O silêncio é a suave música que envolve a meditação. Minhas idas ao Cemitério da Saudade ocorrem, geralmente, em dias comuns, evitando o acotovelamento de cidadãos nos dias floridos de finados.
Após regar a lápide familiar com o fruto sutil de minhas orações meditadas, postei-me junto ao túmulo do poeta Rodrigues de Abreu, patrono meu na Academia Bauruense de Letras. As pedras amarronzadas da morada pareciam nuvens a transportar a imagem do poeta de “Casa Destelhada†ao paraíso dos vates.
Apenas a suave brisa feria o silêncio absoluto. Virei-me para deixar o local, quando me deparei com um senhor a me olhar serenamente. O visitante cobria-se com trajes brancos e sandália. A neve dos cabelos acariciava-lhe os ombros. A barba alvacenta caía-lhe em “V†até a altura do peito. Essa inesperada imagem fez-me lembrar do poeta indiano Rabindranath Tagore, prêmio Nobel de Literatura de 1913. O aroma do sorriso lhe acariciava o semblante ao me dizer:
- Espero que minha presença não lhe atrapalhe o momento de reflexão! Às vezes, venho visitar a derradeira morada do poeta da “Cidade de Espantosâ€.
Perguntei-lhe se conhecia as obras abreurianas. Disse-me:
- Como se o próprio me declamasse seus românticos poemas. Como o guardião da cidade pelos anos idos, não poderia me furtar àqueles que fazem da arte a sua nave açoitada por borrascas ou que plane sobre os floridos jardins de seus sonhos.
Conversamos por alguns minutos, em que lamentei a omissão de homens que mantêm o poder político da cidade e ignoram probleminhas que tanto afetam as classes sofridas da sociedade. Especificamente, fiz menção ao fechamento do posto do Ipesp de Bauru, por falta de funcionários. Exaltei a sra. Elizabeth que trabalhou três anos com o tempo de aposentadoria para dar amparo a milhares de pensionistas que dependem daquele órgão. Adoeceu a nobre mulher, sendo obrigada a se retirar tristemente.
Disse-lhe ser um problema alusivo ao Poder Executivo do Estado, mas nada impede que legisladores da cidade intercedam junto ao governador. Este, usando de autoridade, por-se-ia junto ao superintendente do Ipesp e resolveria esse entrave com um simples telefonema: - Olha aqui, o meu! Dou-lhe dez dias para botar o posto do Ipesp de Bauru para funcionar! Vire-se!
O velho Guardião da Cidade, mantendo um leve sorriso nos lábios, disse-me:
- Meu caro, para administrar com idealismo é necessário o desejo de realização; o conhecimento para elaboração de projetos; a ação que vise a concretização das metas fixadas. O que leva o político por esses caminhos da realização é a espiritualidade; sendo através dela que o homem alcança o sucesso no plano sutil da evolução. É o único valor que permanece, já que o ego lustroso acaba apodrecendo num piscar de olhos diante à efemeridade da vida orgânica.
O místico guardião disse-me que brevemente esse probleminha seria solucionado e as anciãs voltariam a ser orientadas em seus direitos.
O sol já se fora e a noite espargia seu mulato manto sobre o dia. Voltei-me para um adeus a Rodrigues de Abreu, enquanto o Guardião da Cidade pronunciava um belo pensamento. Ao me tornar o amigo interlocutor ali já não estava. Da roseira um botão abria suas brancas asas para a vida. Retirei-me lentamente. O pensamento proferido pelo amigo não deixava os neurônios de minha memória. Conhecia-o - tinha certeza. Era um pensamento a nos dar alento. Ao chegar em casa, intuitivamente, abri o livro “Pássaros Perdidos†de Tagore. Lá estava o que procurava: “Se de noite choras por não ver o sol, também não verás as estrelas.â€
(*) O autor é membro da Academia Bauruense de Letras.
(*) Especial para o JC Cultura