Arnaldo Niskier, da Academia Brasileira de Letras, fala, em entrevista, da atual situação da educação no País e do descaso com a política cultural por parte dos governantes.
Para ele, o Brasil sofre por estar atrelado a um modelo ultrapassado de educação. Crítico ferrenho dos modelos importados adotados nas universidades do País, Arnaldo Niskier considera de suma importância que a educação brasileira passe por uma transformação renovadora, fato que se vê mais que necessário, tendo em vista a evasão de cerca de 30% nas universidades.
Jornalista, professor, educador, administrador, ex-secretário de Estado no Rio de Janeiro e ocupante da cadeira de número 18 da Academia Brasileira de Letras, entidade da qual foi presidente em 1998 e 99, Niskier esteve em Bauru ontem, participando como palestrante do seminário Educação Brasileira e Responsabilidade Social das Empresas, realizado no Obeid Plaza Hotel, pelo Centro de Integração Empresa-Escola.
Expondo o tema A Educação Brasileira em um Mundo sem Fronteiras, Niskier conversou com a reportagem do JC Cultura minutos antes de sua palestra. Leia a seguir a entrevista.
JC Cultura - Qual o assunto abordado pelo sr. neste seminário? Arnaldo Niskier - Eu vou dar uma geral no campo da educação brasileira e mostrar essas mudanças que estão ocorrendo no mundo todo. E elas deverão atingir o Brasil, o mais rápido possível. Porque eu sinto a existência de uma reação do jovem em relação à qualidade daquilo que é ministrado nas nossas universidades. Há uma evasão de aproximadamente 30%, mesmo nas universidades oficiais, o que prova que o problema não é só econômico. Tem algo estranho acontecendo. Esses currículos, essa maneira de ensinar conservadora, ela está superada. Os currículos, na verdade, eles não estão afinados com as necessidades do mercado de trabalho. Então, o mundo avança, você vê a sociedade do conhecimento, hoje é uma realidade. Será que é uma realidade no Brasil? A biotecnologia, onde nós poderíamos ter um sucesso imenso, porque o Brasil é riquíssimo em relação a isso, mas nós importamos descaradamente remédios de toda parte do mundo, gastando milhões que poderiam, de certa forma, estarem sendo convertidos ao bem-estar da população, à saúde, educação, etc. Eu tenho a impressão que a educação precisa ser um grande projeto nacional. Não reeleger ninguém, não pode ser instrumento de exibicionismo nem para fins secundários. O que é preciso é que a educação, ela por si só, seja valorizada e sirva para ajudar o povo a sair dessa situação, ultrapassada.
JC Cultura - Como seria essa transformação que o sr. citou? Niskier - Tem que haver uma mudança na qualidade da educação e ela começa, a meu ver, e acho que acaba, na qualificação dos professores. Você tem que ter bons professores, estimulados, e professores bem remunerados. O País não pode crescer com sua universidade pública em greve há 40 dias. Os salários não são mexidos há sete anos. Isso é tratar a educação de uma forma iníqua. A conseqüência disso são alunos mal preparados, desestimulados, desinteressados, e aí, quando você diz que o aluno hoje anda só atrás do diploma, é preciso entender que o sistema fez com que ele, pelo menos, se interessasse pelo diploma. Mas isso está errado. Ele tem que gostar da sua instituição, gostar daquilo que está fazendo, se formar para aquilo que tem mercado e, tendo mercado, naturalmente lhe dará um salário compatível. Eu acho que essa equação ela precisa ser inteiramente quantificada e é nisso que os educadores se empenham, para que surta algum resultado.
