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Falta verba para pesquisa científica

Gustavo Cândido
| Tempo de leitura: 10 min

O professor Carlos R. Grandini, da Unesp, um cientista que ensina futuros cientistas, acha investimentos insuficientes

Ao lado de países em desenvolvimento, o Brasil se destaca como centro de pesquisas científicas. Quando comparado a nações da Europa e os Estados Unidos, porém, o Brasil se revela um País que ainda não dá à Ciência a importância merecida. O bauruense Carlos Roberto Grandini, professor de Física da Faculdade de Ciências da Unesp - Bauru é um cientista que ensina futuros cientistas. Como representante no Comitê Central do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), ele acompanha de perto o desenvolvimento de trabalhos de iniciação científica na Unesp. Ele falou ao JC sobre como andam os trabalhos científicos feitos em Bauru e no Brasil na atualidade apesar da falta de cultura de investimento nesse setor.

Jornal da Cidade - Alguns alunos seus tiveram pesquisas científicas em publicadas em órgãos de nível internacional ainda na graduação. Como isso aconteceu?Carlos Roberto Grandini - Três alunos já fizeram isso. Vim para Bauru em 1988 e logo depois a Unesp entrou no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, que é vinculado ao CNPq. Eu sempre gostei muito de trabalhar com os alunos de graduação. Desde que estava na Universidade Federal de São Carlos, minha interação com eles era muito grande. Em 1991, comecei a orientar esses alunos aqui em Bauru e culminou que, em 1995, tivemos um congresso internacional na nossa área para o qual eu levei os trabalho de dois alunos meus, o Márcio e o Luis Eduardo. E os trabalhos que eram apresentados no congresso eram depois publicados em uma revista internacional. Agora tem outros alunos que estão com trabalhos para serem publicados em revistas internacionais. A gente procura fazer um trabalho - apesar de estar trabalhando com alunos de graduação - que possa ser reconhecido internacionalmente.

JC - O interesse dos alunos por projetos de iniciação científica é muito grande?Grandini - Eu nunca soube de um aluno, aqui em Bauru, que se interessasse por um projeto de iniciação científica e não tivesse amparo para desenvolver esse projeto. Se ele têm interesse, existem projetos para serem desenvolvidos. Eu diria que algo entre 30% ou 40% dos alunos que freqüentam regularmente os cursos tem interesse em desenvolver projetos. A concorrência por bolsas é cada vez maior e as exigências para o aluno também - ele não pode ter nenhuma reprovação e as notas têm que ser cada vez melhores. Isso limita o número de alunos dos cursos, por isso só 30% ou 40% têm um grande potencial e desenvolve trabalhos.

JC - O que o aluno procura quando quer desenvolver um projeto de iniciação científica? Há um estímulo do tema, do professor, o fato de ter uma bolsa?Grandini - Além desses fatores há também a questão da pós-graduação. Há dez anos, o mercado de trabalho exigia que você tivesse um curso de nível superior. Hoje, o mercado de trabalho já exige que se tenha uma pós-graduação como requisito para entrar no trabalho. A iniciação científica é o primeiro passo para a pós-graduação, isso é confirmado por todos os órgãos de fomento. Um aluno que fez uma boa iniciação científica, vai fazer um rápido mestrado e um rápido doutorado. Então se você investe bem no início na iniciação científica, vai estar reduzindo o tempo que vai ter no mestrado e no doutorado. Esse é o fator primordial. Logicamente existem os alunos que nos procuram pela questão financeira, mas a maior parte das vezes esses projetos são abortados porque a pessoa tem que ter um dom para aquele projeto, tem que gostar do assunto.

JC - Quantas bolsas o PIBIC concedeu à Unesp?Grandidi - Num total de 600 bolsas para Unesp - a FC (Faculdade de Ciências) teve 32 bolsas, a FE (Faculdade de Engenharia) teve um número parecido e a Faac (Faculdade de Artes e Comunicações) um número um pouco menor. Isso no programa 2000/2001. No programa 2001/2002 esses números caíram.

