A crise financeira que começou no setor imobiliário americano, que passou para o financeiro e a seguir para o econômico, se alastrou pelo mundo e atinge as nossas vidas. A palavra crise aparece em todos os textos de jornais, programas nacionais e internacionais de televisão. Como a crise afetou tal país e o outro, o Brasil, os negócios e você? Então, eu pergunto quais os sentidos da palavra crise?
A palavra crise vem do latim “Krises” e do grego “Krino” e significa separar e distinguir. Significa, também, uma encruzilhada, onde temos que decidir para onde ir, quando temos que distinguir, julgar e decidir que linha de ação escolher. Do ponto de vista médico, é uma manifestação violenta e repentina de um desequilíbrio ou piora de um curso de uma doença ou agravamento súbito de um estado crônico. Do ponto de vista emocional, crise é uma manifestação violenta de um sentimento com estado de dúvidas e incertezas. Do ponto de vista psicológico, leva à idéia de uma tensão e conflito que desequilibram o sujeito em uma situação que exige esforço de adaptação. O ponto de vista mais comentado, é o econômico. Isto é, a crise é o período de transição de um período de prosperidade para outro de depressão. Para terminar esta lista, não poderia deixar de falar de crise do ponto de vista ético e da moral. A crise leva a uma crise de consciência, que remete a modificação de ordem e questionamento de valores. Saint-Simon fala de épocas orgânicas de equilíbrio e prosperidade se contrapondo a épocas críticas de instabilidade e questionamento.
A economia de mercado desregulada com Estado mínimo e globalizada fez de si própria uma bolha que estourou e provocou uma onda de desequilíbrio entre nações, grandes, médios e pequenos negócios, atingindo as pessoas, atores sociais e agentes econômicos. Quando a economia brasileira crescia 6,8%, meus pacientes diziam não precisar de medicação para dormir e pediam alta após encontrar emprego. E, após a queda do último trimestre ano passado de -3.6% e do começo ano de 2009, menos pessoas aparecem pedindo alta. Por outro lado, mais pacientes com queixas de sintomas de depressão e ansiedade com o impacto da crise surgem.
Ao longo da vida, tal como a adolescência ou a menopausa, as pessoas mudam e essas mudanças as tornam mais vulneráveis para transtornos mentais. Esses são dois exemplos de crise em mudanças biológicas. Quando associadas às mudanças econômicas e sociais estressantes, fazem das crises momentos de teste da nossa capacidade e estruturas mentais, que podem ser melhoradas ou rompidas. Se rompidas, geram transtornos que podem incapacitar e gerar mais problemas.
Desde o tempo dos gregos, a crise (krises) surge após um momento de ordem (physes), gera uma desordem (caos), podendo gerar nesta crise a destruição dessa ordem (hubris) ou a reorganização dessa ordem em uma nova ordem. Isto nos leva a pensar a crise e outras situações que se seguem em todos os níveis não como ameaças, mas como testes que nos levam a melhorar, ou não, quando ela é vista como uma ameaça que pode levar à destruição. Toda crise tem em potencial a sua hubris ou a possibilidade de melhorar. Tanto interna, emocional e psicologicamente, quanto externamente, nas situações de ordem econômica ou social em que estamos mergulhados.
Muito se diz sobre como o Brasil reagia mal a outras crises e hoje é diferente: o País está mais estruturado para enfrentar a crise. A mesma coisa pode se dizer de empresas e negócios. Há empresas mais ou menos estruturadas para enfrentar a crise, assim também como há indivíduos mais estruturados ou vulneráveis para ter transtornos mentais em momentos de crises. Temos que ver esse momento como um teste duro, onde poderemos sair mais fortes como pessoas, empresas, instituições e País. Não se fala mais de G8 como antigamente, mas sim de G20. E o Brasil tem seu lugar garantido nesse grupo, com moral e liderança no próximo encontro de cúpula, em Londres. Desta vez, sairemos dessa grande crise um País melhor, com instituições melhores, empresas melhores e pessoas melhores. E uma nova ordem mundial melhor surgirá em que teremos o lugar digno que merecemos.
O autor, Carlos Manuel Cristóvão, é médico psiquiatra