O final de ano é um período de negociação entre os casais. Como no Natal a maioria das famílias costuma se reunir para a confraternização, um impasse torna-se inevitável: com que família comemorar, a do esposo ou da esposa, da namorado ou na namorada? Como separar o casal não é uma opção viável, o jeito é encontrar uma solução criativa para que nenhuma das partes se sinta menosprezada. Alguns casais preferem fazer uma maratona e participar das duas ceias, outros procuram unir as famílias. Existem até aqueles que, para não desagradar nenhum lado, preferem ficar em casa e fazer uma ceia particular.
Esse é o caso de Alice Cerqueira Ramos e do marido José Sérgio Ramos, funcionários públicos, casados há oito anos. Quando namoravam e noivavam (um período de quatro anos e sete meses), o casal se separava no Natal e cada um comemorava com a própria família. No ano-novo éramos liberados para comemorar com os amigos, então ninguém reclamava, conta Alice. Depois de casados começaram os problemas. Não dava mais para se dividir e ninguém queria abrir mão da sua família, explica. A solução momentânea foi dividir os feriados entre as duas casas. Começamos a passar o Natal na família do Sérgio e o réveillon na casa do meu pai, lembra. Quando tudo parecia resolvido começaram as reclamações. Minha mãe é muito religiosa e queria que a gente passasse o Natal com ela porque era uma data muito mais importante do que a passagem de ano, explica. O problema é que na família do marido ninguém estava disposto a abrir mão da presença dos dois no dia 24. Tentamos então passar a noite da véspera de Natal na casa dele e almoçar no dia 25 na minha, mas nem assim os comentários pararam. Diziam que a gente estava escolhendo uma família e deixando a outra de lado. A solução encontrada pelo casal foi radical. Há quatro anos passamos o Natal em casa mesmo, às vezes, sozinhos, revela Alice.
Duas famílias, uma festa
Fazer só uma festa com as duas famílias é a solução ideal para evitar brigas e acabar com o vai-e-vem.
Felizmente, nem todos os casais precisaram tomar uma decisão tão radical como Alice e José Sérgio Ramos. Para o comerciante Antônio Carlos Costa Dias e a esposa Cassiana, casados há cinco anos, dividir a ceia da véspera de Natal e o almoço do dia 25 entre as famílias foi o suficiente. Não precisamos nem discutir. Desde que casamos passamos o dia 24 com minha família e o outro dia na casa do meu sogro, explica Dias. Já para o programador André Luís Trulli e sua mulher, Tereza, a solução foi a divisão de datas. A minha família não é de Bauru, então optamos por passar o Natal sempre com a família da minha esposa, que é daqui e no réveillon, viajamos para a casa dos meus pais, no Paraná, explica Trulli.
O melhor dos dois mundos
Alguns casais preferem não desperdiçar a chance de passar o Natal com as duas famílias. Como o Natal é uma data de confraternização e união para nós e nossas famílias, acabamos correndo bastante porque temos que nos dividir entre as duas festas, revelam a engenheira civil Glenda Simão de Souza e o marido, o comerciante Eduardo Cacciola de Souza. A maratona natalina começa na véspera de Natal na família de Eduardo, mais precisamente na casa de uma tia dele, que recebe toda a família, inclusive os que moram fora. A festa é superanimada porque eles fazem um amigo-secreto e é aquela farra típica das famílias italianas, comenta Glenda. Na seqüência, o casal vai para a casa da irmã da engenheira esperar pelo Papai Noel e lá terminam a noite. No dia 25, a correria continua. Damos uma passada na casa da tia dele novamente e depois vamos almoçar com a minha família onde comemos o tradicional carneiro recheado, prato típico das famílias sírias, conta Glenda.
Essa divisão de festas têm funcionado bem entre o casal, que já tem quatro anos e meio de casamento, mas só deve acontecer mais uma vez, este ano. A explicação é o nascimento do primeiro filho dos dois, Henrique, esperado para janeiro e que deve impossibilitar a correria nos finais de ano. Acho que teremos que unir as duas festas em uma para acabar com o vai-e-vem. Será divertido e com um cardápio variado com uma ceia síria e uma ceia italiana, avalia Eduardo de Souza.
Uma festa só
Quem já adotou a prática de uma festa só para as duas famílias garante que, além de facilitar as coisas, é muito mais divertido e até econômico. Desde 1998 fazemos uma festa de Natal só, com a minha família e a família da minha esposa, conta o comerciante Aloísio dos Reis Gotardo. Antes da decisão, que partiu dos dois lados, o casal se revezava nas duas casas para não deixar ninguém infeliz. O que aconteceu foi que, com a morte do meu pai, minha família perdeu uma certa referência e ficou perdida no fim de ano porque era ele quem unia a todos na sua casa, lembra Gotardo. Quando viu que a festa na sua família não iria ser mais a mesma, pensou em juntar os dois lados. Foi uma coincidência porque a minha sogra, sem que eu dissesse nada, convidou minha mãe e meus irmãos para passarmos o Natal lá, explica. Gotardo fez melhor. Alugou uma chácara e as duas famílias comemoraram o dia 24 e o dia 25 juntas. Foi bem divertido e acho que mais fácil para todo mundo. Além disso, gastamos menos com comida e com presentes, já que fizemos um amigo-secreto só, afirma.
Para quem tem uma família pequena, é a melhor coisa, diz a professora Mariana Abreu sobre passar o Natal com as duas famílias numa festa só. No meu caso, tenho só uma irmã e o meu marido também, então nem faz sentido fazermos duas festas em casas separadas, diz. Uma grande vantagem apontada pela professora além da maior facilidade e do custo baixo é que a festa integrada ajuda na união das famílias: Hoje para mim não existe diferença alguma entre a minha família e a do meu marido e sei que entre eles também é assim. Ficou tudo uma coisa só, comemora.
Data pode acirrar disputa entre famílias
A negociação para a escolha de onde o casal vai passar o Natal muitas vezes revela uma face negativa do relacionamento afetivo que causa muita briga entre os casais: as disputas de família. Geralmente não é nada aberto e ocorre com maior freqüência em famílias de origens bem diferentes do ponto de vista cultural ou social. A briga é simples: a esposa (ou namorada) está acostumada com várias coisas com as quais o seu parceiro não está e vice-versa. Quando surge alguma escolha a tendência é que cada um tente puxar a sardinha para o seu lado, como diz o ditado popular. No fim de ano é mesma coisa, no desejo de não largar o Natal com a família a briga pode acabar contendo frases do tipo: Lá em casa a tradição é maior, O Natal na sua família é um saco ou Eu odeio o peru que a sua avó faz, para ficar só nas mais leves.
A competição entre famílias é algo que deve ser eliminado da vida do casal a partir do momento em que eles decidem viver juntos ou manterem um relacionamento, diz a psicóloga Mariana S. A. Oliveira. Na sua opinião, criticar a família do (a) parceiro (a) é a mesma coisa do que ofender a própria pessoa. Mesmo que um dos dois queira fazer um comentário ele deve ser evitado. Aliás todas as críticas deveriam ficar sempre somente no nível de pensamento porque nunca contribuem em nada, afirma. Para a psicóloga quando duas pessoas decidem se tornar um casal, devem aprender a se aceitar completamente e isso inclui as respectivas famílias. Não dá para dissociar uma coisa da outra. Ninguém pode ou deve deixar a família para trás por causa de uma pessoa, explica. O diálogo aberto pode resolver os problemas. A partir do momento em que a pessoa se conscientiza de que a família da esposa (ou do esposo) e a sua família também, os problemas tendem a diminuir ou a acabar, revela Mariana Oliveira.