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A primeira-dama careca

Zarcillo Barbosa
| Tempo de leitura: 3 min

Fala-se tanto em reformas políticas que até me arrisco a propor que seja dado ao eleitor brasileiro o direito de escolher a primeira-dama. Declaro desde já que votaria em Patrícia Pilar. É a figura mágica que falta aos desesperançados, capaz de sorrir nas fotos de todos os jornais ainda que completamente careca. E sem perder um só dos raios da sua ofuscante luminosidade.

A atitude de Patrícia é bela e destemida. Poucas pessoas com vida pública entendem como são importantes os exemplos que dão ou deixam de dar. Entre nós, principalmente entre os políticos - com a notável exceção de Mário Covas - a atitude tomada pelos famosos diante da doença é geralmente a de escamotear a verdade. Nada a declarar ou no máximo uma “indisposição passageira”. A história é pródiga em exemplos. Tancredo Neves escondeu a doença correndo contra o tempo e morreu em meio a uma sucessão de trapalhadas e lamentáveis farsas médicas. O mesmo aconteceu com Petrônio Portela, com o marechal Costa e Silva e até com Luís Eduardo Magalhães. Depois do médico do Senado ter diagnosticado que se tratava de “infarto” e esclarecido que a situação era “grave”, foi desautorizado pelo próprio pai do doente, senador e médico Antonio Carlos Magalhães. ACM chamou o colega de “incompetente”. E chegou a ameaçá-lo de processo. Luís Eduardo resistiu ainda algumas horas antes de morrer, exatamente como advertira o médico do Senado.

No caso de Patrícia Pilar, não se trata de falar da morte mas, pelo contrário, de tratamento e cura. Atitudes claras levam a resultados claros, e todos esperam que ela se recupere totalmente. Sua atitude é exemplo. Desde a descoberta do câncer no seio anunciou ter sido operada e que estava sendo submetida a quimioterapia. Isso mostra que ninguém está livre de doença grave - até mesmo a atriz que se dedicava à divulgação de meios de diagnóstico precoce de câncer. Antes dela, a opinião pública acompanhou o caso da apresentadora de TV Ana Maria Braga que se comportou desde o início da doença com coragem e destemor, abertamente.

O exemplo de Patrícia levará muitas mulheres a tomar mais cuidado e a entender que a prevenção e o auto-exame são fundamentais para evitar que o mal se propague. Outro dia conversava com o médico patologista Ulisses Frederigue Jr, do Hospital de Base, e ele me dizia entristecido que a incidência de câncer de mama crescia assustadoramente, não só em Bauru como no Brasil todo. Pior que isso é o fato da faixa etária de incidência de tumores vir baixando. Mulheres com menos de 40 anos já têm diagnósticos positivos da doença.

A candidata à primeira-dama pode ter perdido as suas longas e lindas melenas mas dá uma grande lição em todos nós ao mostrar que doença também se deve carregar em público com altivez. Diante da inutilidade dos vices está ficando cada vez mais relevante a função da primeira-dama. É bem o caso de d. Ruth que criou e carrega sozinha o seu programa Comunidade Solidária, enquanto o marido está metido nas futricas partidárias e palacianas. Sem ela Fernando Henrique nem teria passado perto do social nestes mais de sete anos de oportunidades para melhorar a distribuição de renda no Brasil.

Quando perguntada por que não tapava com uma peruca o crânio sem os capilares destruídos pela quimioterapia, Patrícia respondeu com sua alma interior, tão bela quanto o lado exterior, mesmo careca: “A realidade é uma coisa interessante. Assim que está, assim que é.” (O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e colaborador do JC)

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