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Meninas skatistas são discriminadas

Sabrina Magalhães
| Tempo de leitura: 9 min

Andar numa prancha movida a rodinhas e impulsionada pelas pernas é um esporte reservado para os meninos. Correto? Para algumas meninas, não. Elas enfrentam os pais, perdem namorados, sofrem discriminação e preconceito nas ruas, mas não abrem mão das manobras radicais do skate. â€œÉ meu estilo e me orgulho disso”, destaca a estudante Cibely Herrera Pereira, 21 anos.

Cibely enviou uma carta ao Jornal da Cidade pedindo divulgação do esporte. Segundo ela, o preconceito gera vergonha, inibe e afasta as meninas. “Na quadrinha onde pratico o esporte, sou a única garota, no meio de uma dezena de garotos. Quando ‘rola’ um campeonato, a categoria feminina é sempre excluída, simplesmente pela falta de garotas praticantes do esporte”, escreve.

Segundo ela, foi justamente uma reportagem de televisão que motivou sua escolha, em 1996. “Senti no âmago que era isso que faltava em minha vida, fiquei obstinada, só ‘rolava’ skate em meu cérebro (...) Enquanto não comecei a andar (há 4 anos), não parei de pensar. Quero incentivar outras garotas”, relata.

Cibely conta que muitas amigas e colegas de escola já se interessaram pelo esporte. “Mas elas não têm coragem, talvez por vergonha. As pessoas nas ruas rotulam a gente. Rótulo é muito bom para coisas, não para pessoas. Ninguém sabe o que cada um carrega no coração. Não se pode ir discriminando só porque adotamos um estilo que é largado”, reclama.

A estudante garante que ser skatista também não significa ser masculinizada. “Sou uma menina como qualquer outra. Eu me cuido da mesma maneira. Uso calças apertadas, blusinhas e saias para ir a festas, mas, no dia-a-dia, gosto desse estilo largado”, acrescenta.

Sozinha e entrosada

Questionada sobre namorados, porém, ela reforça a dificuldade, dizendo que rapazes não gostam de garotas que adotam o estilo skatista. “Eu nem tento, porque iria atrapalhar. A não ser que fosse um cara que andasse de skate também e eu pretendo namorar um skatista, porque senão as idéias não vão bater”, completa.

Os rapazes que treinam com ela confirmam o preconceito. “Meus amigos que não são skatistas ficam observando as roupas largas dela, o cabelo, as tatuagens e dizem que não namorariam com uma garota que anda com um skate debaixo do braço para baixo e para cima, usa essas roupas e não parece menina”, comenta Deymison Ferreira Campos, 18 anos.

Mas se por um lado Cibely está sem namorados, por outro ela carrega uma dezena de incentivadores. Os rapazes aplaudem a persistência da garota. “Ela precisa de incentivo. Estou sempre falando para ela não desistir, porque muitas já desistiram por causa do preconceito”, diz Deymison.

“A Cibely acompanha bem a gente. As meninas têm mais dificuldade para acertar as manobras, mas acertam. Não vejo nada de mais e acho que skate é esporte para os dois”, ressalta Luiz Felipe Pereira, 14 anos.

“Elas têm mais medo de cair nos obstáculos e se machucar. Por isso, nem tentam fazer algumas manobras, não ousam tanto quanto a gente. Mas são skatistas do mesmo jeito”, confirma João Paulo Silveira de Oliveira, 17 anos.

Para Cibely, a falta de outras garotas adeptas ao esporte funciona como um freio para sua ambição e evolução. No último campeonato, a estudante teve que competir na categoria masculina mirim, porque não havia meninas na disputa e ela não teria condições de concorrer com os garotos mais velhos. “Eles evoluem muito mais rápido”, completa.

Os rapazes também incentivam a participação de outras esportistas e garantem que há lugar para todo mundo na “quadrinha”, como foi batizada a quadra abandona invadida pelos adolescentes. “O espaço é nosso, quanto mais pessoas vierem, melhor, sem preconceito nenhum e se precisar, a gente ensina e ajuda”, encerra Deymison.

Família é primeiro obstáculo

A skatista Cibely Herrera Pereira conta que teve que chorar muito para conseguir convencer sua família de que o skate é a “psicologia de sua vida”. Segundo ela, o descontentamento dos pais foi o primeiro obstáculo. Para eles, é abominável a idéia de ver suas menininhas trocando vestidos e sandálias por bermudões abaixo do joelho, blusas largas e tênis.

“Foi uma barra (quando ela anunciou que queria ser skatista). Nós não concordamos, eu destruí as roupas dela, escondi o skate, o pai conversou, mas ela bateu o pé e tivemos que ceder”, comenta a mãe, Marilene Herrera Pereira.

Ela lembra que a família recusou-se a comprar o skate. A filha não hesitou em ajudar o pai, trabalhando como servente de pedreiro. Depois, conseguiu uma vaga numa lanchonete e juntou o dinheiro, até poder adquirir o equipamento e um par de tênis adequado.

“Ela deixou de ir à igreja, começou a usar essas roupas, fez tatuagem sem a gente saber, colocou piercing. A gente imaginava que as drogas estavam junto, mas ela garante que skate e drogas não combinam. Agora, ela tem 21 anos e diz que é isso que ela quer. Temos que aceitar, mas eu acho que é um coisa que não tem futuro nenhum”, lamenta Marilene.

