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Entrevista: Sucesso temperado com muito amor

Marcelo de Souza
| Tempo de leitura: 8 min

É possível ver sua vida desmoronar e reconstruí-la, transformando incerteza em sucesso profissional? Para a empresária Fátima Aparecida Montovani, proprietária do restaurante Gustare, a vida mostrou que os sonhos podem se tornar realidade quando se utilizam os temperos certos. No caso de Fátima, além da persistência e fé, o segredo de oito anos de sucesso à frente do Gustare foi temperar tudo com amor.

Nascida em Porto Ferreira e em Bauru desde 1970, Fátima passou por diversas mudanças na vida: desde a infância pobre na cidade natal, até o sonho construído com o primeiro marido e o pesadelo de se ver sozinha, com três filhas para criar, e sem saber o que fazer para sobreviver.

Em entrevista concedida ao JC, a empresária conta como foi chegar a uma terra desconhecida, as dificuldades enfrentadas após a separação e os caminhos escolhidos até encontrar a verdadeira vocação e alcançar o sucesso como empresária do ramo alimentício.

Dona do primeiro restaurante por quilo da cidade, Fátima venceu as dificuldades iniciais, a falta de conhecimento, e com a ajuda de amigos e da família, transformou um sonho em realidade. Depois do começo difícil, o Gustare se tornou referência em alimentação na cidade e recebe 300 clientes por dia, número que aumenta para 500 nos sábados e domingos.

Além da vida pessoal e profissional, Fátima dá sua opinião sobre os restaurantes de Bauru e comenta que ainda faltam locais para o jantar na cidade, já que as opções existentes não contemplam a demanda.

Jornal da Cidade - Quem é a Fátima e de onde ela veio? Fátima Montovani - Eu sou de Porto Ferreira e cheguei em Bauru aos 16 anos. Casei-me e vim para Bauru, que hoje é minha cidade. Mas no começo, eu não trabalhava fora. Tive três filhas e fiquei cuidando da casa, das filhas. Quando minhas filhas estavam, a mais velha com 13 anos e a caçula com 6 anos, eu me vi sozinha, porque tive de enfrentar uma separação. E foi uma coisa muito sofrida porque eu era jovem e, com 33 anos, eu me vi com três filhas, sem estudo, sem trabalho e sem saber o que fazer.

JC - E como foi? Montovani - Meu marido tinha várias lojas e eu me candidatei a trabalhar em uma delas. Fui aprender a trabalhar fora.

JC - O primeiro emprego aos 33 anos. Montovani - É. Daí comecei aprendendo e me peguei assim: o que eu sei fazer? Organização e limpeza, então eu comecei por isso e através disso tive uma empresa que fornecia produtos encartelados para todas as lojas da rede Santo Antônio. Eu trabalhei dois anos nesses encartelados, mantendo minhas filhas, tentando seguir em frente e ser mãe e pai ao mesmo tempo porque minhas folhas sentiam a falta do pai. E aprendendo a trabalhar fora.

JC - E não parou mais. Montovani - Não parei mais. Depois disso eu tive uma ótica, mudei o ramo completamente.

JC - Deu uma guinada? Montovani - Na época eu tinha uma loja “tem tudo” ali na rua Primeiro de Agosto, esquina com a Treze de Maio, mas ela não ia muito bem. Era uma loja de peças de fogão, que era o ramo que a gente começou em Bauru, eu e meu ex-marido. Então, conheci uma família de São Paulo que tinha uma rede de óticas e eles queriam montar uma ótica em Bauru e queriam aquele ponto, onde eu tinha a loja, e eu fui convidada a fazer uma parceria.

JC - Você se tornou sócia deles? Montovani - Fiquei sócia e trabalhei dois anos no ramo de ótica. Foi mais um aprendizado porque era completamente diferente do que eu tinha aprendido a fazer. Era muito difícil, eu ficava muito desgastada porque você fica na mão de um profissional e não sabe se ele está fazendo o trabalho certo. E só vai saber quando o cliente chega e coloca no rosto: ‘olha, não estou enxergando’. É uma coisa muito difícil e eu achava que não era um lugar que eu devia estar, que não iria desenvolver um bom papel porque estava sempre nas mãos de alguém. Então, eu resolvi vender minha parte e fiquei um ano parada, pensando no que iria fazer.

JC - Foi quando surgiu a idéia do restaurante? Montovani - Foi em um almoço em casa com minhas filhas, que me disseram: ‘por quê você não monta um buffet?’. Mas eu falei: ‘buffet? Vocês querem que eu vire a noite trabalhando? É muito difícil’. Então sugeriram um restaurante, mas eu pensei ‘como vou montar um restaurante?’. E deram a idéia de montar um restaurante por quilo, e eu comecei a amadurecer a idéia, mas tinha pouco capital. Foi quando meu atual marido disse que, se eu quisesse, ele emprestaria o dinheiro. A partir daí eu me animei e comecei a procurar o lugar e escolhi essa casa. No começo eu pensei em uma coisa pequena, não acreditava.