JC - Houve um aumento de procura de projetos de iniciação científica em Bauru?Grandini - Houve. Estamos hoje no 13º Congresso de Iniciação Científica da Unesp. Ele começou em 1989 com 254 trabalhos e está hoje com 1.967 trabalhos, ou seja, em 13 anos houve um aumento quase que de 10 vezes. Isso mesmo considerando que a partir de 1993 todos os trabalhos passam por uma seleção prévia antes de serem apresentados. Mesmo assim o número tem aumentado ano a ano em toda Unesp e em todas as áreas. Atualmente, cerca de 20% dos trabalhos enviados não são aceitos para apresentação.

JC - E os trabalhos em Bauru, em que proporção eles têm aumentado?Grandini - Para se ter uma idéia, o primeiro Congresso de Iniciação Científica que eu participei com os alunos aqui de Bauru foi em 1991, em Jaboticabal. Fomos com 13 trabalhos do câmpus de Bauru e hoje são cerca de 120 trabalhos. Então a gente conclui que Bauru acompanhou esse crescimento.

JC - De modo geral, esses projetos se preocupam em ter uma utilidade prática, imediata e real na vida das pessoas, ou não. Existem projetos com temas absurdos? Grandini - É preciso separar o que é uma ciência básica de uma ciência aplicada. Muitas vezes, a ciência básica pode parecer absurda, mas ela é a pesquisa de base, algo que mais cedo ou mais tarde vai ajudar em outra pesquisa ou de outra maneira mesmo que não tenha uma aplicação imediata naquele momento. É claro que existem áreas nas quais as aplicações dos projetos são muito mais rápidas, como nas engenharias e no design, por exemplo. A aplicação desses projetos é quase imediata. Por outro lado se você vai por um caminho físico-teórico e fica na frente do computador tentando explicar algum tipo de fenômeno ou parte de um fenômeno, isso não tem uma aplicação imediata. Mas também existem áreas como economia, direito, serviço social nas quais se tem uma contribuição para a sociedade imediatamente. Nós temos toda gama de trabalhos.

JC - Quem investe em pesquisa em São Paulo atualmente?Grandini - No Estado de São Paulo temos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que, pela Constituição do Estado, recebe 1% da arrecadação total de São Paulo. Isso significa um aporte de recursos muito grande, por isso o Estado de São Paulo, em termos de financiamento à pesquisa, se destaca do resto do País. Existe o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que financia no Brasil todo. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) é vinculado ao CNPq e oferece uma cota de bolsas para cada universidade que as distribui por seus critérios. De uma maneira geral, a Fapesp também oferece bolsas, financia a pesquisa, viagens, participação em eventos, vindas de pesquisadores de fora, etc. Nos últimos anos também houve a criação de programas especiais um deles, um programa de melhoria de infra-estrutura dos laboratórios de pesquisa, outro foi o de melhorias de bibliotecas, outro ainda de políticas públicas.

JC - Especificamente na Unesp, quanto a Fapesp investiu?Grandini - Temos dados mais recentes de investimentos nos últimos três anos. Em 1998 a Fapesp investiu na Unesp, como um todo, cerca de R$ 52 milhões em financiamento à pesquisa. Nisso se engloba tudo, bolsas, viagens, compra de equipamentos, tudo. Em 2000, o valor total para a Unesp em todo o Estado ficou em torno de R$ 38,5 milhões e Bauru ficou com, aproximadamente, 5% desse montante, quase R$ 1,9 milhão. Se a gente comparar com outros câmpus, o valor que nós recebemos é mais ou menos equivalente. Hoje nas três faculdades temos, aproximadamente 220 doutores.

