Muitas vezes, quando chegava ao jornal, o telefone tocava e uma voz calma, serena, informava do outro lado que era dona Nize, a esposa do coronel Bretas, nora de Cora Coralina.
Uma pessoa apaixonante como a “poeta de Goiás”, que nutria verdadeira admiração pela sogra. Não esquecia nunca do dia 20 de agosto, data do nascimento de Cora e que coincidia com o do “Vizinho”, criado justamente para aproximar moradores próximos.
Por conta de Nize - que morava na mesma rua do jornal naquela casa com o muro cheio de poemas para evitar a pichação - me interessei mais pela vida e pela obra de Cora. Passei a ficar mais atenta aos seus exemplos de vida e a seus poemas lindíssimos.
Para minha felicidade, a Global Editora me presenteou com uma obra valiosíssima: “Cora Coralina - Doceira e Poeta”, que reproduz as receitas dessa doce mulher.
As receitas são selecionados, a ilustração primorosa e vêm com pitadas de encantamento. Coisa comum em se tratando dessa guerreira que criou quatro filhos, morou em Bauru, teve uma loja de armarinhos e uma chácara de flores e sempre transmitiu otimismo a gerações.
A descoberta de Drummond
Em julho de 1979, o Brasil foi surpreendido com uma carta de Carlos Drummond de Andrade endereçada a uma poeta, até então, pouco conhecida, com o seguinte texto: “Não tendo seu endereço, lanço essas palavras ao vento, na esperança que ele as deposite em suas mãos (...) Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais.”. A poeta em questão, uma senhorinha de quase 90 anos, nasceu Ana Lins dos Guimarães Peixoto e, a essa altura, era conhecida como Cora Coralina, a doce poeta de Goiás.
A vida em Bauru e a chácara de flores
Embora escrevesse desde menina, essa senhora só publicou seu primeiro livro pouco antes de completar 76 anos, depois de ter ficado viúva. O que ela fez então nesses anos todos, antes de encantar o público e a crítica com sua prosa e seus poemas?
Criou quatro filhos e trabalhou muito enquanto poetou. Morou por 45 anos no Interior e na Capital de São Paulo, onde vendeu livros, teve uma loja de armarinhos e uma chácara de flores. Ao voltar para Goiás, tornou-se doceira, junto a um fogão a lenha.
Os doces maravilhosos
Conhecedores da doçura de seus versos, os leitores de Cora Coralina sempre se perguntaram como teriam sido os doces feitos por ela. Para matar essa curiosidade, a Global Editora, com a anuência de Vicência Brêtas Tahan, filha da poeta, está lançando “Cora Coralina - Doceira e Poeta”. Uma obra planejada não só como um livro de receitas, mas também em comemoração aos 120 anos de nascimento da poeta e em homenagem a esta mulher aguerrida, que sempre esteve à frente de seu tempo.
Receitas escolhidas a dedo
Enquanto decidiam quais receitas integrariam o livro - escolhidas a dedo em cadernos amarelecidos pelo tempo -, a equipe percebeu que, mesmo tendo vivido mais de 40 anos no Estado de São Paulo, as receitas tinham uma profunda relação com os costumes goianos, em especial com a cidade de Villa Boa de Goyaz, terra natal de Cora Coralina.
Com isso, os organizadores viajaram para Goiás com o objetivo de captar momentos reveladores dessa relação e tornar visíveis para os leitores as circunstâncias da vida da poeta.
Os doces de Goiás
Para concretizar o projeto a contento, foram necessárias algumas adaptações, ou melhor, atualizações, com redução ou substituição de ingredientes, pois os originais continham receitas com uma grande quantidade de ovos, outras com banha de porco, etc.
A apresentação de “Cora Coralina - Doceira e Poeta” traz a assinatura do jornalista J. A. Dias Lopes, um dos nossos decanos do jornalismo gastronômico.
Entremeando as receitas com belíssimas fotografias, ilustrações e poemas, também selecionados criteriosamente, o leitor irá descobrir os segredos da doceira poeta, diversão e gosto bom em quitutes, às vezes, muito simples, mas sempre saborosos. Muito saborosos.
• Serviço
“Cora Coralina - Doceira e Poeta”. Autor: Cora Coralina
Prefácio: J . A. Dias Lopes
Preço/Páginas: R$ 119,00 / 144 coloridas (papel couchê)
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Doce de abóbora
Uma abóbora de bom tamanho, madura
Descascar, tirar as sementes e cortar em pedaços*. Colocar em água com cal virgem (solução hidrocal). Depois de uns dez minutos, lavar em água corrente. Preparar uma calda fina**, que cubra os pedaços da abóbora. Ferver em fogo brando até amaciar, com paus de canela e/ou cravos-da-Índia. Apurar no dia seguinte. Se quiser glacerizados, retirar da calda os pedaços e pôr numa peneira de taquara para escorrer bem. Voltar a calda ao fogo para apurar bem. Passar os pedaços e colocar em tabuleiros que irão ao sol para secar os pedaços do doce.
Nota Não se deve mexer o doce para não quebrar os pedaços da abóbora. Se precisar virar no tacho, que seja cuidadosamente, um a um, com um garfo.
Dicas do bisneto
* Cortar em cubos de 4 x 4cm.
