Ainda não são conhecidas todas as cláusulas do acordo que a Argentina negociou com o FMI. O ministro Cavallo e o subsecretário Daniel Marx divulgaram apenas o que se acredita sejam os aspectos essenciais relativos ao problema da dívida externa e ao regime fiscal. No primeiro caso, o FMI mandou a Argentina renegociar a dívida, o que é uma atitude surpreendente. Ninguém ignora que essa postura inovadora do Fundo decorre de orientação do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, revelando uma tomada de posição importante da administração Bush no trato do problema do endividamento em terceiros países.
No Brasil, essa surpreendente mudança do FMI adquire contornos ainda mais interessantes, pois ainda há pouco presenciamos a forte reação de setores políticos que consideraram um absurdo o PT colocar em discussão a hipótese de renegociação de nossa dívida externa, caso vença as eleições. Não haveria mais razão para tanto barulho agitando a questão da dívida, pois o precedente argentino representa na prática um aval do FMI ao programa do PT. Não é o caso, porém, de comemoração antecipada, por duas razões: 1) o processo de renegociação é muito complicado e pode ser extremamente turbulento; 2) as recomendações do FMI não são nenhum remédio milagroso; em vários casos, como na mais recente crise asiática, a receita prescrita quase matou os pacientes.
Ao exigir, por exemplo, que a Argentina faça o ajuste fiscal que produza um déficit zero nas contas públicas da União e das Províncias, o FMI criou uma situação absurda. Existe um acordo de transferência de recursos da União para as Províncias e estas já deixaram claro que sua suspensão as tornará ingovernáveis. Sustar as transferências representa impor às Províncias um profundo corte de despesas, com mais demissões de servidores, paralisação de serviços, redução do emprego e queda dos níveis salariais no setor privado, com o aprofundamento ainda maior da recessão que assola as suas economias. A exigência do FMI pode até ser aceita formalmente, por falta de alternativa, mas é evidente que não vai funcionar. As resistências dos governadores e da própria sociedade são enormes e com muita razão, pois na maioria das Províncias a crise social está se tornando incontrolável.
Trata-se, portanto, de mais um ato de insensatez promovido pelo FMI. Menos compreensível, ainda, se considerarmos que a solução dos problemas argentinos não depende apenas do regime fiscal mas, sim e principalmente, da correção da taxa de câmbio, há dez anos prisioneira de uma concepção equivocada de política econômica.
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