Bauru 106 anos

Parcerias recobram espírito coletivo

Daniela Bochembuzo
| Tempo de leitura: 8 min

Equilibrar uma conta que envolve mais de 93 mil excluídos, 36 mil desempregados, verbas de menos e problemas como violência, dependência química e conservação do patrimônio público, entre outros, não é tarefa das mais fáceis. Em Bauru, a busca de parcerias entre sociedade civil e órgãos públicos é a proposta de lideranças para evitar a constante diferença negativa entre esses fatores.

Na área cultural, por exemplo, a Secretaria Municipal de Cultura firmou parcerias com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Novoeste S/A e a ONG Associação Amigos dos Museus para recuperar composições ferroviárias e iniciar a coleta da memória oral de ferroviários.

As parcerias também têm sido a forma de promover cursos nos bairros, caso do Núcleo Habitacional Presidente Geisel, que atualmente cedia o projeto “Vídeo Cidadão - Oficinas de Documentários em Vídeo nos Bairros”, que visa a produção comunitária de documentários em vídeo.

“A demanda é grande, faltam espaços, agentes, o que limita as ações. A ampliação depende de parcerias, por isso damos apoio aos projetos da população e solicitamos apoio aos nossos. É importante fazê-lo porque a cultura permite a transformação social, tem o poder de propiciar novas leituras de mundo”, enumera Sérgio Losnak, secretário municipal da Cultura.

Por essa razão e também porque considera importante oferecer atividades aos jovens, a Associação de Moradores do Núcleo Habitacional Presidente Geisel aderiu ao projeto cultural. “Projetos como esse ajudam a movimentar a comunidade do bairro, que está melhorando, mas ainda precisa de muita coisa para ficar legal”, diz Ismael Martins Borges, presidente da entidade.

Entre essas coisas encontram-se a melhoria do bosque comunitário e do sambódromo e do oferecimento de mais atividades à comunidade. Para tanto, a associação tem tentado formar parcerias com o segmento comercial do bairro. “Mas o momento econômico tem atrapalhado”, comenta Borges.

O mesmo problema tem sido enfrentado pelas entidades beneficentes. “As empresas não estão conseguindo colaborar como antes. Sem verbas, a solução é recorrer a promoções. Praticamente todo dia há uma”, assegura Regina Helena Barreto Frederigue, presidente da Associação das Entidades de Assistência e Promoção Social de Bauru (AESPS).

Os empresários, por sua vez, afirmam estar fazendo sua parte, investindo o que é possível na cidade. A ampliação dos investimentos, aliado a benefícios estendidos a toda comunidade, depende do envolvimento de todos os setores.

“Penso que envolvimento, e não parceria, é a palavra-chave para este momento. Somente o envolvimento de todos os atores políticos, desvinculados da política partidária, permitirá a articulação para a superação de problemas pontuais locais e a retomada do desenvolvimento com qualidade”, defende José Luiz Miranda Simonelli, diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) - Regional Bauru.

Ao envolvimento, Simonelli diz ser importante aliar informação, a qual considera uma ferramenta importante numa economia globalizada. “Envolvimento e informação juntos formam um forte elo de ligação. É dessa articulação que a comunidade precisa para se desenvolver”, acredita.

Rodney José Bastos, presidente do Conselho Diocesano de Leigos e Leigas de Bauru, também sustenta que apenas o envolvimento de todas as pessoas pode fazer Bauru se transformar numa cidade mais justa e ética. Apesar disso, ele comenta que a participação ainda é reduzida.

“As pessoas ainda não despertaram para a participação ativa, preferindo o comodismo da própria casa às relações com o mundo externo e isso é um terrível obstáculo para o afloramento do exercício da cidadania”, opina.

Segundo Bastos, a postura alienada reflete o medo das mudanças. “A população, em sua maioria, se incomoda com a transformação, mas é preciso buscá-la se quisermos deixar algo de bom para os filhos. E o que quero é deixar um rastro de trabalho”, finaliza.

Opinião

“Para melhorar precisa da cobrança e da ajuda da população. Hoje em dia, sem parceria não se faz nada, não se chega a lugar algum.” Ismael Martins Borges, presidente da Associação de Moradores do Núcleo Habitacional Presidente Geisel

“Temos que lutar para que a vida do vizinho seja melhor, não só a nossa. O papel é nosso. Temos que ser sujeitos, não objetos.” Rodney José Bastos, presidente da Comissão Diocesana de Leigos e Leigas de Bauru

“A comunidade precisa despertar para a importância do coletivo. Sem isso não vamos resolver os problemas. Me identifico com a cidade, por isso me envolvo.” Capitão Benedito Roberto Meira, comandante da 1.ª Cia PM e membro dos Conseg Sul e Sudeste e Comad

“A mobilização deve ser para melhorar a cidade, não para encher as igrejas. A base da transformação está na conscientização.” Pastor Edson Valentim de Freitas Filho, membro do Conselho de Pastores Evangélicos de Bauru

“O sistema é fechado, mas a forma de mudar continua sendo por meio da pressão coletiva em entidades organizadas. Ainda há muito espaço para atuar.” Rodrigo Valdez,

procurador da República em Bauru

“O envolvimento na comunidade é o exercício do amor, o que implica em ajudar o próximo e a si mesmo, tolerar imperfeições. Isso amplia a visão de mundo.” Nelí Del Nery Prado, secretária da União das Sociedades Espíritas (USE) - Regional Bauru

