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Decepcionar é o maior medo da criança

Luly Zonta
| Tempo de leitura: 7 min

Provar que é capaz. Pode parecer incrível, mas os medos reais de uma criança, como ler o primeiro livro, escrever com uma caneta pela primeira vez não estão somente ligados ao fato do enfrentamento de uma situação nova, mas sim do temor em poder cumprir com êxito uma tarefa que as outras pessoas esperam que ela consiga cumprir.A psicologia explica que os medos fazem parte das reações do organismo e são conseqüência de situações desordenadas ou de vazio. Todos os indivíduos, de modo geral, têm medo de alguma coisa. Mas a forma de sentir e demonstrar isto é diferente para cada ser, independente da idade que ele apresente.

Alguns medos seguem as fases naturais de desenvolvimento infantil. Existem medos que surgem em crianças de um ano e meio a três anos, como o chamado terror noturno que é quando a criança acorda no meio da noite, chora, chora, não se sabe porque. De repente, ela pára, volta a dormir e no outro dia ela não se lembra de nada.

“Tem uma fasesinha até os três aninhos em que ela vê coisas. Às vezes quando a criança já verbaliza, ela acorda falando que tem o monstro, a bruxa, o bicho, o bichão. Nesses casos acredita-se que ela sonhe com as imagens que se acumulam durante o dia e à noite elas aparecem. Esse é um medo natural que algumas crianças apresentam com mais intensidade e outras passam de uma forma totalmente despercebida pelos pais”, afirma a psicóloga e psicoterapeuta Marly Bighetti Godoy.

Ela explica que não existe alguma coisa específica que desencadeou esse processo.

“A nossa existência vai se dando à medida em que vão ocorrendo as coisas à nossa volta. Se você tem um ambiente muito agressivo, de muita estimulação agressiva, de muito desenhos, muitas coisas diferentes, pode acontecer da criança desenvolver mais cedo alguns medos. Mas não que isso seja a única mola propulsora”, diz.

A separação e a escola

Outro medo não palpável é o medo da própria existência, a angústia da morte. As crianças têm muito medo da separação, não só da separação dos pais, mas da perda de um modo geral.

Um exemplo típico é quando vai a criança vai para a escolinha e fica chorando. Depois vai para uma festa do amiguinho que é muito querido, ela adora o amigo, gosta de brincar com ele, mas quando a mãe deixa a criança na festa e volta para casa, a criança muitas vezes não vai à festinha por ter medo de ficar sozinha.

“Esse medo da separação está ligado a um medo maior que é o medo da morte, da perda, que nós adultos também temos, mas não ficamos pensando toda hora. Mas a criança de uma certa forma demonstra, os sintomas aparecem: ela não quer ficar sozinha, à noite ela quer dormir na companhia dos pais, como se o fato da mãe ou do pai estar dormindo ao lado dela, de mão dada, garantisse a vida a ela”, comenta a psicoterapeuta.

“A criança vive um mundo de fantasia, não é um mundo real como o da gente. Então a sensação que ela tem é de que a mãe não morre, de que não vai desaparecer. Isso a gente acredita que se passe pela cabecinha da criança. Na realidade, nem sempre isso é tão claro para ela, que é o medo da mamãe morrer.”

Questionamentos

Marly Bighetti revela que não necessariamente a criança deixa de querer ir na escola porque aconteceu alguma coisa na escola, até pode ter acontecido, mas ela não abandona a escola porque aconteceu algo. Muitas vezes, isso ocorre por existirem algumas dificuldades que a criança não está conseguindo enfrentar. Às vezes, ela não sabe dizer o que é e os adultos, ao invés de ajudar, ficam perguntando: aconteceu isso? Alguém brigou com você? Alguém falou alguma coisa?

“Tentando ajudar a gente acaba atrapalhando. A gente deveria frisar, que quando a criança apresenta alguma situação de medo se deve evitar alguns rótulos e abordá-la de maneira diferentes. O que é que você está sentindo. Como é isso? E não sair por aí falando o meu filho tem medo de ficar sozinho. Mas como é ficar aqui sem a mamãe?”

Às vezes se coloca à criança muitas palavras que são abstratras, como é o caso dos sentimentos. O que é medo para uma pessoa é uma coisa muito diferente para outra. Para uma, o medo pode paralizar. Para outra, pode colocá-la em disparada.