JC - E quanto o CNPq investe em Bauru?Grandini - O CNPq é uma situação complicada porque eles passaram por uma situação complicada nos últimos anos por isso o financiamento à pesquisa pelo CNPq ficou muito restrito. Esse ano é que eles voltaram a investir em pesquisa. Nesses últimos anos eles só concederam bolsas e auxílios para participação e organização de eventos. No CNPq há uma dificuldade muito grande de se conseguir recurso para pesquisa. A nossa vantagem é que, dentro da Fapesp se você tem um bom projeto ele é financiado porque eles têm recursos. Com isso, a gente tem apoio do CNPq no PIBIC, nos programas de bolsas de mestrado e doutorado, bolsas de iniciação científica, bolsas de apoio técnico à pesquisa e alguns projetos de auxílio integrado à pesquisa.

JC - São Paulo está muito à frente dos outros Estados em pesquisa científica?Grandini - Sem dúvida alguma em termos de financiamento. O que acontece é que na maioria dos Estados a verba que deveria ser destinada à pesquisa por determinação da Constituição de 88 não é depositada. O único Estado onde isso é religioso é São Paulo, que não deixa de investir nem nas piores épocas de crise. A Fapesp é um dos orgulhos dos governos paulista. Não há uma discriminação de São Paulo em nível nacional por isso, mas é claro que se você tiver em igualdade de condições a prioridade é do outro, como deveria ser. Nós temos a Fapesp e temos que aproveitá-la, mas também não devemos deixar de ir aos órgãos federais.

JC - O atual Governo Federal tem investido muito em pesquisa?Grandini - Até um tempo atrás o investimento em pesquisa era muito baixo. Esse ano, com os chamados fundos setoriais, que receberam recursos por causa das privatizações, o dinheiro para a pesquisa foi maior. Para o ano que vem há uma previsão de injeção de recursos do Governo Federal bastante grande. Esse ano já houve - o CNPq investiu em auxílios individuais à pesquisa algo em torno de US$ 50 milhões, uma coisa que não acontecia há muitos anos.

JC - Isso é satisfatório?Grandini - Não, de modo algum. O grande problema é que no Brasil, se você for fazer uma comparação, a porcentagem do PIB que se investe em pesquisa é parecida com a dos países desenvolvidos, com exceção dos Estados Unidos, que é muito superior. O que falta aqui é o investimento do setor privado que esses países têm.

JC - Por que não investimento privado em pesquisa no Brasil, é uma questão de cultura?Grandini - O principal é isso, a cultura do empresário brasileiro. Fui a um congresso recentemente no qual um diretor da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) falava sobre isso, que estava tentando mudar essa cultura do empresário brasileiro, que não investe. Porque investir em pesquisa é fazer um investimento de risco, não é um investimento de retorno garantido ou imediato. Você pode ter um retorno, como pode não ter. Mas eu acho também que a ciência brasileira deve se voltar um pouco mais para a aplicação. O presidente da Fapesp fez uma comparação entre os dados do Brasil e da Coréia que mostram isso. O número de publicações científicas dos dois países é o mesmo, mas em termos de patentes, a Coréia tem um número de patentes registradas muito maior do que o Brasil. Eu vejo uma preocupação hoje nos órgãos de financiamento em dar um incentivo maior à ciência aplicada, aquela que gere uma patente, que possa ser usada na prática.

JC - As empresas de Bauru investem na Unesp?Grandini - Muito pouco. Até existem empresas que oferecem estágios e investem, principalmente na área das engenharias, mas ainda é pouco comparado com o que acontece em outros países. Eu diria que é insignificante.

JC - A globalização ajudou a ciência ou trouxe mais competição?Grandini - Eu acho que permitiu um acesso maior ao que acontece em outras partes do mundo. A Internet é um exemplo porque foi um salto enorme nesse sentido. Eu posso ler on-line no meu computador qualquer matéria publicada em uma revista internacional na mesma semana em que ela é publicada. Isso foi muito importante, mas a Internet é apenas um dos pontos da globalização. Competição sempre teve e vai continuar existindo e eu até acho salutar. Nós temos que estar preocupados em estar fazendo ciência comparados a outros países e temos também que estar preocupados em fazer uma ciência voltada para os problemas do Brasil, que seja útil para a melhoria das condições de vida da população.

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