A diplomacia brasileira é farta de hábeis negociadores. Do barão do Rio Branco a Santiago Dantas, o Itamaraty tem se vangloriado - e com razão - de sempre ter formado quadros de excelente qualidade para a política externa do País, independentemente dos diversos períodos de nossa história, desde a Independência, em 1822. Talvez cansado de articular a sua própria sucessão, nos bastidores do tucanato, e saudoso dos tempos em que foi ministro das Relações Exteriores, durante a gestão de Itamar Franco, o presidente Fernando Henrique Cardoso chamou a si, no início de novembro, a missão de externar com clareza o que entende vir a ser, ainda no decorrer desta década, o papel do Brasil entre as nações.
Na França, defendeu com determinação o fim da política dos subsídios da União Européia aos produtores agrícolas. Para ter certeza de que suas palavras não seriam deturpadas pela pressa dos tradutores, expressou-se em francês, em discurso perante a Assembléia Nacional da França. Sabia que seria criticado por não discursar em português, de acordo com o protocolo, mas optou por correr o risco, no que fez muito bem.
Menos de uma semana depois, visitou o presidente George W. Bush, na Casa Branca, e pediu a ele uma globalização mais solidária e menos excludente, principalmente em relação aos países emergentes. Ousado, reivindicou a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, com a presença permanente de nações em desenvolvimento, e uma vaga exclusiva para o Brasil. No dia seguinte, abriu a 56ª Assembléia Geral da ONU e insistiu com a tese de que os países emergentes devem ter mais espaço e ser mais ouvidos em organismos multilaterais como, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird) e o G-8.
Disposto a aproveitar bem os contatos com os demais colegas presentes ao evento, realizado anualmente em Nova York, FHC reuniu-se a portas fechadas com Ricardo Lagos, do Chile, e Vicente Fox, do México, dando a entender que a integração latino-americana não pode mais esperar a recuperação da economia Argentina e que, daqui para frente, ela poderá basear-se no tripé formado por Brasil, Chile e México. Esse último lance, no | xadrez político da diplomacia, tece também a finalidade adicional de mostrar à comunidade financeira americana aquilo que a mídia vem chamando de descolamento do Brasil em relação à Argentina.
Inspirado no exemplo de Santiago Dantas, FHC teve como coadjuvantes, nessa rápida rodada de negociações internacionais, os ministros José Serra, Sérgio Amaral, Pratini de Moraes e Celso Lafer, todos, na cidade de Doha, no Catar, em mais uma reunião da OMC, na qual reforçaram as teses brasileiras de quebra de patentes de remédios para tratamento de doenças graves como a aids e de redução das barreiras protecionistas às exportações agrícolas e de manufaturados dos países em desenvolvimento.
Ao que tudo indica, o Itamaraty, liderado por FHC, vai retomar o seu importante papel histórico de formulador de estratégias, atualizadas em razão de crescente globalização da economia.
(*) O autor, Miguel Ignatios, é presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil - ADVB - e do Instituto ADVB de Responsabilidade Social. E-mail: presidência@advbfbm.org.br.