Bauru chega aos 106 anos com um traço comum às grandes metrópoles: o desemprego. Problema antes restrito às capitais e regiões metropolitanas, a ausência de trabalho atinge 36.601 pessoas na cidade, segundo cruzamento de dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O número corresponde a 13,8% da população bauruense economicamente ativa e exercida por nível de instrução (PEA). Esse contingente corresponde a pessoas com idade igual ou superior a 10 anos, ocupadas ou desocupadas no período de referência de sete dias, de acordo com definição do Ministério da Ciência e Tecnologia.
O dado sobre desemprego é de 1998 e faz parte da mais recente pesquisa realizada pela Fundação Seade sobre inserção no mercado de trabalho no estado de São Paulo, no qual Bauru foi incluída a partir de levantamento realizado na região central.
Essa parcela de desempregados faz parte de um contingente formado por 265 mil trabalhadores e preocupada órgãos municipais. Caso do Centro de Pesquisa e Encaminhamento do Trabalho (Cepet), ligado à Secretaria Municipal do Bem-Estar Social (Sebes).
É do Cepet a pesquisa que traça o perfil do desempregado bauruense: mulher, com idade entre 18 e 35 anos e ensino médio completo. Nesse grupo encontra-se Silvana Torsani, 33 anos, que há quatro meses procura emprego.
Apesar de ter expectativa positiva em relação à recolocação, Silvana sabe que dificilmente conseguirá ganhar os R$ 450,00 mensais que recebia pela jornada de seis horas diárias no último emprego. “Certamente terei que trabalhar mais horas por diaâ€, supõe.
Segundo Silvana, atingir o patamar salarial anterior pela mesma carga horária só seria possível se tivesse nível superior. “E, no momento, não tenho condições de retomar a faculdadeâ€, diz a trabalhadora, que abandonou o 1.º ano de biologia por falta de dinheiro para pagar o curso.
Patrícia Souza dos Santos, chefe do serviço de encaminhamento ao mercado de trabalho da Sebes, setor que engloba o Cepet e a Central de Mão-de-Obra (CPO), confirma a exigência crescente de qualificação entre os empregadores.
“As empresas estão buscando profissionais que precisem de pouco treinamento. Nesse sentido, o entendimento é de que a escolaridade reflete na qualidade da prestação de serviçoâ€, expõe Patrícia.
Além de maior nível de instrução, outras exigências envolvem o conhecimento de novas tecnologias e formação humana, como técnicas de liderança, conhecimentos sobre organização do trabalho, hierarquia, responsabilidade e boa verba-lização. “Só a mera formação não garante a empregabilidade. É preciso ter uma leitura crítica do mundoâ€, sustenta Patrícia.
A opinião é compartilhada pela psicóloga Élcia Terezinha Rodrigues, coordenadora do departamento de Recursos Humanos do Centro de Orientação para o Trabalho (COT), órgão mantido pela Cáritas Diocesana, entidade ligada à Diocese de Bauru.
“A tecnologia está avançando e há mudanças econômicas e culturais em curso, daí a necessidade do profissional se atualizar e buscar novas qualificaçõesâ€, aponta Élcia.
Por essa razão, tanto o Cepet quanto o COT promovem atividades de aprimoramento pessoal. No primeiro, isso é feito por meio do programa “Construindo a empregabilidadeâ€. Já o COT mantém o Grupo de Aprimoramento Pessoal, realizado em parceria com o Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru.
Ambas as iniciativas têm custo gratuito para o trabalhador. O problema é que o acesso é restrito, justamente em razão do grande número de desempregados na cidade e da falta de informação.
“O problema do desemprego reside na distribuição de renda. Ambas não são questões novas, o que ocorre é um aprofundamento do tema, em função da dificuldade de emprego estar se ampliando para outras parcelas da população, e deste ter entrado na pauta política por estarmos em período eleitoral. A fase é críticaâ€, atesta o psicólogo Angelo Antonio Abrantes, professor do departamento de psicologia da Unesp de Bauru.
Mulher é mais preocupada com formação
De acordo com o Cepet, as mulheres bauruenses são mais preocupadas com a formação. “Elas têm mais consciência sobre a necessidade de qualificação profissional e entram no mercado mais tarde. Já os meninos deixam a escola mais cedoâ€, atesta Patrícia Souza dos Santos, chefe do serviço de encaminhamento ao mercado de trabalho da Sebes, ao qual estão ligados o Cepet e o CPO.
Mesmo assim, as mulheres formam o maior grupo de desempregados em Bauru. Do total de 6.767 pessoas cadastradas no Cepet entre janeiro e junho deste ano, 35% são mulheres de 18 a 35 anos e 30% têm ensino médio completo.
