Em épocas de saudosa memória, que muita gente de ontem não consegue esquecer hoje, quando os donos dos então chamados armazéns de secos e molhados eram obrigados a esfregarem a barriga nos balcões, trinta anos ou mais, para, no final das contas, constatar que tinham conseguido amealhar uns poucos tostões custosamente economizados em suas operações, a filosofia dos valores da oferta e da procura valia mesmo em todos os sentidos, incontestavelmente. Depois, vieram os tempos bicudos, tudo se metamorfoseou. E como mudou, como da noite para o dia... E a velha filosofia do comércio e da indústria foi rigorosamente chutada para escanteio, enquanto as fontes agropecuárias e manufatureiras passaram a produzir menos, proporcionalmente ao crescimento demográfico, justamente para que não houvessem sobras e até faltassem bens de consumo em geral, a fim de que pudessem ser melhor reputados. E tem mais, muito mais, porque hoje, quando por algum aborto da natureza a produção ultrapassa as previsões, os excessos são simplesmente incinerados ou atirados aos rios, aos cochos de suínos ou nos abismos das rodovias, uma vez que, acham os produtores, não é bom que se baixem os preços já tradicionalizados, mesmo num país como este onde 52 milhões de pessoas - homens, mulheres e crianças - passam fome desgastante por falta de recursos para enfrentar as cotações que lhes são impostas.
O tema nos foi lembrado pela notícia de que a produção de soja e outros produtos foi tão grande neste ano que já falta capacidade em determinados silos para armazenar o que está sobrando do volume que a generosidade do fabuloso solo brasileiro colocou à disposição das necessidades vitais de nossa gente, que não pára de crescer porque a fertilidade humana aqui é generosa.
Constata-se que a produção foi excessiva, mas, paradoxalmente, nem por essa razão os produtos comestíveis estão deixando de ter os seus preços mais elevados nas prateleiras dos supermercados, quando era de se esperar que, face a tão generosa safra, os tipos de grãos chegassem às indústrias extrativas a preços acessíveis, com o volume excedente compensando suficientemente a elevação do custeio agrícola, dentro do conceito de que quem vende mais ganha mais, mesmo vendendo a preços menores. No entanto, os produtos não baixam, não estacionam e até se elevam, donde se conclui que está faltando algo que reeduque o produtor e o comerciador não para o déficit, o que seria ilógico e irreal, mas para um ponto de equilíbrio que os levasse a raciocinar e agir nos exatos termos da honesta filosofia comercial. É a nossa opinião.
(*) O autor, N. Serra, é o jornalista responsável do JC e delegado regional da Associação Paulista de Imprensa e da Ordem dos Velhos Jornalistas do Estado.