Bauru 106 anos

Só 19% dos excluídos são atendidos

Daniela Bochembuzo
| Tempo de leitura: 6 min

Do ponto de vista social, o saldo de 106 anos de Bauru é negativo. A constatação é baseada em dados oficiais fornecidos pelo Conselho Municipal de Assistência Social: são 93.771 pessoas inseridas na linha da pobreza, ou seja, sobrevivendo com renda igual ou inferior a meio salário mínimo (R$ 100,00). Desse total, 16.233 estão em situação de indigência.

Apesar da perversidade dos números, a rede municipal de assistência social consegue atender somente 19,02% dessa população de excluídos. O índice corresponde a 17.836 pessoas, segundo dados de 2001.

A favor desses ‘privilegiados’ está uma rede formada por 58 entidades sociais não-governamentais, que executam 64 programas. O município, por meio da Secretaria Municipal do Bem-Estar Social (Sebes) responde por mais 43 programas, todos executados de acordo com a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS).

Maria Inês Garcia Bini, secretária substituta da Sebes, não esconde que o atendimento da rede está aquém das necessidades sociais do município. “A demanda reprimida é grande e os recursos são escassos. A cidade está crescendo e os problemas também”, afirma.

Em 2002, o Fundo Municipal de Assistência Social conta com pouco mais de R$ 2,7 milhões. Desse total, R$ 1,072 milhão veio dos cofres municipais, numa contrapartida aos repasses estaduais da ordem de R$ 1,2 milhão e os R$ 455 mil federais.

Apesar dos recursos serem quase R$ 27% superiores aos obtidos pelo Fundo no ano passado, eles são insuficientes para manter adequadamente a rede e permitir a sua ampliação.

O problema, segundo Bini, reside no aumento da quantidade de verbas carimbadas - com aplicação final definida na origem - e redução do valor dos repasses estaduais e federais per capita. “O que exige que o município invista cada vez mais”, ressalta.

Para as entidades sociais, a quem cabe cobrir os buracos financeiros não preenchidos pelos repasses de verbas, a origem do problema está nas políticas públicas de assistência social.

“A verdade é que as três esferas - municipal, estadual e federal - estão afastadas do social. O resultado disso é que o caos está praticamente instalado nas entidades assistenciais”, sentencia Regina Helena Barreto Frederigue, presidente da Associação de Entidades de Assistência e Promoção Social de Bauru (AEAPS).

O coro é reforçado por Ilda Chicalé Atauri, presidente do Conselho Municipal de Assistência Social. â€œÉ preciso sistematizar melhor a distribuição de verbas e aumentar os valores”, diz.

Atauri não tem queixas quanto ao governo municipal, porque acredita que a prefeitura tem trabalhado em parceria com as entidades, mas queixa-se das atuações dos governos estadual e federal. “Nessas esferas, os cortes foram significativos. Em relação a esses governos, o setor social é cada vez menos privilegiado”, sustenta.

Os cortes, de acordo com carta enviada por Uriel de Almeida, vice-presidente da AEAPS, ao JC em abril, resultaram no maior déficit financeiro jamais visto na história da assistência social de Bauru. Especificamente, o problema está evidenciado entre as creches, em razão do Estado ter reduzido o repasse a esse segmento de R$ 267.960,00, em 2001, para R$ 207 mil, em 2002.

Mesmo com o socorro prestado pela prefeitura e que resultou num repasse 20% superior (dado da Sebes), os efeitos dos cortes foram desastrosos. “Nossas creches já ultrapassaram os limites de suas reservas para contingências: algumas estão adotando as últimas providências para evitar o encerramento de suas atividades”, apontou Uriel de Almeida na carta.

Regina Frederigue, que dirige a Creche Berçário Irmã Catarina, confirma a situação. “Na creche que dirijo o problema não é tão evidente porque sua estrutura é reduzida, mas nas creches maiores o problema é crítico”, garante.

Para Ilda Atauri, a solução está em articular forças, comprometendo todos os segmentos da sociedade civil e as esferas de poder com a questão. â€œÉ difícil, mas há possibilidades. Nossa força está no questionamento”, defende a presidente do Conselho Municipal de Assistência Social de Bauru.