“A população acompanha, mas não se envolve e acaba depositando confiança nas lideranças comunitárias. Eles pedem ajuda, mas digo que é preciso ajudar a cobrar.” Vivaldo Pereira Martins, presidente da Associação de Moradores do Parque Santa Edwirges

“Uma comunidade política bem articulada, com argumentos fortes, enfrenta desafios. O que a união não faz? Por que a gente existe? Temos um papel para desenvolver.” Ilda Chicalé Atauri, presidente do Crami e Conselho Municipal de Assistência Social

Nos bairros, sobrevivência breca ações comunitárias

Nos bairros fora da região central, os problemas de infra-estrutura saltam aos olhos. Apesar de serem comuns a todos, nem sempre as entidades organizadas conseguem mobilizar a comunidade para buscar soluções ou exigir ações concretas por parte do poder público.

“Em razão da luta pela sobrevivência, por causa da falta de emprego, a população não tem podido participar mais ativamente das mobilizações e reuniões e acaba depositando confiança nas lideranças comunitárias”, atesta Vivaldo Pereira Martins, presidente da Associação de Moradores do Parque Santa Edwirges.

De acordo com ele, as reuniões mensais promovidas pela associação reúnem, em média, cerca de 20 pessoas. A quantidade aumenta consideravelmente quando a questão envolve o orçamento dos moradores.

“Se é outro assunto, a desculpa é que não dá para participar porque a pessoa precisa correr atrás de algum ‘bico’, garantir o seu para não faltar para a família. Agora, se envolve pagamento, o pessoal vai”, comenta.

Apesar de avaliar que apenas a cobrança coletiva garante mudanças para o bairro, Martins considera difícil fazer com que mais pessoas se envolvam nas questões comunitárias. “O pessoal confunde política com politicagem e não se envolve, mesmo acompanhando os assuntos com atenção”, diz.

No Núcleo Habitacional Presidente Geisel não é diferente. Os efeitos desse comodismo são sentidos até mesmo na direção da associação de moradores, que chega a sete meses do término do mandato com apenas quatro dos 12 membros eleitos atuantes.

“As pessoas se desmotivam diante das dificuldades, mas não podemos desistir porque nunca se consegue nada sem articulação, sem trabalho”, opina Ismael Martins Borges, presidente da Associação de Moradores do Núcleo Habitacional Presidente Geisel.

E foi por meio do trabalho, assegura Borges, que o bairro tem conseguido várias melhorias. Outras, continuam na lista de prioridades da entidade.

“Mas só as conseguiremos se a população estiver junto, participando. Do contrário o poder público fica sossegado. O mesmo vale para Bauru, que para melhorar precisa da cobrança e da ajuda da população. Hoje em dia, sem parceria não se faz nada, não se chega a lugar algum”, garante Borges.

Ainda há muito espaço para atuação, garantem líderes

De acordo com dados da Polícia Militar, 50% dos presos da Cadeia Pública de Bauru lá estão por envolvimento com o tráfico de drogas. Os entorpecentes também motivam 70% dos homicídios registrados na cidade.

Apesar disso, a participação da população no Conselho Municipal Antidrogas (Comad), assim como o apoio do poder público ao órgão, é reduzido, atesta o capitão Benedito Roberto Meira, comandante da 1.ª Companhia PM.

“Sendo as drogas um problema crônico na sociedade, o interesse da comunidade deveria ser maior no conselho, mas não é. Isso é incompreensível. A impressão é que a população só se envolve com algo quando o problema surge no quintal dela”, comenta Meira.

Além do Comad, mais 12 conselhos municipais abrem espaço para participação da comunidade, seja como membro ativo, suplente ou ouvinte. Chances em tanto para discutir os problemas do município e participar de mudanças? Sem dúvida, mas o envolvimento, no geral, é reduzido.

“O conselho se reúne mensalmente, é paritário, mas a sociedade civil muitas vezes deixa de comparecer”, confirma Regina Helena Barreto Frederigue, presidente da Associação de Entidades de Assistência e Promoção Social de Bauru (AESPS), que participa do Conselho Municipal de Assistência Social.

Para a cientista política Maria Teresa Miceli Kerbauy, professora de pós-graduação da Unesp de Bauru, a população não participa efetivamente porque a elite política de Bauru não dá margem a isso.

“A elite se encastelou em determinados redutos políticos, então, a população se afasta mesmo, porque ela dá palpite, reclama e é podada. Um exemplo disso é a secretária municipal da Educação dizer que é perfeitamente possível administrar a secretaria sem os conselhos municipais. Isso demonstra como não se chama a população para participar”, exemplifica Kerbauy.

Para a cientista política, a reversão desse comportamento inclui um repensar da elite sobre como se relacionar com a população e uma mobilização permanente da sociedade civil. E espaços para participação, aponta o procurador da República Rodrigo Valdez, não faltam.

“O sistema é fechado, no caso da esfera federal judiciária a ausência de defensoria pública organizada é um impeditivo, mas a forma de mudar continua sendo por meio da pressão coletiva em entidades organizadas. O número de ONGs e associações de bairro já cresceu bastante, mas ainda há muito espaço para atuar”, afirma.

Comentários

Comentários