Mas Cibely mantém-se firme em sua escolha e diz que não consegue se imaginar usando roupas “normais” e sustentando um emprego convencional. Ela quer ser esportista e busca apoio, patrocínio para ir até São Paulo, aprimorar-se e ganhar a vida disputando campeonatos de skate feminino.

Praticantes cobram construção de pista

A simpatia pelo skate tem atraído um número cada vez maior de adeptos na cidade. A cada ano, a reivindicação por uma pista adequada para o treinamento das manobras aumenta. Os esportistas reclamam que não existe local apropriado. Enquanto improvisam rampas e obstáculos, cobram uma iniciativa da Prefeitura.

O secretário municipal de Esportes, José Roberto Franco (conhecido como Sapé), informa que há vários projetos em estudo, mas que as propostas são analisadas com muito cuidado. “Porque a partir do momento em que a Prefeitura fizer a pista, a responsabilidade passa a ser nossa. E estamos falando de um esporte radical, praticado por uma garotada muito irreverente”, observa.

Ele explica que a lei exige a presença de médicos e ambulâncias nos locais reservados para campeonatos. É uma medida adotada para garantir um atendimento rápido em caso de acidentes. A omissão desse socorro pode resultar em processo judicial contra os organizadores. Por isso, a construção das pistas é avaliada com bastante cautela.

“Nós temos uma pista precária de ralf (rampa em forma de U) nas quadras da avenida Nuno de Assis. Era aberto, mas o pessoal estava quebrando. No local onde funcionavam os vestiários, recebemos denúncias e encontramos resquícios de drogas. Por isso, hoje, a utilização só é autorizada com agendamento prévio”, ressalta Franco.

Ele conta que havia um pedido de construção de uma pista no Jardim Rosa Branca. O lugar já estava escolhido, mas moradores fizeram um abaixo-assinado contra o projeto, alegando que os jovens que freqüentavam o local estavam quebrando vidros e causando transtornos.

“Enquanto secretário de Esportes, respeito estes esportistas e procuro solucionar a carência dos skatistas. Uma das propostas é fazer uma pista no Núcleo Gasparini, ao lado do campo de malha que já está sendo feito, atrás da igreja São Brás e temos outros pedidos”, afirma.

Questionado sobre a possibilidade da Prefeitura regularizar a situação dos meninos que invadiram uma quadra sob o viaduto da rua Azarias Leite sobre a avenida Nuno de Assis, Franco explica que o terreno está abandonado, mas é propriedade particular. “Pertencia à antiga Noroeste do Brasil e foi vendida no processo de privatização. Temos que localizar os proprietários e avaliar a possibilidade de fazer uma pista de skate ali”, observa.

Franco reitera que estão sendo feitos estudos em diversos pontos da cidade, mas adianta que os espaços serão regidos por normas e critérios, para garantir que a prática esportiva seja saudável e segura.

Centro facilitará prática do esporte

Será inaugurado na cidade, no próximo final de semana, o Centro Esportivo Social de Bauru (Cesb). A iniciativa é do construtor Jorge Sakashita, 50 anos, que aderiu ao esporte para aproximar-se do filho e melhorar o relacionamento familiar.

Ele conta que percebeu o gosto do filho pelo skate e resolveu construir os obstáculos. Em pouco tempo, outros jovens se aproximaram e ele conseguiu autorização da Prefeitura Municipal de Bauru para montar a pista na avenida do Sambódromo.

O local foi usado precariamente por aproximadamente três anos e desativado. Agora, Sakashita está criando uma organização não-governamental (ONG), em parceria com outros profissionais e universitários, para regularizar o projeto e promete ampliar o Cesb para várias outras modalidades esportivas.

“Além dos obstáculos para skate e patins, teremos uma pequena trilha para mountain bike e cross e uma mesa para queda de braço. Estamos providenciando mesas para xadrez e damas e queremos, mais tarde, construir campos de malha e bocha”, informa o construtor.

Ele conta que, nos últimos três anos, observou os jovens esportistas e percebeu a importância de se trabalhar qualidade de vida como forma de prevenir a violência e o uso de drogas entre os jovens. “Eu acredito que é a carência de apoio familiar e social e a falta de valorização que geram a ansiedade e insegurança nesses meninos. Por isso, eles recorrem às drogas. Colhi bons resultados com meu filho nesse trabalho e achei que poderia ajudar outras famílias também”, defende.

Sakashita ressalta que a intenção é fazer um contrato de comodato com a Prefeitura para a utilização do Sambódromo. Desta forma, ele poderá cadastrar os esportistas e determinar uma taxa para utilização dos equipamentos.

“Vamos pedir R$ 3,00 por mês para cada jovem, para ajudar a manter o centro esportivo. É uma forma de cobrar responsabilidade deles. Porque se eu não puder fazer uma coisa que traga mudanças no ser humano, não vou fazer. E acho que disciplina, respeito e responsabilidade são os principais itens de qualidade de vida”, afirma.

O projeto tem apoio da Prefeitura, que auxiliou com R$ 2 mil em materiais para a construção dos obstáculos, e de outros sete empresários ligados ao esporte ou à construção.

Segundo Sakashita, a contrapartida para o patrocínio é o uso de placas publicitárias e tempo para apresentação da empresa. “Mas tudo muito bem determinado nas normas da ONG, porque somos uma entidade neutra, sem vínculos políticos, comerciais ou religiosos”, destaca o construtor.

Serviço

Empresas interessadas em apoiar ou patrocinar o centro esportivo podem entrar em contato pelo telefone (14) 230-2305. As pistas serão inauguradas no próximo domingo, dia 28, às 9 horas, dentro do Sambódromo.

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