Bauru 106 anos

Cidade pode não eleger deputado

Daniela Bochembuzo
| Tempo de leitura: 7 min

A exemplo da última eleição, Bauru poderá voltar a não eleger deputados federais da cidade. A possibilidade é ventilada pela cientista política Maria Teresa Miceli Kerbauy, professora do curso de pós-graduação em comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac), unidade da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru.

“Hoje, você tem uma pulverização de candidatos e não há o interesse na cidade, mas o interesse de cada grupo. Se houvesse os interesses da cidade, haveria uma inclinação para se centrar votos em determinado candidato para fazer realmente um representante no estadual e outro no federal”, afirma.

Para a cientista política, o comportamento encastelado da elite local reflete diretamente nas atitudes da população, que não se sente interessada em participar ativamente da comunidade, seja opinando ou atuando em conselhos.

Em entrevista ao JC, Kerbauy defende uma renovação das lideranças políticas e afirma que é preciso criar uma nova identidade para Bauru, na qual a população se perceba. Leia a seguir as opiniões da professora.

Jornal da Cidade - O slogan “Cidade sem limites” reflete a realidade local atual? Maria Teresa Miceli Kerbauy - Esse slogan, que é mais antigo, tinha a ver com uma realidade da cidade, um movimento que era uma ligação com a ferrovia. Quando a ferrovia perde a importância, a cidade deixa de se identificar com esse entroncamento rodoferroviário, fundamentalmente ferroviário, no qual as famílias se envolviam com a ferrovia, com as oficinas. Apesar disso, as lideranças políticas locais que apareceram não souberam construir uma nova representação.

JC - Por isso, muitas vezes, é que a população não se sente pertencente à cidade? Kerbauy - Não é só porque a população não se sente pertencente, mas porque as lideranças políticas não fizeram a população se sentir pertencente à cidade. Ela não consegue ter uma participação efetiva porque as lideranças da elite política de Bauru não dão margem a isso, não abrem espaço. Bauru não renovou suas lideranças - está tentando agora - e elas têm idéias ultrapassadas para a gestão municipal, não permitindo, inclusive, uma participação popular maior. Qualquer reclamo, oposição, é visto como manipulação, quer dizer, não tem uma participação democrática no sentido de que a população se sinta pertencente, opinando sobre a administração pública, a política local.

JC - Por que isso ocorreu? Kerbauy - Isso é muito mais uma questão do fechamento das elites. Eles se encastelaram em determinados redutos políticos, então, a população se afasta mesmo, porque ela dá palpite, reclama e é podada. Um exemplo dessa situação é a secretária municipal da Educação dizer que é perfeitamente possível administrar a secretaria sem os conselhos municipais. Isso demonstra como não se chama a população para participar.

JC - Esse é um traço de Bauru ou pode-se percebê-lo em outros municípios? Kerbauy - Olha, era um traço comum no interior do estado de São Paulo, mas a última eleição mudou muito isso, o que não foi o caso de Bauru. A cidade perdeu uma excelente oportunidade de alterar a perspectiva municipal.

JC - A mudança não ocorreu por causa do encastelamento das elites? Kerbauy - Positivo.

JC - Hoje, pode-se afirmar que o reflexo mais forte desse atitude é a ausência de representação de Bauru na esfera federal? Kerbauy - É, porque as elites de dividem, cada um quer o seu espacinho. Você tem uma pulverização de candidatos e não há o interesse na cidade, mas o interesse de cada grupo. Aí você tem seis, sete candidatos a deputado federal, seis, sete candidatos da cidade a deputado estadual. Provavelmente ninguém vai se eleger. Porque os interesses são pessoais, particulares, não são os interesses da cidade. Se houvesse os interesses da cidade, haveria uma inclinação para se centrar votos em determinado candidato para se fazer realmente um representante no estadual e outro no federal.

JC - A mudança de comportamento da população depende de uma abertura maior das elites ou também passa pelo movimento de base? Kerbauy - Passa pelos dois. A elite tinha que repensar a maneira como se relaciona com a população e a sociedade civil, uma mobilização que encontre respaldo. A mobilização tem que ser permanente.

JC - Um traço comum nas entrevistas para este caderno foi a queixa em relação à ausência de envolvimento do governo municipal com os governos estadual e federal. A senhora também enxerga essa falta de mobilidade? Kerbauy - Enxergo, enxergo. Isso faz parte da característica da elite política local. Eles se acham auto-suficientes: não precisam se relacionar, não precisam da sociedade civil, não precisam do Estado, do governo federal, e todo mundo sabe que as coisas não se fazem desse jeito. Se você não estiver permanentemente se relacionando com essas instâncias de poder, você não vai conseguir nada para a cidade.

