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Infantilismo ou safadeza?

José Renato Ferraz da Silveira
| Tempo de leitura: 4 min

Num tempo turbulento e de crise, não é de todo errado deixar de tomar decisões irrevogáveis. Muitas vezes é necessário tomá-las em situações tensas, em que os limites de ação estão postos. Diria Maquiavel acerca dessa questão: os príncipes (políticos) se tornam poderosos ou respeitados quando superam os obstáculos e a oposição que a eles se faz. Como diz o próprio filósofo florentino, a política é a “arte de conquistar, manter e exercer o poder”.

Com esta sentença, não é supérfluo (ao contrário) recordar que ação política é arte. Na Itália, na década de 40 do século passado, havia uma estranha conclusão: sendo arte, e não ciência, a política não pode ser ensinada. “A ilação é estranha, pois mesmo a arte é ensinada”. Não existem escolas de pintura, música, literatura, escultura etc?

É evidente que não bastam as escolas para criar “grandes artistas” (exatamente como uma escola política não pode sozinha criar um grande político), mas esta não é uma boa razão para fechar as escolas de artes. Trata-se de um non sequitur. Como afirma Giovani Sartori: “quando se afirma que a política é uma arte, o sujeito da proposição é a política como “ação política”. Mas quando se afirma que a política é ciência, o sujeito é o “conhecimento da política”.

Resolvido esse “dilema”, nada me impede de dizer que política é arte. E vale ressaltar que em nome da arte muitas vezes a ignorância é redimida, e a incompetência é encorajada. Os grandes artistas da política contemporânea são sempre personagens que ignoram a relação entre fins propostos e meios disponíveis. Ainda de acordo com Sartori, “quanto maior a ignorância mais fácil pretender (ou prometer) tudo de imediato. Pode ser que esta seja a arte do êxito, mas não é seguramente a arte política que necessitamos”.

Como cientista social que crê na potencialidade transformadora da política, sou fruto de uma sociedade pós-moderna que vê o mundo numa perspectiva de possibilidades ilimitadas. É um estado de espírito que crê como quando Mannheim escreveu, citando Lamartine, que “é possível que as utopias de hoje sejam as realidades de amanhã”. E é claro desde que se flexibilize o significado de utopia, cunhado pelo filósofo inglês Thomas Morus, com palavras gregas, para dizer “em nenhum lugar” (subentende-se: nunca nem hoje, nem amanhã). O ponto é que a redefinição de “utopia”, feita por Mannheim, nos deixa com esta mensagem sintomática: o impossível não é prefigurável.

Se antes predominava o sentido do impossível, o homem contemporâneo embebeu uma atmosfera simbólica em que predomina o sentido do possível. Apesar do otimismo ser ótimo e saudável para nossas mentes, cometemos um grande equívoco: substituir a flexibilidade dos limites pela inexistência de limites. Assim, o homem civilizado que vive na euforia do “tudo possível” não se comporta de modo diferente da criança: destrói e estraga tudo, e se torna um suicida ou homicida potencial. Observe as relações entre os homens, consigo mesmo e com a natureza. É cada vez mais insuportável e irresponsável as atitudes humanas. É o que diria sobre o infantilismo contemporâneo.

Veja bem, falta a criança o “sentido do impossível”, e, portanto, o sentido do possível justamente porque não tem ainda a noção do que pode fazer (e do que não pode) com os objetos que a cercam. Não é que a criança seja inferior às crias dos animais (que, sozinhas, sabem sobreviver melhor do que nossos filhos); o que acontece é que ela se encontra num “habitat” artificial, constituído de coisas fabricadas. A criança cai da janela porque mora numa casa ou apartamento; queima-se com água quente porque sua casa tem uma cozinha; bebe produtos químicos porque eles estão ao seu alcance. E o pior disso tudo é quando a criança repete um erro grave sobre algo que já foi ensinado pelos superiores - pais e mestres – chorar, mentir ou criar histórias fantasiosas é um instrumento inteligentemente eficaz para evitar um castigo.

Isto posto significa que o infantilismo histórico está cada vez mais presente em nossa sociedade, principalmente na política. E o infantilismo na política é assustador! Existem determinados políticos que ao cometerem seus crimes, são como “crianças” que criam, recriam e adaptam as regras do jogo para o próprio benefício. Quer sentença mais infantil proferida pelos nossos políticos do que a frase do momento: “eu não sabia”? “Era para comprar panetones”, essa é nova!

Se infantilismo ou safadeza, a verdade é que na política, não deve haver uma “margem de segurança” que absorve o erro, muito menos a ignorância. Essa é a minha opinião. O que vocês acham?

O autor, José Renato Ferraz da Silveira, é doutor em Ciência Política pela PUC-SP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM. jreferraz@hotmail.com

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