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Tratamentos melhoraram com o tempo

Josefa Cunha
| Tempo de leitura: 6 min

Da antiguidade aos tempos atuais, a forma com que a sociedade trata as pessoas deficientes passou por diversas mudanças. Hoje, por exemplo, a regra pede que a comunidade se adapte às necessidades delas.

A palavra inclusão invadiu o discurso nacional recentemente, passando a ser usada amplamente, em diferentes contextos e mesmo com diferentes significados. Ao invés de favorecer a compreensão do processo ao qual a palavra se refere, no entanto, o momento revela um certo modismo, com o uso muitas vezes superficial de um rótulo e sem qualquer significação social.

Não se pode, contudo, ignorar o longo e importante processo histórico que produziu a proposta de inclusão, configurado numa luta constante de diferentes minorias, na busca de defesa e garantia de seus direitos enquanto seres humanos e cidadãos. Ignorar esse processo implicaria a perda de compreensão de seu sentido e significado.

A relação da sociedade com a parcela da população constituída pelas pessoas com deficiência tem se modificado no decorrer dos tempos, tanto no que se refere aos pressupostos filosóficos que a determinam e permeiam quanto no conjunto de práticas nas quais ela se objetiva. Ao longo da história, a relação sociedade-deficientes passou por diferentes entendimentos e a esse conjunto de ações e reações dá-se o nome de paradigma. Temos três paradigmas envolvendo o assunto, sendo o último deles ainda desconhecido no Brasil, embora já difundido na Europa e EUA.

O primeiro paradigma, mantido por cerca de 400 anos foi o da institucionalização total, numa época em que se acreditava que a deficiência mental era hereditária e incurável, justificando a internação de seus portadores em hospícios, albergues, asilos ou cadeias. Foi no século XVI, durante a Revolução Burguesa, que surgiu o primeiro hospital psiquiátrico, modelo que logo se proliferou com o intuito exclusivo de confinar as pessoas, ao invés de tratá-las. O período histórico que precedeu esta fase, vale registrar, foi muito pior, com a eliminação sumária de recém-nascidos vitimados por deformidades físicas. O tratamento dado aos debilitados mentalmente tampouco era humano. Estes, segundo a literatura antiga, serviam como bobos ou palhaços para a diversão dos senhores.

Com o advento do cristianismo, a situação sofreu mudanças, pois todos passaram a ser igualmente considerados filhos de Deus, possuidores de uma alma e portanto merecedores do respeito. A própria Bíblia faz referências ao cego, ao manco e ao leproso - a maioria dos quais sendo pedintes ou rejeitados pela comunidade, seja pelo medo da doença, seja porque se pensava que Deus estava punindo os doentes. Mesmo assim, havia quem considerasse as deficiências um sinal de possessão demoníaca, passível de punição.

Institucionalização

O Paradigma da Institucionalização caracterizou-se pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e por sua manutenção em instituições segregadas ou escolas especiais, freqüentemente situadas em localidades distantes das famílias. Apesar de existirem desde o século XVI, as instituições totais não foram criticamente examinadas até o início da década de 60, quando Erving Goffman publicou a obra Manicômios, Prisões e Conventos, que se tornou uma análise clássica das características da instituição e de seus efeitos no indivíduo.

A partir dos anos 60, o modelo da institucionalização foi duramente criticado, principalmente quanto a sua inadequação e ineficiência para pôr em prática a teoria de favorecer a recuperação das pessoas para a vida em sociedade. Pelo contrário, descobriu-se que doentes mentais institucionalizados apresentavam alto grau de baixa auto-estima, ausência de motivação para a vida, desamparo aprendido e distúrbios sexuais. Hoje, apenas 10% dos deficientes brasileiros encontram-se reféns desse ultrapassado modelo.

Paradigma de serviços

Considerando que o paradigma tradicional de institucionalização demonstrou fracasso na busca da restauração do indivíduo no contexto das relações interpessoais e integração social, iniciou-se no mundo ocidental o movimento pela desinstitucionalização, baseado na ideologia da normalização, como uma nova tentativa para integrar a pessoa com deficiência à sociedade. Gradativamente, então, surgiu um novo paradigma de relação entre a sociedade e a parcela da população representada pelas pessoas com deficiência: o Paradigma de Serviços.

Desde o início, o objetivo desse novo modelo era ajudar pessoas com deficiência a obter uma existência tão próxima do normal possível. Ao se afastar do paradigma da institucionalização - o interessante não eram mais sustentar uma massa cada vez maior de pessoas, com ônus público, em ambientes segregados; o que valia era desenvolver meios para que elas pudessem retornar ao sistema produtivo -, criou-se o conceito da integração, o qual advogava o direito e a necessidade das pessoas com deficiência serem trabalhadas para chegarem o mais próximo da normalidade. Nessa fase, a sociedade não precisava se reorganizar para favorecer ou garantir o acesso do diferente a tudo o que se encontra disponível aos diferentes cidadãos, mas sim assegurar serviços e recursos que pudessem normalizar os deficientes.

Enquanto o Paradigma da Institucionalização se manteve sem contestação por vários séculos, o de Serviços começou a enfrentar críticas logo após seu surgimento. Os ataques vinham da academia científica e das próprias pessoas com deficiência, organizadas em associações e outros órgãos de representação, muitas vezes motivados pela dificuldade de se ter acesso aos tais processos de normalização. Outra crítica importante referia-se à expectativa de que a pessoa com deficiência se assemelhasse ao não deficiente, como se fosse possível aos homens tornarem-se iguais uns aos outros.

Somente na década de 80 é que uma nova linha de reflexão começou a surgir nos Estados Unidos e Europa. A questão principal? Se todos são diferentes, por que apenas uma pequena parcela é julgada indigna de participar da sociedade em condições de igualdade? Por que a mudança deveria partir dos deficientes e não dos não deficientes? Cabe à sociedade oferecer serviços aos cidadãos deficientes (seja nas áreas física, psicológica, educacional, social ou profissional). Mais: é ela que deve garantir a essas pessoas acesso a tudo que disponibiliza aos demais, independente do tipo de deficiência e do grau de comprometimento apresentado pelo cidadão.

Suporte/inclusão

O Paradigma de Suporte surgiu dessa reflexão, estando fundamentado no pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos. Para tanto, fez-se necessário identificar o que poderia garantir tais prerrogativas. Os suportes podem ser de diferentes tipos e têm como função favorecer o que se passou a denominar inclusão social.

A inclusão parte do mesmo pressuposto da integração, que é o direito da pessoa portadora de deficiência ter igualdade de acesso ao espaço comum da vida em sociedade. Diferem, porém, no sentido de que o Paradigma de Serviços prega investimentos na promoção de mudanças do indivíduo. Dessa forma, esse novo conceito não diz respeito somente aos deficientes, mas sim a todos os cidadãos, o que deixa evidente que o processo de inclusão não será possível enquanto a comunidade não for inclusiva, realmente democrática. De nada vai adiantar prover igualdade de oportunidades se a sociedade não garantir o acesso da pessoa portadora de deficiência a essas oportunidades.

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