Pense em seu melhor amigo. Pense naquele “amigo do peito†que você conhece a muito tempo, talvez desde sua infância. Aquele amigo que possui pensamentos semelhantes aos seus, que apesar das brigas nunca deixou de ser fiel e sempre permaneceu ao seu lado.
Vamos imaginar que seu amigo seja do tipo forte e alto, um metro e noventa de altura, pratica musculação, mas não sabe nadar.
Vamos imaginar também que você seja baixo, talvez menos de um metro e setenta de altura, magro, mas seja um exímio nadador. Com este amigo você resolve fazer uma viagem de férias para Angra dos Reis.
No segundo dia vocês decidem fazer um passeio de escuna e navegar em alto mar. Já bem afastada da costa, a escuna apresenta defeitos e começa a afundar. De repente, você se encontra em uma situação singular diante da qual você terá somente duas alternativas: nadar para a praia deixando seu amigo morrer afogado ou tentar salvá-lo sabendo que você possui oitenta por cento de chances de morrer com ele.
Esta terrível história, da qual ninguém gostaria de fazer parte, é uma criação de Jean-Paul Sartre. Com esta situação (adaptada por mim ao universo brasileiro) o filósofo francês procura dar um xeque-mate à reflexão ética.
Sartre cria uma situação praticamente sem saída e todas as soluções para o problema são eticamente questionáveis.
Se optarmos por uma solução egoísta, ou seja, “nadar para a praiaâ€, nos salvaremos com certeza, mas teremos que passar a vida toda com a imagem de nosso melhor amigo. Caso façamos a escolha de uma postura solidária, provavelmente cometeremos suicídio. Seja qual for a alternativa escolhida nos encontramos em uma situação insatisfatória, e vivenciamos uma espécie de autodestruição.
Sem dúvida alguma, o caso construído por Sartre constitui-se em uma circunstância altamente radical, mas se pensarmos um pouco descobriremos que em muitas vezes nos encontramos diante de situações que estão muito próximas a um “beco sem saídaâ€, na qual todas as alternativas não nos satisfazem totalmente.
Ao invés de estarmos em uma escuna com um grande amigo, podemos nos encontrar em um carro diante de um dos semáforos da cidade esperando pelo sinal verde. Neste exato momento, uma criança de dez anos aparece na janela do carro pedindo um trocado. Nós podemos dar a ela um dinheiro e nos livrarmos imediatamente do “incômodoâ€, porém estaremos reforçando um hábito que a manterá na rua ou ajudando um adulto explorador de menores.
Nós possuímos também a alternativa de simplesmente dizer à criança “agora nãoâ€, mas isso vai provavelmente nos causar um certo desconforto, uma sensação ruim.
Nós podemos também manter os vidros do carro fechados, caso o carro tenha ar-condicionado, e assumir aquela postura burguesa e dizer para nós mesmos: “pobre é pobre porque não quer trabalhar†ou simplesmente nem pensar no assunto como a grande maioria deve fazer.
Estas e outras situações da vida nos fazem fugir de um exercício que deveria ser o nosso pão de cada dia: a reflexão ética. Pensar sobre ética é na verdade refletir sobre as ações humanas buscando analisa-las na perspectiva do Bem e do Mal.
Refletir sobre nosso comportamento e nossas reações diante das circunstâncias exige de todos nós também a compreensão do contexto social, político e econômico em que vivemos. Na verdade, refletir eticamente significa libertar-se da deliciosa alienação que nos faz viver em um paraíso particular e julgar criticamente aquilo que somos e fazemos.
Qualquer reflexão ética consiste, aliás, em uma espécie de julgamento. Pensar sobre as ações humanas é realizar o exercício benéfico de julgá-las como boas ou ruins. Isso nos leva automaticamente a um posicionamento diante do fato analisado, pois se pensarmos bem, a neutralidade é uma grande ilusão. Diante de qualquer situação, seja no trabalho ou em casa, estaremos obrigatoriamente nos posicionando.
Até mesmo o silêncio e o distanciamento consiste em uma forma de posicionamento, ou seja, em um apoio àquele que domina a situação. “Quando você precisa tomar uma decisão e não toma, está tomando a decisão de não fazer nada†(William James).
Sem dúvida alguma existem situações diante das quais qualquer alternativa torna-se insatisfatória, mas a pior delas é, com certeza, a omissão, que é a alegria dos tolos e a paz da ignorância. Na verdade, todos nós nos encontramos na escuna em alto-mar. Nossa alternativa é nadar para a praia da alienação e tentar esquecer a realidade ou enfrentar os oitenta por cento de chances de morrer com o nosso melhor amigo. Seja qual for a nossa escolha, não podemos nunca esquecer que “viver verdadeiramente†significa abrir os olhos e interagir com a nossa realidade. “Depois de algum tempo você (...) aprende que a maturidade tem mais a ver com tipos de experiências que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou†(Shakespeare).
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