** Para 2 quilos de abóbora, 1 quilo de açúcar.
Doce de laranja
Laranjas-da-terra, ainda verdes, porém perto do amadurecimento. Descascar bem finas. Depois, cortar em quatro, sem separar as partes. Retirar, com cuidado, o bagaço. Lavar bem. Dar uma fervura de dez minutos. Retirar do fogo e deixar de molho, trocando a água várias vezes por dia, durante dois ou três dias, até que o amargor seja eliminado. Lavar bem. Preparar uma calda em ponto de espelho, suficiente para cobrir as laranjas*. Colocar cravos-da-índia (uns 10) e colocar as laranjas com cuidado para que não se quebrem as partes. Ao fogo lento, deixar cozinhar até amaciar. Deixo dormir em calda** e só apuro no dia seguinte ou, ainda, deixo ferver mais algum tempo, torno a deixar mais uma noite na calda e apuro dois dias depois. Retirar as laranjas uma a uma, com o auxílio de uma escumadeira, pôr numa peneira de taquara para que escorram bem da calda. Apurar a calda em separado, e passar as laranjas, cuidadosamente, para glacerizá-las. Colocar em tabuleiros, juntando as pétalas duas a duas. Acabar de secar ao sol. Da mesma forma, se faz doce de cidra.
Pulo do Gato
Quando o amargor for eliminado, após os dias trocando a água, passar uma colher de sobremesa na parte de dentro da laranja, retirando uma porçãozinha da polpa, que deve estar mole e que é mais amarga.
Dicas do bisneto
Atualmente, encontram-se laranjas pré-prontas no supermercado.
* 1 quilo de açúcar (de preferência cristal) para 2 quilos de laranja. ** Uma noite de descanso na calda é suficiente.
Doce de figo verde
Afervente o figo verde (que deverá estar durinho), em água com bicarbonato ou cinza de fogão a lenha*. Para cada 100 figos coloque uma colher de sopa de bicarbonato ou uma xícara de cinza. Deixe esfriar e coloque no congelador com a água que ferveu. No dia seguinte, com os figos ainda meio congelados, retire a pele, que sairá com a maior facilidade, e corte a parte inferior em forma de cruz. Lave-os. Prepare, à parte, calda em ponto de espelho**, quantidade que deverá cobrir os figos. Quando estiver pronta, coloque os figos e, em fogo lento, espere até que fiquem macios***. Deixe na calda de um dia para o outro e só depois apure. No dia seguinte, torne ao fogo para apurar a calda (na parede do tacho, começa a açucarar). Tire o tacho do fogo e, em movimentos de meio círculo de seus braços sobre o tacho, vá misturando os figos e revirando-os na calda. Note que a calda vai engrossando, açucarando. Depois, com um garfo, retire um a um os figos e coloque-os sobre tabuleiros. Estarão glacerizados. Nunca se deve passá-los em açúcar cristal, o glacê é a própria calda. Acabam de secar ao sol.
Nota
O bicarbonato (ou a cinza) no qual os figos devem ferver por apenas cinco minutos, facilita a retirada da pele e os conserva bem verdinhos.
Dicas do bisneto
* Encontram-se em supermercados figos sem a pele. Prepare a calda e siga a receita.
** Para 2 quilos de figos, 1 quilo de açúcar.
*** De 2 a 3 horas.
Doce de leite
Ingredientes
5 litros de leite, 1 quilo de açúcar, pedaços de casca de limão, se gostar, ou canela em pau.
Preparo
Leve ao fogo o tacho com o leite, o açúcar e a canela até que, reduzido e grosso, forme uma massa leve e que deve ser batida, fora do fogo, sempre com uma colher de pau. O doce deve ser batido mais ou menos, conforme a finalidade: se for para ser cortado em pedaços, deverá ser mais batido e, depois, despejado em tabuleiro para esfriar e cortar; ser for para ser comido com colher, deverá ser menos batido.
Nota
Bater o doce vai torná-lo macio.
Ingredientes
3 litros de leite
3 xícaras (chá) de açúcar
1 pau de canela ou casca de 1 limão
Preparo
Coloque o leite e o açúcar em uma panela ou tacho e leve ao fogo com um pires virado para baixo (no fundo do tacho) para que o leite não derrame. Deixe ferver até que comece a engrossar, retire o pires, coloque o pau de canela e mexa sem parar, até dar a consistência de um creme. Retire do fogo e coloque em uma compoteira. Sirva gelado.
Se preferir o doce em pedaços, deixe mais 20 minutos em fogo baixo, mexendo sempre. Despeje em um tabuleiro para esfriar e corte.
Dica da Vicência
Para o leite não talhar, coloque uma colherinha (café) de bicarbonato, quando o doce começar a engrossar.
Ambrosia
Ferver o leite com o açúcar, os cravos e a canela. Deixar engrossar. Bater muito bem as claras (em minha casa, uso 10 ovos). Acrescentar as gemas e bater mais, até que desapareça o cheiro dos ovos crus. Despejar no leite fervendo, em fogo baixo e mexer com a colher de pau até que o leite pare de subir.
Ingredientes
1 litro de leite
1 e ½ xícara de açúcar
4 ovos
Cravo
Canela em pau
Canela em pó
Preparo
Levar o leite ao fogo com o açúcar, a canela e os cravos. Deixar ferver. Bater as claras em neve, juntar as gemas, batendo bastante. Despejar sobre o leite fervendo, em fogo baixo. Mexer até ficar uniforme, o leite parar de subir e sumir toda a espuma. Colocar em compoteira. Polvilhar canela em pó e servir gelada.