Mas a madrasta não é tão ruim como dizem.
Mas todos os caso têm solução. A madrasta, independente da mãe biológica estar viva ou não ou da idade dos filhos do companheiro, deve ser uma pessoa madura o suficiente para não cair em disputas e não ter ciúme e também deve respeitar o fato de que os filhos vão sempre ter na mãe biológica uma figura incomparável. Tudo depende de como é a relação familiar e de como essa entrada da madrasta vai ser passada para os filhos, diz Luciana Biem Neuber.
A psicóloga recomenda o filme Lado a Lado, como uma boa fonte para madrastas. A fita, estrelada por Julia Roberts e Susan Sarandon, mostra o relacionamento dos filhos de uma casal separado com a madrasta (Roberts) e a relação dela com a ex-mulher do companheiro (Sarandon), que sofre de uma doença terminal.