Gastronomia

O sabor e o aroma da comida árabe

Por Zarcillo Barbosa | Especial para o Gastronomia
| Tempo de leitura: 8 min

A cozinha de um povo é a expressão natural de suas tradições, de seus costumes, de sua geografia, de sua história. A maneira de preparar um prato, um determinado ingrediente ou tempero são também signos que evocam na pessoa o sentimento de pertencer a uma cultura particular, definida. A Editora Senac publicou livro com receitas e relatos sobre o “Aroma árabe”, de autoria do escritor Salah Jamal, palestino de origem, também médico dermatologista e grande contador de histórias. Esse livro parece recender à hortelã fresca, erva essencial à culinária do Oriente Médio. Sente-se ao lê-lo o perfume da canela, da salsinha, do coentro, do azeite...

Escolhi para os nossos leitores quatro receitas, dos pratos que mais gosto da cozinha árabe, pelo sabor e a simplicidade. Cada especialidade tem sua história, de acordo com as tradições árabes e esconde segredos milenares revelados pelo autor. O primeiro desses pratos que escolhi é o Mutabal Batinjen ou Babaganuche, a pasta de berinjela que “desvirtua as mulheres”. Calma que eu explico: esse prato faz parte do grupo de pastas considerado “de entrada”. É muito difundido no mundo árabe e entre nós, brasileiros, que assimilamos a cultura culinária do imigrante árabe. Assimilação parecida aconteceu com a pasta de grão-de-bico, o homus. Na Síria e na Palestina babaganuche é um apelido que significa “irresistível e manhoso”. Sem dúvida por causa da textura, muito leve e solta da berinjela condimentada, e da insaciabilidade que causa entre os que a comem. As mães, no Oriente, servem esse prato com freqüência a suas filhas acreditando que assim elas adquirem as características do babaganuche, ou seja, tornam-se irresistíveis e manhosas, duas virtudes que valorizam a mulher árabe em idade de casar.

Outro prato já incorporado à tradição brasileira é o Tabule, tipo de salada que eu faço sempre em casa para acompanhar o churrasco no fundo do quintal. Diferentemente das entradas, no Oriente Médio o tabule não é retirado da mesa. Permanece ali com o objetivo de que o comensal o experimente aos bocados, de vez em quando, pois dizem ter o poder mágico de estimular o apetite para outros pratos principais. Pega-se cada porção com a mão mesmo. Os dedos envolvendo a folha de alface ou o pão sírio mergulham na tigela de tabule. O prato é originário da Síria, embora se deva dizer que os libaneses são os autênticos mestres na arte de sua elaboração. Dizem que tem poderes afrodisíacos. Uma cantora libanesa muito conhecida, N. Salam, diz para o seu amado numa canção: “Venha, que eu te preparo um tabule e assim tocaremos o céu”. Waal!

A Mijadra é o prato dos pobres por excelência: arroz e lentilhas. Na Bíblia existe a expressão “por um prato de lentilhas”. Seria o mesmo que se vender por muito pouco. Freqüentemente, no Líbano, essa comida é utilizada com fins políticos por todos aqueles que querem conquistar o favor das massas. O político expõe em público a sua “humildade” ao degustar um prato de mijadra como a dizer “sou um de vocês”.

No mundo árabe, são comuns os quiosques ao ar livre, que servem espetos de carne, o Sikh (espetinho metálico) Kebab. Lá, é feito com carne de carneiro ou cabrito, mais saborosas. Aqui no Brasil fazemos com carne de boi e o resultado sabe melhor ao nosso paladar latino.

O último da série de iguarias escolhidas é o Uara Inab ou Uara Dauali, o conhecido charuto de folha de uva. A folha de uva pode ser trocada pela folha de repolho, com os mesmos ingredientes. Essa variação recebe o nome de Malfuf. Na cultura árabe-muçulmana pode-se considerar que os quatro cultivos mais abençoados por Deus são o trigo, a figueira e a parreira. Deus se encarrega de regá-los, pois dependem fundamentalmente das chuvas. O primeiro vinicultor da história foi Noé que plantou a primeira parreira no Hebron, depois do dilúvio.

Há muitos códigos obedecidos pelos árabes antes, durante e após as refeições como lavar as mãos; dizer antes da primeira garfada: Em nome de Deus, o Misericordioso, o Compassivo (Bismi Alah arrahman arrahim); comer com a mão direita e não arrotar nunca. Caso contrário, pedir desculpas: assif, afuan. Dizer que os árabes arrotam depois das refeições como se fosse coisa de bom tom para mostrar sua satisfação é coisa que o cinema de Hollywood inventou. Se alguém involuntariamente arrota e não pede desculpas, corre o risco de que lhe repliquem com um satteh (que você exploda, ou que o parta um raio).

BATINJEN OU BABAGANUCHE

(Pasta de Berinjelas)

Ingredientes (4 porções)

2 berinjelas grandes

2 ou 3 dentes de alho

1 colher (chá) de sal

4 ou 5 ramos de salsinha fresca

suco de meio limão

5 ou 6 colheres de tahine (molho de gergelim)

azeite para regar

Modo de preparo

Perfurar as berinjelas com um garfo (3 a 4 espetadas em cada lado da berinjela)

Assar as berinjelas, sem descascar, na brasa ou no forno. Retirá-las quando a pele estiver chamuscada. Deixar que esfriem e descascar.