Conselho quer criação de fórum de debates

A presidente do Conselho Municipal de Assistência Social de Bauru, Ilda Chicalé Atauri, quer a criação de um fórum de debates sobre as políticas públicas de assistência social, reunindo autoridades locais e representantes dos segmentos organizados, como entidades de classe e associações de moradores.

â€œÉ possível estancar o crescimento de excluídos em Bauru. Sozinho, porém, ninguém vai conseguir. É preciso articular parceiros que acreditem nisso e coloquem a mão na massa, questionando e mostrando ao governo onde estão as falhas”, argumenta Atauri.

A criação do fórum ainda está em debates no conselho, mas a presidente acredita ser possível torná-lo algo palpável e que depois se estenda da esfera municipal para a estadual e federal.

O maior impeditivo, pondera, está na sociedade, que no geral não está canalizada no objetivo da assistência social. “Falta dinamismo, mas há exceções: são as pessoas que já atuam nesse segmento”, diz a presidente.

E é por causa da atuação dessas pessoas, em sua maioria engajada, que Atauri não desanima diante do desafio. “Uma comunidade política bem articulada, com argumentos fortes, enfrenta desafios. O que a união não faz? Por que a gente existe? Temos um papel para desenvolver e focos de pobreza espalhados pela cidade que necessitam de nossa atuação”, conclui.

Prioridade é manutenção de serviços de apoio sociofamiliar

A manutenção e implementação de serviços de apoio sociofamiliar é a primeira prioridade para o atendimento da política municipal de assistência social de Bauru.

Essa e mais oito prioridades foram definidas no ano passado durante a 4.ª Conferência Municipal da Assistência Social, coordenada pelo Conselho Municipal da Assistência Social, e fazem parte do plano municipal do setor de 2002 a 2005.

Durante esse período, os serviços de apoio sociofamiliar deverão atuar na perspectiva de inclusão em programas de capacitação e geração de renda, os quais permitam a autonomia e emancipação da família.

“Temos que atender crianças e adolescentes em situação de risco, mas precisamos preparar a família para recebê-los e sair dessa situação”, explica Maria Inês Garcia Bini, secretária substituta da Sebes.

O atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco, segunda prioridade do plano de assistência social, é feito por meio de serviços como o Programa de Encontro da Turma (PET), entre outros mantidos por entidades assistenciais e organizações não-governamentais.

Esse é o caso do Centro Regional aos Maus Tratos da Criança e do Adolescente (Crami), que mantém catalogados 5 mil casos de violência intrafamiliar. São de 35 a 40 novos casos por mês.

Os números mostram a importância do Crami. Apesar disso, a exemplo de outras entidades, a ONG recebe menos da metade dos R$ 5 mil necessários para manter suas atividades e sem pensar em ampliações.

Se o Crami, que faz parte da rede formada para atender a segunda prioridade, tem dificuldades para se manter, não é difícil concluir que situação pior enfrentam as entidades atuantes no atendimento das seis prioridades restantes.

A terceira prioridade é a assistência e o apoio aos jovens de 16 a 24 anos para capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho. A quarta envolve a assistência ao idoso. A quinta inclui serviços de assistência aos portadores de deficiência.

Os serviços de prevenção, recuperação e reinserção social de dependentes químicos adultos compõem a sexta prioridade. A sétima é a prestação de serviços de atendimento aos portadores de HIV, câncer e doenças crônico-degenerativas. E a oitava envolve os serviços de atendimento ao migrante e morador de rua.

Todas as oito prioridades são permeadas pelo objetivo geral de expandir e qualificar a oferta da rede municipal de assistência social. Objetivo complicado, segundo Regina Helena Barreto Frederigue, presidente da Associação de Entidades de Assistência e Promoção Social de Bauru (AEAPS).

“Como ampliar sem dinheiro?”, questiona Frederigue, para depois responder: “Conscientização e participação da sociedade e do poder público. Quando participamos, sabemos reivindicar e temos poderes”.

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