Geral

Pescaria mal cheirosa

(*) Irineu Luzia Fernandes
| Tempo de leitura: 3 min

Ói nóis aqui traveis para ocupar este brilhante espaço e contar mais uma verídica e divertida História de Pescador, cujo título já dá uma ligeira dica de que ela não será muito odorífera na sua narrativa.

Este relato já faz parte da minha vingança prometida no meu último causo, onde fui alvo das mais infames gozações dos demais companheiros com o meu sorriso submerso. Os leitores que dele tiveram conhecimento, com certeza sabem os nomes dos demais pescadores que fizeram parte deste inusitado fato ocorrido no ano de 1989. O grupo é o mesmo e o local continua sendo o Rancho do Zolindo, na beira do rio Miranda, que foi palco de muitas outras histórias que ainda serão contadas nesta radical coluna.

Entre os pescadores ocultos nesta odisséia, cujos nomes não vou declinar por razões óbvias da minha assepsia ética, havia um que, à medida em que os dias da nossa estada iam se transcorrendo, parecia que era atacado por uma incontrolável crise de hidrofobia. Não do grande volume das águas do Mirandão, mas da pequena quantidade que caía do chuveiro no banheiro do rancho.

A situação ficou tão braba que os demais companheiros, na segunda noite, fizeram uma pequena reunião de cúpula e foi decidido por unanimidade que o pescador sujismundo passaria a dormir com seu colchão no canto da sala, longe dos beliches dos demais, enquanto não fizesse as pazes com o precioso líquido. Era inacreditável que depois de passar horas dentro do barco, debaixo de um sol escaldante, cuja temperatura passava dos trinta e oito graus à sombra, o hidrófobo pescador se recusasse a lavar seu organismo. Quando saíamos de barco, subindo ou descendo o rio, ele era intimado a ser o piloteiro já que, se fosse na proa, os demais teriam que sentir, trazido pelo vento, o forte cheiro de queijo gorgonzola vencido que vinha do ar.

Quando acordávamos, em vez de dizer bom dia, vinha antes aquela clássica pergunta: e o banho fulano? E ele, com a maior cara de pau deste mundo, respondia que não se banhava exatamente pela forte pressão dos demais e que só iria fazê-lo quando parássemos com a gozação.

E na hora do rango a situação chegava a ser dramática, pois o cascão, depois de fazer aquele prataço, se refestelava na varanda do rancho, já que não lhe era permitido sentar-se à mesa com os outros. Se alguém duvidar das minhas palavras, é só perguntar para um dos que estiveram presentes e terá confirmada a veracidade do que escrevo. Aquela pescaria foi programada para durar dez dias, mas foi reduzida a apenas cinco dias, porque os bitelos não apareceram, dando lugar para as pequenas piranhas, mandiúvas, piavas e pacus-prata.

E foi no quinto e último dia que o sujismundo pescador resolveu tomar o seu tão solicitado e aguardado banho, já que se não o fizesse, seria obrigado a fretar um monomotor para a sua volta, visto que ninguém queria ter no seu carro um passageiro com tanta inhaca. Depois de quase uma hora no banheiro e cantando a música Meu Primeiro Amor, de Cascatinha e Inhãnana, ao sair foi recebido com muitos vivas e aplausos por todos, que lhe deram de presente um desodorante com o gostoso cheiro de alfazema. Renovo o meu piscoso abraço a todo pescador consciente que tudo faz parte para preservar a nossa abençoada natureza.

(*)Irineu Luzia Fernandes é pescador e contador de histórias.

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