Os profissionais aconselham a que não se deve sugerir à criança o que ela está pensando. Muitas vezes, as crianças chegam ao consultório de um terapeuta dizendo ser muito nervosas.

E ao ser questionado, como é ser nervoso, a resposta vem desta maneira: “Não sei, a aminha mãe fala que eu sou nervoso. Eu grito. Eu jogo as minhas coisas”.

Então, chega-se à conclusão de que a criança não é nervosa. Ela é alguém que quando não gosta de uma coisa, ela joga fora.

Rótulos x medo

Os rótulos acabam prejudicando a pessoa de tal forma que ela não aprende a falar do que ela está sentindo, mas sim a usar o termo rotulado.

Quando uma criança diz ter medo de borboleta é preciso saber em qual situação a borboleta lhe causa medo: quando está parada, voando, perto, longe. E qual a reação da criança: chorar, gritar, matar, chamar alguém ou sair correndo.

Como se sente o medo? Cada um sente do seu jeito, não se tem uma definição.

“O medo desencadeia uma certa sensação corporal que faz com que a gente acabe nomeando como medo. As pessoas costumam dizer que o medo é um sentimento negativo, assim como a raiva e outros sentimentos. Mas de fato não o é.”

“O que me faz saltar de um andar de um prédio ou não me atirar na frente de um carro é simplesmente o medo de morre. Então nesta hora, a minha coragem está maior e faz com que eu não salte. O meu medo está pequeno, se não quero morrer eu não vou. Nessa hora é um sentimento bom, é bom que eu tenha medo.”

“Não é ficar sem, mas sim aprender lidar com a situação.” Da mesma forma, quando se sente raiva é preciso colocá-la para fora, mas sem ferir uma outra pessoa.

Expectativas

O novo pode desencadear o medo de enfrentar a primeira caneta, o primeiro livro, a busca da primeira palavra no emaranhado do dicionário. Isso é explicado pelo medo de não conseguir passar para uma outra pessoa aquilo que ela espera da criança.

Se um aluno que faz tudo direitinho não consegue fazer determinada coisa num dado momento, como irá ficar sua imagem diante da professora, da mãe e dos colegas que tento esperam dele.

“Dependendo de sua preocupação, ela não vai conseguir fazer, pois vai desviar a atenção para o fato de manter a imagem e não de procurar a palavra ou traçar as primeiras letras a tinta”.

Nestes casos, a psicóloga Marly aconselha aos pais e professores mostrarem às crianças que um dia também foram como eles e que as coisas também não foram fáceis, mas que tudo é possível se realizado passo-a-passo.

Quando se escreve pela primeira vez, se faz letras grandes que nem cabem nas linhas do caderno, mas com o tempo e com o exercício ela passa a ficar menor, bonita e igual a dos outros, com o tempo ela pode crescer, diminuir e até ficar feia, pois assume as características de que escreve.

“Se você lavar um copo mal pela primeira vez e nunca mais lavar, quando precisar lavar novamente, ela continuará sujo”.

Ouvir a criança é uma das principais coisas que os pais precisam fazer para reverter este processo de medo. Dependendo da resposta, os pais devem contar as suas experiências em relação a este assunto.

O diálogo deve ser o principal canal para reverter situações, nele deve ser demonstrado que o momento pode ser difícil, triste, mas perfeitamente superável.

“A criança tem a noção de que a gente nasceu grande, pois não nos conheceu pequenos.”

Os temores

Os medos, geralmente estão relacionados ao histórico de vida de cada um. Entretanto, alguns temores são muito comuns em crianças e/ou adultos:

- medo de uma ação exterior (ruídos, luminosidade, etc.)- medo de elementos naturais (fogo, ondas do mar, trovão, chuva)

- medo de animais

- de pessoas conhecidas como profissionais (médico, dentista, diretora...)

- de pessoas desconhecidas

- de personagens irreais (sobrenaturais - bruxa, fantasmas...)

- de ser atacado fisicamente

- de que alguém fique bravo

- de que pessoas amigas ou familiares sofram acidentes ou morram

- estar em perigo em lugares fechados (ex: elevador, salas, quartos...)

- ir a escola, a festas, lugares novos, ainda desconhecidos

- escuro, etc...

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