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Berne sonha sonho de berne


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Rubem Alves conta uma historieta em que uma mosca varejeira, vendo uma gorda vaquinha no pasto, pensou logo em botar nela um punhado de ovos. E tratou de cativar a vaca com uma conversa mole, já que sabia de antemão não ser fácil conseguir seu intento. E tanto mentiu, dizendo à vaca que ela poderia até voar e saltar sobre as cercas se lhe cedesse seu costado, que a vaca, ludibriada, acabou cedendo. Moral da parábola: coberta de calombos, com os bernes crescendo lá dentro e bebendo seu sangue, a vaca foi ficando cada vez mais fraca.

A vaca, diz Rubem Alves, é o país, os bernes são os políticos. Provavelmente, a vaca acabará morrendo de anemia e os bernes ficarão cada vez mais obesos de tanto sangue sugado. Não adianta esperar que os bernes sonhem sonhos diferentes dos que são capazes de sonhar. Berne só sonha sonho de berne. E o sonho do berne, neste caso, é comer a vaca.

É isso aí, meu irmão. Nossos políticos -sem ter eu a pretensão de ser original, e embarcando na comparação de Rubem Alves-, não têm a preocupação de engordar a o país. Avidamente, como bernes, vampiros e outros tantos sugadores da mesma laia, tiram o que podem do costado do país, sem nenhuma apreensão com a saúde nacional. Às favas, pois, o povo, o estado geral de cada um e de todos! Como exigir do berne que ele pense diferente? Seria exigir demais. Ratazana nunca pariu borboletas...

A cada dia, mais um escândalo agrega-se aos anteriores. E nós vamos engolindo os noticiários dos jornais, da tevê, das revistas, esquecidos dos sonhos que poderíamos sonhar se não nos tivessem roubado como ladrões essa possibilidade de pensar com alegria, com esperança, com beleza.

Haverá redenção para a vaca da historieta? Ela se salvará ou acabará morrendo de anemia? O mais certo é que acabe exaurida, porque, por livre vontade, os bernes não sairão de onde estão. E para nós, haverá salvação? Ou os ladrões e os bernes acabarão também por matar nossos sonhos mais bonitos?

Como dizia o poeta: “Maldita a vida que promete e falta”... Por que nos permitiram sonhar e, agora, nos roubam esse possibilidade? Que poder têm esses bernes de matar nossas esperanças? Centavo, contudo, como sabemos,não chegará a real. E real, pelo visto, jamais chegará a dólar. A classe política não irá se regenerar nunca. Paremos de sonhar,uma vez que mesmo sem direito já nos arrebataram essa fantasia.

É preciso começar tudo de novo. Permitir que os mortos enterrem seus mortos. E, como a fênix renascida das cinzas da podridão, levantar, como redempto, o mais alto vôo que pudermos e disseminar sementes de renovação sobre a Terra. Só de uma linhagem de não políticos, de pessoas despreocupadas com mordomias, avessas a negociatas, descompromissadas com o poder, fora dos círculos onde se engordam bernes, só dessas pessoas poderá vir a remissão. Vamos pelo menos tentar?

A autora, Maria da Glória De Rosa, é articulista - e-mail: mgderosa@bol.com.br

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