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A velhinha que acreditava em Lula


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A banda podre do Congresso Nacional, sob a batuta de um presidente nada severino, assegura que o “mensalão” não existe. Portanto, qualquer pena aos envolvidos, se aplicada, tem que ser “branda”. Lembrou-me o Pernalonga todo amarrado no cadafalso enquanto o carrasco encapuzado, munido de uma pena de pato submetia o coelho a uma sessão de cócegas na planta dos pés. Essa a única “pena branda” cabível já que a mesada não tinha dia, hora e periodicidade fixas para ser paga. O “Caixa 2”? Ora o caixa dois, ou três, ou quatro... Essa é uma prática corriqueira desde os tempos coloniais. A culpa é do sistema. Não cabe cassação, mesmo que proteste do plenário o Fernando Gabeira, acusado de falar fino e, portanto, incapaz de sair da sua “insignificância” para enfrentar um cabra macho do sertão do Cabrobró. Severino sim senhor!

Devo confessar meu parti-pris. Tenho no recôndito d’alma, desde a juventude, inveja nunca contida de quem recebe mesada. Mais ainda dos amigos que recebiam “semanada” enquanto o meu era a “esporádica”, e só nos dias santos e feriados, conforme a mais pura tradição lusitana. Daí a minha ojeriza por esses afortunados embora nunca tivesse alterado o meu lazer e prazer nas tardes fagueiras, à sombra dos cafezais.

Lula deve estar muito triste com a morte da velhinha de Taubaté. O escritor e criador da personagem, Luiz Fernando Veríssimo, resolveu matá-la na sua crônica da semana passada. A macróbia era o único ser vivo deste País que ainda acreditava no governo e nos políticos. Morreu sentada diante do televisor, de causas não reveladas.

Coitada, não teve tempo de conhecer o resultado da grande aposta que se faz hoje em Brasília - quem terá mais votos: Zé Dirceu ou Roberto Jefferson? O prêmio ao acertador é uma noite tórrida, regada à champagne, patrocinada pela cafetina Jeany. Imagino o frisson da velhinha se Deus não a houvesse chamado. Embora as noites de vinho, suor e sexo há muito tenham deixado de entusiasmá-la, ainda sobrava o ânimo da torcedora fanática pelo Zé Dirceu. Entrava em êxtase só de ouvir o ex-ministro e homem forte do Lula responder às acusações: “Repi-lo-as com veemência”. A velhinha taubateana foi a única que entendeu o discurso de Lula comparando-se a Juscelino. O saudoso presidente fez o Brasil progredir 50 anos em 5; tinha um programa de metas desenvolvimentistas e as cumpriu. A única meta de Lula foi desenvolver os bancos. “Ah, matei!” – descobriu a veneranda senhora. “O Juscelino a que se referiu o Lula é o do Palocci, o Juscelino Dourado, amigo do Buratti”.

A neta mais velha, aquela que encontrou a velhinha inanimada, diante da TV, disse aos parentes e amigos que ela estava sentada na bergère, olhos abertos e um sorriso nos lábios. Sobre o colo a Bíblia no Evangelho de São Lucas. Atenta às questões políticas, acreditou que o mensalão jamais existiu; que o Caixa 2, por ser uma velha prática inerente à sobrevivência de candidatos e partidos, também não poderia ser considerado crime. Caso contrário, desde o advento da República todos teriam que ser punidos. A grande dúvida que sempre a assaltou foi sobre a procedência do dinheiro de tantas malas e uma cueca. Os números não batem com os valores levantados em empréstimos firmados pelo Delúbio, Genoíno e Valério. E o grosso da bufunfa, de onde veio?

Em Lucas (8:17) está escrito: “Tudo o que está escondido será descoberto e o que está em segredo será revelado”. Requiescat in pace.

O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e colaborador do JC

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