O dado acompanha tendência verificada na Pesquisa de Condições de Vida da Fundação Seade, a qual avaliou a inserção no mercado de trabalho. De acordo com o levantamento, a taxa de participação das mulheres no interior de São Paulo cresceu de 44,8% para 47% entre os anos de 1994 e 1998. Na região central, onde Bauru se encaixa, esse índice era de 44,2%.
Por isso, o desemprego entre as mulheres aumentou com forte intensidade. No interior, variou de 11%, em 1994, para 13,4%, em 1998, atingindo 16,8% entre as mulheres bauruenses contra 11,7% dos homens, segundo dados da Fundação Seade.
Outra mudança no perfil do desemprego está na formação educacional. Dados do Cepet mostram que 14% do total de cadastrados em 2002 têm diploma universitário.
“Também temos notado uma maior procura de emprego por pessoas com nível superiorâ€, confirma a psicóloga Élcia Terezinha Rodrigues, coordenadora do departamento de recursos humanos do Cepet.
Mas o que preocupa é o grande número de pessoas sem nenhum tipo de ocupação. Entre os cadastrados no Cepet neste ano, 74% estão desempregados, contra 10% que procuram o primeiro emprego, 15% que estão empregados mas estão em busca de melhores oportunidades e 1% de aposentados.
Entre os desempregados, 40% procuram serviço há sete meses, em média; 30% o fazem há menos de três meses e 30% não têm qualquer tipo de ocupação há mais de um ano.
Entre essas pessoas, assegura Patrícia, encontrará emprego aquela que tiver mais claro o que gosta de fazer. “Porque, na entrevista, poderá se mostrar mais segura das suas habilidades e potencialidadesâ€, explica.
“Quando você se descobre profissionalmente, você se dá bem na área porque, em geral, está mais definido, seguro e mais abertoâ€, completa Élcia, que começa a entrevista com quem procura o COT a partir da pergunta “o que mais gosta de fazer?â€. “Essa resposta ajuda muito no encaminhamentoâ€, assegura.
Auto-estima baixa emperra contratação
Do total de atendidos pelo Cepet e pelo COT, de 3% a 20%, de acordo com o mês, são recolocados. Quando não é a ausência de vagas disponíveis, é a baixa auto-estima que emperra a recolocação.
“A dificuldade em conseguir emprego faz com que muitos apresentem comportamento depressivo e sinais de rejeição. Em razão disso, não conseguem conversar, choram e esbravejam em contato com o entrevistadorâ€, relata a psicóloga Élcia Terezinha Rodrigues, coordenadora do departamento de recursos humanos do COT.
Desequilibrado emocionalmente, o trabalhador não consegue demonstrar o que sabe, não obtém emprego e se frusta. â€œÉ uma bola de neveâ€, sintetiza Élcia.
Para tentar evitar esse círculo é que o COT mantém o Grupo de Aprimoramento Pessoal em parceria com o CPA da Unesp de Bauru.
Por meio das reuniões do grupo, a pessoa aprende a se enxergar e toma consciência do contexto em que se enquadra. Superar esse quadro, no entanto, não é tarefa das mais fáceis.
“A sociedade e a família cobram muito desse trabalhador. Fracassado, ele conclui ser o único responsável por essa situação e passa a sofrer com o estigma de vagabundo, quando não o éâ€, afirma o psicólogo Angelo Antonio Abrantes, professor do departamento de psicologia da Unesp de Bauru.
Quem atualmente enfrenta o problema é a ex-berçarista Juliana Aparecida Monteiro da Silva, 20 anos, que há quatro procura emprego sem sucesso e diariamente convive com a cobrança do marido e da mãe.
“Eles acham que não procuro emprego o suficiente. Mas já procurei emprego em Bauru inteiro. Saio de casa às 5h30, à pé - porque não tenho dinheiro para pagar o passe de ônibus - e volto às 18h, sem nada. Nesses dias, o que me resta é ir chorar embaixo do chuveiroâ€, diz Juliana.
Além da dificuldade em se posicionar diante do entrevistador, a depressão trouxe insônia à trabalhadora. “Tem dias que só durmo chorando. É difícil ficar sem emprego e mais ainda é saber que com 5.ª série e sem conhecimento de informática não conseguirei uma vaga tão cedo. Estou desesperadaâ€, afirma Juliana, que abandonou a escola depois de engravidar e hoje pensa em retomar os estudos.
Para o professor Abrantes, a solução para o desemprego não se restringe ao maior acesso à educação. “O problema é estrutural, da sociedade, e passa pela restruturação do trabalho. A saída está nas pessoas deixarem de sofrer individualmente e buscar formas de cobrança coletiva, deixar o imediatismo de lado e ir para o embate políticoâ€, conclui.