Enquanto se assam as berinjelas, triturar num pilão grande o alho descascado, o sal, a salsinha e o suco de limão.

Colocar as berinjelas e o tahine (molho de gergelim, encontrado em supermercado) no pilão e amassar de novo toda a mistura, suavemente, até obter uma pasta cremosa.

Servir num prato fundo, regado com fios de azeite. O tahine pode ser dispensado e o prato, se quiser, pode ser decorado com rodelas de cebola, pepino e tomate.

UARA INAB OU UARA DUALI

(Charutos de uva)

Ingredientes (6 a 7 porções)

½ kg de folhas de uvas frescas pequenas e médias

250 g de carne

¼ de copo de azeite de oliva (ou manteiga, samne)

1 colher (chá) de pimenta-do-reino ou pimenta-síria (fulful bhar)

1 colher (chá) de sal

Modo de preparo

Para preparar o recheio, lavar o arroz várias vezes, misturá-lo com os demais ingredientes (a carne, o azeite, a pimenta e o sal) e colocar a mistura num prato. Reservar.

Numa panela, ferver 2 litros de água e escaldar as folhas de uva frescas (ou de repolho, sem o talo) por 5 a 8 minutos. Retirar as folhas d´água e espalhá-las sobre bandejas grandes.

Numa outra panela, refogar os pedaços de carne na manteiga ou azeite durante 10 minutos. Espalhar as rodelas de tomate e cebola por cima e temperar com azeite ou samne (manteiga clarificada), a pimenta-do-reino ou fulful bhar (pimenta síria) e sal. Reservar.

Num prato ou numa tábua, estender uma folha de uva de modo que a parte lisa fique para baixo. Em seguida cortar os nervos ou talos restantes.

Colocar uma colher (sopa) do recheio no centro da folha, unir os lados e enrolar a folha em direção à ponta. Fazer o mesmo com todas as folhas.

Sobre o refogado de carne dispor os charutos ordenadamente e com as pontas para baixo; esse detalhe é imprescindível para evitar que o charuto se abra durante o cozimento e o conteúdo se espalhe, pondo tudo a perder. Regue-os com uma colher (sopa) de azeite e suco de limão.

Colocar um prato sobre os charutinhos para mantê-los pressionados e imobilizados; cobri-los em seguida com água quente. Quando a água ferver, abaixar o fogo, tampar a panela e deixar cozinhar por mais 30 minutos. Quando a água for absorvida, cobrir de novo com água quente e deixar em fogo baixo até a segunda absorção da água.

Em seguida, retirar a panela do fogo e deixar descansar 5 minutos.

Dispor os charutos num prato bem grande ou numa bandeja. São consumidos assim, ou molhados com um pouco de coalhada cremosa.

MIJADRA

(Arroz com lentilhas)

Ingredientes (4 porções)

100 g de arroz

200 g de lentilha crua

3 copos de água

1 colher (sobremesa) de sal

1 pitada de cominho

3 cebolas médias cortadas em pedaços pequenos

2 colheres (sopa) de manteiga

Modo de preparo

Levar ao fogo alto uma panela com água e acrescentar as lentilhas previamente lavadas. Quando a água começar a ferver, reduzir o fogo ao mínimo e deixar cozinhar durante 30 minutos.

Imediatamente, acrescentar o sal, o cominho (se quiser) e o arroz (bem lavado, com água, 2 ou 3 vezes). Misturar bem e continuar a cozinhar no mesmo fogo durante mais 20 minutos.

Enquanto isso fritar a cebola na manteiga numa frigideira, até que fique dourada. Os árabes usam samne, manteiga clarificada. Para obtê-la é só derreter a manteiga em banho-maria e tirar com uma colher a espuma que se forma. A manteiga clarificada tem a vantagem de não queimar na frigideira.

Acrescentar a cebola à panela e misturar de novo o conteúdo. Cozinhar em fogo lento por mais uns 5 minutos. Retirar do fogo e deixar descansar.

KEBAB

(Espeto de carne)

Ingredientes (4 a 5 porções)

1 kg de alcatra ou patinho sem nervos ou gordura, cortada em pequenos cubos

½ kg de cebola média cortada em 4 (opcional)

½ kg de tomate de tamanho médio, cortado em 4

2 pimentões verdes ou vermelhos, ou 1 de cada, cortados em quadrados

Para marinar

1 copo de azeite de oliva

1 colher (sopa) de sal

1 colher (sopa) de vinagre branco

1 colher (chá) de pimenta-do-reino moída ou pimenta-síria (fulful bhar)

1 folha de louro

1 dente de alho triturado

½ copo de suco de limão

Modo de preparo

Preparar a marinagem e deixar os cubos de carne no tempero de 2 a 4 horas, virando-os de vez em quando.

Depois de marinados, colocar, alternadamente, os cubos de carne com a cebola, o tomate e o pimentão em espetinhos de madeira ou metálicos (preferível). Inserir primeiro um pedaço de carne, depois um pedaço de cebola, carne, tomate, outra vez carne, pimentão e finalmente carne. É aconselhável não ocupar todo o espeto, para que se possa manipulá-lo na hora de assar.

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