JC - Você pensava em servir poucas refeições? Montovani - Eu achava que ia vender 50, 60 refeições ao dia e ter que sair vendendo marmitex para quem trabalhava na região. Mas não estava dando muito certo, a reforma muito complicada, e meu marido mandou uma pessoa de confiança, que veio tirar umas dúvidas. Quando ele chegou aqui, olhou e disse que, se o que eu estava fazendo ia ser um restaurante, já tinha nascido morto porque não ia dar certo. Eu entrei em desespero porque o dinheiro que tinha para ser gasto, já estava colocado aqui. Mas essa pessoa, que se tornou um grande amigo, um anjo da guarda, disse que ia me ajudar e nós íamos abrir um restaurante diferente. Paramos a obra, dispensamos os pedreiros, veio outro arquiteto e começamos novamente. Isso durou oito meses, mas fizemos a reforma. Só que na época eu sabia fazer comida para minha casa...

JC - Não tinha noção do que era um restaurante? Montovani - Não. Daí eu contratei uma cozinheira, uma saladeira e três ajudantes para começar. Eu estava inteiramente na mão dessa cozinheira porque eu sabia organizar, mas cozinhar para tanta gente, não. Bom, tudo bem, tudo bonito, arrumado certinho, vamos abrir as portas. Abrimos em uma sexta-feira...

JC - E... Montovani - Foi um desespero porque fazia fila. A cozinha não dava conta, os clientes ficavam com o prato na mão. Tinha que vir colocar os grelhados no prato por causa disso. Eu não tinha preparo nenhum. Não imaginava que o aparador deveria ter uma divisão, que os talheres tinham que ficar na balança porque o cliente ia, pegava e não passava na balança. O que aconteceu? No sábado, o freezer de sorvete vazio, tudo de ponta cabeça e o caixa vazio, sem dinheiro. Foi uma experiência que eu falava ‘agora acabou, como vou fazer para abrir domingo?’. Mas eu me considero uma pessoa abençoada por Deus, com muitos amigos, porque do nada apareceu uma pessoa - que infelizmente não está mais entre nós - e disse que ia me ajudar. A primeira coisa foi dividir o aparador, colocar os talheres na balança e essa pessoa disse que ia dar certo, que confiava em mim, por isso ia dar certo. A partir daí, a cada dia foi melhorando e comecei a procurar novos profissionais, me inteirar das coisas e, sempre com muita fé e com muita vontade de lutar. Eu sabia que tinha um investimento a pagar e não podia errar. Foi por Deus. Fui crescendo, me aperfeiçoando e conseguindo transformar o Gustare no que ele é hoje.

JC - E como é tocar esse restaurante hoje? A vida gira em torno dele, ou dá tempo para se divertir, curtir a família? Montovani - Eu passo a maior parte do tempo aqui dentro, mas eu tenho minhas filhas, meu marido, minha casa.

JC - E o que você gosta de fazer? Tem o hábito de almoçar fora? Montovani - Gosto de almoçar fora. Tem vários lugares de Bauru que eu gosto. E quando eu tiro folga, adoro fazer jardinagem, mexer com plantas, com minhas orquídeas. E à noite sempre sobra um tempinho para mim.

JC - E como você vê o ramo de restaurantes em Bauru? Ainda deixa a desejar ou já está em um bom nível? Montovani - Não, ainda deixa a desejar. Eu acho que falta opção à noite e que os comerciantes investem no almoço, mas esquecem do jantar. A gente encontra muita dificuldade no jantar.

JC - Falando um pouco sobre sua vinda para Bauru. Como foi? Você veio com seu marido ou casou-se por aqui? Montovani - Eu me casei e meu marido na época foi chamado para trabalhar na Ultragás, vendendo fogões. Eu casei e vim para cá.

JC - E como era sua infância em Porto Ferreira? Montovani - Minha infância foi em uma cidade muito pequena, vim de uma família muito simples e optei por casar ao invés de estudar. Por mais simples que são os meus pais, eles queriam que eu estudasse. Tenho uma irmã que é formada, mas eu não quis estudar, preferi casar.

JC - Você se arrepende de ter seguido esse caminho? Montovani - Não, não me arrependo. Acho que tudo que não consegui fazer, eu transferi para minhas filhas, então me sinto realizada porque as três são formadas - a mais velha em psicologia, a do meio em direito e a caçula se formou em nutrição.

JC - Você faria alguma coisa diferente, se pudesse voltar no tempo? Montovani - Não, não mudaria nada. Olha, me casei nova, tive minhas filhas nova, fui avó nova, tenho uma neta com 13 anos, estou no segundo casamento e sou muito feliz.

JC - Qual o tempero que a gente usa para ter sucesso Montovani - Primeiro de tudo você tem que ter muito amor, não pode guardar rancor porque só com amor você consegue construir alguma coisa. E não desistir nunca.

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