JC Cultura - O sr. critica os modelos de educação adotados no Brasil, que foram importados de outros países. Existiria um modelo brasileiro de universidade e isso seria possível nos dias de hoje? Niskier - Você imagina o Oscar Niemeyer, ele é copiado no resto do mundo, não é isso? Você vê o futebol brasileiro, hoje em crise, ele é copiado no resto do mundo. Eu vi um jogo agora, o Sub 17, em que os africanos tiraram o segundo e terceiro lugares, o Brasil ficou em quarto lugar, eles jogam no estilo brasileiro, com alegria, um estilo que nós, evidentemente, perdemos por razões que não vêm ao caso. Então, nós temos condições de impor ao mundo certos estilos que são nossos, da nossa realidade sócio-cultural, e não dos outros. Quando nós quisemos copiar a educação, no século retrasado, em mil oitocentos e pouco, a educação inglesa, foi uma catástrofe. Quando uma das leis brasileiras de reforma na educação copiou o modelo alemão, outra catástrofe. Porque nós devemos conhecer os modelos de fora exatamente para não repetirmos, para que nós pudéssemos ter uma pedagogia nossa. Mas, quando você vai à universidade, você visita a biblioteca, você vai ver que a predominância dos livros é de autores estrangeiros. Porque eles acham bonito ter autores estrangeiros como se eles fossem a oitava maravilha do mundo. Por que não valorizar os nossos autores? Eles existem! Nós temos Luís de Teixeira, Carneiro Leão, temos Darcy Ribeiro, isso só para falar naqueles que já se foram. Então, por que não acreditar que essa gente tenham tido condições, em algum momento, de pensar uma educação que se adapte à nossa perspectiva? Por que temos que copiar dos outros?
JC Cultura - Por que a cultura é tão desvalorizada no Brasil, tanto pelos governantes quanto no dia-a-dia das pessoas? Como é possível reverter esse quadro de desinteresse pela atividade cultural? Niskier - Sendo o próprio Ministério da Cultura um dos menores em matéria de recursos, isso já dá um modelo de como o Governo trata a cultura. Muito discurso, um fraseado muito bonito e pouca grana no cofre. Agora, você faz cultura também com recursos e não é com assistencialismo, com paternalismo. É com recursos para parcerias, para avançar grupos teatrais por todo esse interior maravilhoso do País, especialmente o interior de São Paulo, que é tão rico. Para que quem tenha um conjunto de câmara de primeira, é possível que haja aqui em Bauru, que possa ir a outras cidades próximas ou distantes, com as viagens financiadas e também seus cachês garantidos. Então, a cultura é um processo e a educação também faz parte da cultura e nós temos que considerar que o Brasil não tem um projeto de cultura nacional. Não há uma vontade política de valorizar a cultura. Eu fui secretário de Educação e Cultura do Rio de Janeiro por quatro anos, de 1979 a 83, você pode ter certeza de que eu fiz pela cultura o que talvez pouca gente tenha podido fazer numa secretaria de Estado. Eu sou um fazedor, não sou um teórico. E tendo procurado fazer, hoje eu me decepciono com o que não é feito.
JC Cultura - E a Academia Brasileira de Letras? Niskier - Vai bem...
JC Cultura - E a cadeira de Jorge Amado? Niskier - Vai ser preenchida pela Zélia Gatai, com certeza, ela já tem os votos na mão e promessas firmes. Com esse binômio ela não precisa se preocupar, pode ir preparando o discurso.
JC Cultura - Muito se questiona sobre o papel da ABL. Por que é importante para o Brasil ter sua Academia de Letras? Niskier - A Academia tem um estatuto com 104 anos de vida, e nunca foi mudado. Ele foi feito pelo Machado de Assis e pelo Joaquim Nabuco. O artigo primeiro diz que a Academia deve cuidar da língua portuguesa e da cultura nacional. Então, a preocupação da Academia é basicamente com a língua e com a cultura do nosso país. Ela fez o vocabulário ortográfico da língua portuguesa, na minha gestão, depois de ficar parado 18 anos. A Academia fez o vocabulário onomástico da língua portuguesa, o que nunca tinha sido feito. A Academia está completando agora o seu dicionário, que está parado há mais de 20 anos, e isso é um esforço que, evidentemente, demanda tempo e agora será completado. Então, o papel dela ela cumpre. A Academia não se propõe a salvar coisa alguma, isso é papel da sociedade, do Governo.