Para lideranças religiosas, política faz parte da vida

Lideranças religiosas entrevistadas pelo JC afirmam que não é possível desvincular a vivência religiosa da política. Isso porque eles entendem que a articulação para o bem comum é uma ação política.

“A política é tudo aquilo que faz relação com o todo e isso é religião. Por isso, nossos movimentos são espirituais e morais. Não são para encher a igreja, mas para mobilizar e melhorar a cidade”, explica o pastor Edson Valentim de Freitas Filho, membro do Conselho de Pastores Evangélicos de Bauru.

Nelí Del Nery Prado, secretária da União das Sociedades Espíritas (USE) - Regional Bauru, acrescenta que o envolvimento comum é o exercício do amor e isso é a prática dos ensinamentos de Cristo.

Sem esse amor, diz Prado, a mobilização não se mantém. “Somente o amor é capaz de fazer penetrar no ser humano a compreensão do que é ajudar o próximo e ajudar a si mesmo. Se não for assim, não é possível estar junto do outro”, comenta.

Tanto o representante dos evangélicos quanto a dos espíritas avaliam que a mobilização da sociedade civil está sendo ampliada. Já Rodney José Bastos, presidente do Conselho Diocesano de Leigos e Leigas de Bauru, afirma que a alienação ainda impera entre muitas pessoas.

“A maioria ainda se mantém alienada, não se mostra, não debate. Digo isso porque participo de reuniões e vejo muitas vezes as pessoas escutarem e irem embora caladas, indicando que ainda não despertaram para a necessidade da interação, apesar de estarem mexendo na vida delas”, critica Bastos.

Na opinião do presidente do conselho de leigos, essa postura só mudará quando as pessoas se relacionarem mais com o mundo exterior. “Esse mundo paralelo, criado pelo individualismo, é um obstáculo para o exercício da cidadania”, sustenta.

Por essa razão, Bastos defende o envolvimento da Igreja com outros setores organizados da sociedade, como associações de moradores e entidades de classe, além de outras religiões. “O diálogo permanente é a busca para a transformação do mundo em um lugar mais justo e ético. Parece utópico, mas é possível”, garante.

Último representante no Congresso terminou legislatura em 1998

O ano de 1998 marcou o fim do último mandato de um representante de Bauru no Legislativo federal, o do professor universitário Tuga Angerami.

Desde então, a cidade passou uma legislatura sem representante local no Congresso. Mas nem sempre foi assim. Entre 1991 e 1992 o município contou com dois deputados federais: Antônio Tidei de Lima e Tuga Angerami.

O primeiro desistiu do Congresso para disputar a prefeitura local, a qual administrou até 1996. Tidei também foi deputado federal nos primeiros anos da década de 80. Antes dele veio Alcides Franciscato, que ocupou o cargo de deputado federal nos anos 70 e no início da década seguinte.

Na esfera estadual, Abrahim Dabus representou Bauru na Assembléia Legislativa paulista nos anos 70 e início dos 80. Dividindo espaço com Roberto Purini, que elegeu-se seguidamente entre 1978 e 1998.

Entre 1987 e 1995, Purini teve como companheiro de AL Osvaldo Sbeghen. Em 2000, a cidade escolheu novos representantes: Pedro Tobias e Carlos Braga.

Os eleitores, no entanto, não conseguiram repetir o mesmo feito na esfera federal. O reflexo disso é percebido entre lideranças e pesquisadores que estudam a história municipal.

“Se tivéssemos um representante na esfera federal certamente a questão de verbas à assistência social em Bauru seria diferente”, comenta Ilda Chicalé Atauri, presidente do Conselho Municipal de Assistência Social.

“Bauru atravessa uma fase de descasamento político nas três esferas de poder há 15, 20 anos. Problema que se acentuou nos últimos anos sem a representação federal. E o poder e os recursos se concentram em Brasília”, afirma o empresário José Luiz Miranda Simonelli, diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) – Regional Bauru.

Sobre a duração da crise concorda a historiadora Lidia Maria Vianna Possas. “Hoje existe uma intenção maior em se falar do fracasso, mas isso vem há 15 anos. A cidade não vai se salvar se alguém quiser, mas se a coletividade quiser”, salienta.

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