Alvo de inúmeras críticas, a progressão continuada parece não estar contribuindo significativamente para a formação de alunos de ensino fundamental e médio. Segundo professores da rede estadual de ensino, muitas crianças chegam à 4.ª série sem saber ler nem escrever.
Até sexta-feira, a Diretoria de Ensino de Bauru não havia divulgado os resultados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), mas professores que corrigiram as provas dos alunos apontam falhas graves de alfabetização. O Saresp é uma prova composta de 30 questões e uma redação à qual foram submetidos alunos de 4.ª e 8.ª séries em novembro de 2001 e janeiro de 2002 (para alunos da recuperação de férias).
No sistema de progressão continuada, implantado nas escolas da rede estadual de ensino em 1997, os alunos podem ser reprovados apenas nos finais de cada ciclo - ensino fundamental e ensino médio. Ou seja, eles cursam de 1.ª a 4.ª série e de 5.ª a 8.ª série sem a preocupação da retenção e são avaliados apenas na 4.ª e na 8.ª série.
Caso um aluno de 4.ª série não seja aprovado, ele faz a recuperação de ciclo. Trata-se de um ano em que ele revê os conteúdos dos quatro anos anteriores.
“Seria excelente se fosse como o nome diz: progressão continuada. Mas os alunos nem sempre estão progredindo. Para isso, teria que haver uma conscientização de todo o corpo docente e das famílias dos alunosâ€, acredita a professora Sueli Meleiro da Silva, que ministra aulas em uma sala de recuperação de ciclo I na escola estadual José Ranieri, no Núcleo Geisel.
Sueli conta que muitos alunos chegam à 4.ª série sem noções básicas de alfabetização. Ainda assim, ela acredita que no ciclo I a progressão continuada pode chegar a ter sucesso. No ciclo II, o sistema seria inviável. “Acaba truncandoâ€, diz.
Na sala de recuperação de ciclo da escola José Ranieri, as dificuldades que levaram à reprovação são diversas. Ainda assim, os alunos afirmam que a principal delas é a escrita e a leitura. “Estava um pouco difícil para lerâ€, afirma o estudante Robson Jesus Ramos, de 14 anos.
Algumas das deficiências dos alunos foram apontadas pelo Saresp, aplicado em alunos de 4.ª e 8.ª série de todo o estado com o objetivo de avaliar o desempenho escolar. Jhuly Alves Costa, que estuda na mesma sala de Robson, disse que as provas do Saresp estavam difíceis. “Caiu coisas que a professora não tinha faladoâ€, observa.
Redação
As redações que os alunos fizeram nas provas do Saresp surpreenderam os professores, apontando, mais uma vez, que a língua portuguesa é um dos grandes problemas no ensino da rede estadual. A professora Vera Lúcia Colacino participou da correção das provas e, embora defenda o sistema de progressão continuada, disse que muitos alunos chegam à 4.ª série em estado “pré-silábicoâ€.
“Alguns escrevem chuva com “xâ€, não têm noção de parágrafo, vírgula e ponto. Eles mudam de assunto no meio da redação e cometem muitos erros; coisas absurdasâ€, agrava.
A solução para esse problema grave, na opinião de Vera, é o incentivo à leitura. “Aluno que escreve errado é aluno que não lê. Isso depende do professor cobrar - pegar no pé - e da presença dos paisâ€, enfatiza.
A avaliação da professora Maria Ângela Lima dos Santos é semelhante. “Ainda tem muita criança que escreve sem noção, sem começo, meio e fim. O texto deveria ser mais trabalhado em sala de aulaâ€, opina.
As deficiências do ensino médio também foram apontadas pelo Saresp. Na primeira prova, aplicada no dia 29 de novembro, 61,8% dos alunos de 8.ª série tiveram desempenho insatisfatório ou insuficiente. Eles não conseguiram acertar 15 das 30 questões da prova e foram convocados para a recuperação de férias.
Para Suzi da Silva, conselheira do Sindicato dos Professores da Rede Oficial de Ensino (Apeoesp), o sistema de progressão continuada é o grande responsável pelo mau aproveitamento dos alunos. “Progressão continuada é o nome que eles dão. Seria isso se as coisas acontecessem como eles falam que é para acontecer. Os alunos não estão conseguindo aprender e estão passando sem conteúdo da série anterior. Eles não estão progredindoâ€, frisa.
Aprovados com “recomendaçãoâ€
Além de cursar as quatro séries do ciclo sem a preocupação da reprovação, no final do período de quatro anos, após a aplicação das provas do Saresp, os alunos que não atingiram os 15 pontos considerados mínimos para prosseguir para a série seguinte ainda tiveram outra chance: o conselho. “O Conselho de Série e Classe fez um reolhar e promoveu alguns alunos que não atingiram os 15 pontos considerando que eles cresceram durante a recuperaçãoâ€, diz Jair Sanches Vieira, dirigente regional de Ensino.
Esses alunos estudam na mesma sala que os alunos promovidos pelas notas obtidas nas provas mas, segundo a Diretoria Regional de Ensino, ficam em observação durante o ano. “A autonomia da escola foi mantida porque ela fez uma análise. Esse aluno de 4.ª série, por exemplo, que não atingiu os 15 pontos, será trabalhado especialmente, mas em sala de 5.ª série. Ele é um aluno de sucesso. Pode ser que ele tenha passado em ordem inversa as respostas para o caderno de respostasâ€, justifica Vieira.
Quanto ao sistema de progressão continuada, o dirigente regional de Ensino limitou-se a dizer que está sendo positivo porque os professores começaram a olhar o ensino de forma diferente.
A segunda e última prova da Diretoria Regional de Ensino foi aplicada no dia 24 de janeiro. Após inúmeras tentativas do JC e promessas em vão da Diretoria Regional de Ensino, os índices de alunos aprovados e retidos ainda não foram divulgados. O motivo é desconhecido. Na última sexta-feira, a equipe de reportagem passou horas buscando informações por diversos setores do órgão. Nem o próprio dirigente regional de Ensino soube explicar o motivo da desinformação sobre os números na instituição que gerencia as escolas estaduais de Bauru e região.