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CAMELÔ DA NOTÍCIA

Maria América Ferreira
| Tempo de leitura: 4 min

Sem desmerecer em momento algum a profissão de camelô que, aliás, é uma grande parte da economia informal deste País e exercida por muita gente por falta de opção de trabalho, quero me referir ao assunto da matéria publicada na edição de 31/10/2001, na página 19 do JC, sob o título: CAI EXIGÊNCIA DE DIPLOMA PARA FUNÇÃO DE JORNALISTA. Qual não foi a surpresa ao ler a argumentação da excelentíssima juíza da 16ª Vara Cível da Justiça Federal em São Paulo, para suspender em todo o País a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para obtenção do registro profissional no Ministério do Trabalho.

Segundo a magistrada, o decreto lei 972/69, editado no regime militar e que exige diploma, contraria a Constituição de 1988. Naquele tempo, provavelmente como o regime era militar, os intelectuais não podiam existir, visto os tantos que morreram por se contraporem ao regime vigente. Segundo a Carta atual, que diga-se de passagem não tem o mais elementar de seus artigos cumprido, seja pelos governos ou pelos demais poderes constituídos, define, no artigo quinto, parágrafo nono, que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Não há dúvida que concordamos com isso, porém, vejamos: atividade intelectual e artística envolve não só jornalistas, mas todos aqueles que de alguma maneira manifestam essas aptidões. No entanto, alguns não têm a menor idéia de como é fazer uma reportagem, transmitir uma notícia, escrever um texto informativo. Na sequência, vem a forma científica e de comunicação .É evidente que todos aqueles que desenvolvem pesquisas podem ser considerados cientistas, mas não jornalistas; e de comunicação nem se fala, porque o ser humano é comunicador por excelência, mas não necessariamente jornalista.

Ainda na argumentação para tal decisão, a Exma. juíza alega que (..) A profissão de jornalista não requer qualificações profissionais específicas, indispensáveis à proteção da coletividade, diferentemente das profissões técnicas (a de engenharia, por exemplo). Vai ver que é por isso que tem engenheiro construindo prédios que desabam, eles queriam mesmo é ser jornalistas. O jornalista tem sim que ser qualificado para exercer a profissão, pois ele precisa saber como passar uma informação à opinião pública, com técnica de redação, com ética e com bom senso, além, é óbvio, como cita a referida sentença, de ter que possuir uma formação cultural sólida e diversificada.

Concordo com a citação de que cultura diversificada não se obtém apenas na faculdade, no entanto, existem pessoas extremamente cultas, mas que não têm competência para exercer a função de jornalista. Considerar que é elitista o requisito de diploma para exercer a profissão de jornalista nos parece no mínimo uma alegação inocente e infantil. Talvez, decisões como essa se devam ao próprio rumo que o Brasil está seguindo. No ensino fundamental, aluno não pode mais repetir o ano letivo. O que temos? Uma educação praticamente falida, onde crianças e adolescentes saem das escolas sem saber ler, muito menos escrever corretamente e carregam isso para a faculdade. Nessa linha de pensamento, as universidades estão sucateadas e o que vemos cada vez mais são profissionais sem capacidade exercendo funções que atingem a coletividade, como médicos incompetentes, por exemplo.

E a Justiça? Essa também merece um comentário, porque tem interpretado a mesma lei de tantas formas diferentes. Mantém, com todas as honrarias, um indivíduo que lesa o País em milhões de dólares e prende um sujeitinho lá do fim do mundo que furtou um pedaço de frango, porque estava com fome.

Mas, voltando ao jornalismo que é o assunto em questão, muito nos entristecem fatos como esse, pois, com a exigência do diploma, o que temos visto na imprensa brasileira já é um caos, imagine se todo mundo puder ser jornalista. Jornalistas de plantão, se cuidem! Os meios de comunicação serão daqui por diante controlado apenas pelas famílias dos proprietários de grandes jornais, emissoras de tv e rádio. Escreve ou apresenta o pai, a mãe, o tio, o avô, a cunhada, o sobrinho e o cachorro, este último com dicas de como agradar o dono não fazendo xixi dentro de casa. Já vemos muita gente, não só nas capitais, mas aqui mesmo em Bauru, como juízes do trabalho, advogados, modelos e etc que podem ser bons em suas áreas, mas como comunicadores, além de péssimos, ainda estão exercendo ilegalmente a profissão usando espaços em tvs, rádios e jornais.

Infelizmente, se nenhuma providência for adotada, pelos órgãos competentes, como Sindicato dos Jornalistas, por exemplo, vamos assistir a uma derrocada da imprensa brasileira. Até lá, se Deus permitir, vamos ser camelô, afinal, o Abravanel (diga-se de passagem, o comunicador mais inteligente do momento), começou assim. Isto porque, magistrado não pretendemos, pois, há que se ter além de competência, muito, mas muito bom senso mesmo, para julgar atos e fatos que dizem respeito à vida de outras pessoas.

Enquanto isso, desejamos que os profissionais talentosos mencionados na sentença judicial, procurem, quem sabe, fazer jornalismo, e passem a ser jornalistas. (Maria América Ferreira jornalista)

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