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Entrevista da semana: Edmilson Queiroz Dias - A arquitetura e seu lado humanista

Juliana Franco
| Tempo de leitura: 10 min

Sua trajetória de vida retrata o misto dos bons ensinamentos da mãe bordadeira com os moldes do pai protético. É desta simbiose que o arquiteto Edmilson Queiroz Dias soube aproveitar bem as oportunidades que surgiram em sua vida. Com 55 anos, 29 deles dedicados à arquitetura, sua carreira foi projetada por meio do casamento entre profissionalismo e uma boa rede de relacionamentos.

Filho de João Baptista Dias, protético, ex-funcionário da ferrovia e militante que sofreu perseguições políticas, e de Odania Queiroz Dias, bordadeira e costureira, nasceu em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, mas chegou a Bauru aos 2 anos. Tem três irmãos: dois homens e uma mulher.

Amante do desenho desde criança, quando na falta de papel pintava as paredes de casa. Se formou em arquitetura em 1980 pela Faculdade de Mogi das Cruzes. Casado com a assistente social Soniamar Faria Queiroz, Edmilson é pai de três filhos - Carolina Maria, Vinícius e Verônica -, dos quais dois seguiram seus passos e resolveram se dedicar à arquitetura. Já a filha caçula optou pela medicina.

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Jornal da Cidade - Quando você chegou em Bauru?

Edmilson Queiroz Dias - Muitos acham que eu nasci em Bauru, mas nasci no dia 14 de junho de 1954, em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul. Estou em Bauru desde os 2 anos. Meu pai era protético da ferrovia, foi transferido para lá, onde conheceu minha mãe e casou-se. Depois como a Noroeste tinha feito planos de carreira, ele foi transferido para Bauru. Cresci e estudei na cidade, só a faculdade eu fui fazer em São Paulo porque não existia o curso de arquitetura aqui. Estudei na Universidade de Mogi das Cruzes, na década de 1970.

JC - Conte um pouco da trajetória de seu pai como militante político.

Edmilson - Meu pai era um autodidata, ele cursou até o terceiro ano primário, não teve formação nenhuma, mas tinha uma cultura, uma base histórica extraordinária. Tenho os livros que ele leu e ajudaram na formação de seu pensamento guardados. Eles ficam comigo porque, entre os meus irmãos, eu me interessei mais por essa questão. Aprendi bastante com ele a fazer interpretação do mundo, do País, da política e isso me ajudou a desenvolver um espírito muito crítico que norteou minha vida, até mesmo na escolha da profissão. Eu escolhi uma profissão que eu entendia ter um sentido humanista e ao mesmo tempo expressava a arte, uma coisa que eu apreciava. Meu pai era ferroviário na Noroeste, sindicalista, e se encantou com o movimento socialista, com o comunismo que aflorou no mundo no final da década de 1940 e início de 1950. Ele acreditava que o comunismo era uma solução para resolver os problemas da humanidade, de exploração da mão-de-obra, do capitalismo selvagem.

JC - Por que optou pela arquitetura?

Edmilson - Acho que o fato de eu gostar de arquitetura e arte tem haver com meus pais. A minha mãe era costureira e bordadeira, ela com quase 80 anos ainda borda se precisar. O meu pai era protético. Quando eu era moleque ia para o laboratório dele, e ficava tentando imitá-lo esculpir. Minha mãe me estimulou muito no desenho, mesmo porque era uma forma de me deixar quieto. Se não me dessem papel e lápis, desenhava nas paredes e quando perguntavam quem tinha feito aquilo, tentava falar que eram os meus irmãos ou primos, mas nunca dava certo. Creio que desde os 7 anos eu tinha a definição de ser arquiteto, só que não diferenciava arquitetura de engenharia, para mim era uma coisa só. Tive o incentivo da minha mãe, que me estimulou a desenhar, do meu pai pelas orientações políticas e, quando entendi a diferença entre as duas áreas, vi que a arquitetura tinha uma identidade, ela é a manifestação daquilo que as pessoas pensam. Tem uma frase do arquiteto Paulo Mendes da Rocha que eu ouvi pessoalmente logo que ele chegou da Turquia, quando recebeu o prêmio Pritzker, que seria o Nobel da arquitetura: “Nós projetamos aquilo que nós pensamos, aquilo que nós somos”. Então, se a pessoa tiver uma formação ideológica e política bem definida, o projeto acaba carregando esse caldo de cultura, de conhecimento, de pensamento do profissional. Essa questão humanista da arquitetura me encantou.

JC - Outras pessoas tiveram responsabilidade pela sua escolha profissional?

Edmilson - Eu sempre tive uma profunda consideração e respeito pelos meus professores, fui muito amigo deles e alguns tiveram influência muito forte. O professor Petronio Lourenço Dias, que foi presidente do Departamento de Água e Esgoto (DAE), era químico e advogado, foi um deles. Ele tinha a frieza que a gente imagina de um profissional da área de ciências exatas e ao mesmo tempo tinha pensamentos da humanidade, era uma pessoa sensível. Um dia ele descobriu que eu gostava de desenhar na sala de aula. No intervalo de uma aula, ele pegou meu caderno, folheou e disse: “Escuta menino, você não anota a matéria que eu coloco na lousa?”. Eu disse que anotava e mostrei, eram letras bem pequenas com vários desenhos. Neste dia, ele disse que eu estava no curso errado. Na época fazia mecânica na Fundação Educacional de Bauru, no colégio técnico. Eu disse que queria fazer engenharia e ele afirmou que eu deveria fazer arquitetura. Naquele dia, ele nem deu aula mais, falou sobre dom e vocação. Foi muito emocionante e, quando terminou a aula, ele me deu carona. Nunca me esqueço, ele tinha um Galaxy e no caminho foi falando sobre profissão. Dias depois, me levou para conhecer Nelson Marcondes do Amaral Filho, um arquiteto formado pela Universidade de São Paulo (USP) que era o diretor executivo da Fundação Educacional de Bauru. O professor Petrôneo e eu fomos conversar com Marcondes e ele, sem me conhecer, me deu uma chave do escritório. Tive naquele escritório o meu primeiro contato com arquitetura, foi uma escola muito boa e muito fértil. Foi um início feliz. Fiquei neste escritório dos 17 até os 20 anos, quando fui para São Paulo.

JC - Encontrou dificuldades nesta trajetória?

Edmilson - Me formei na década de 1980, a chamada década perdida. Foi muito difícil trabalhar neste período. Em 1981 estava no mercado de trabalho e não tinha emprego. Cheguei a me arrepender de ter estudado, pensava que agora que eu era arquiteto ninguém me dava emprego, enquanto era só desenhista tinha valor. O professor Luciano Bellini me aconselhou a voltar para Bauru, porque aqui estavam meus amigos e familiares. Vim conversar com o professor Petrôneo e contei para ele minha situação. Minha família não sabia que estava desempregado, pois tinha umas economias e me segurava com elas. Petrôneo disse que meu professor estava certo e explicou que se eu conseguisse uma colocação em São Paulo, seria um adjetivo, em Bauru seria um substantivo.

JC - Como foi o início da carreira aqui?

Edmilson - O meu primeiro escritório é o mesmo até hoje. No primeiro momento eu trabalhei como profissional liberal. Fiquei amigo de um engenheiro para o qual eu projetei a casa e ele mesmo fez o projeto estrutural. Achei o cara talentoso, arrojado e comecei a fazer meus projetos de arquitetura e encaminhar para ele fazer o projeto estrutural. O meu trabalho foi aumentando e chegou uma hora que não dava mais conta de fazer tudo sozinho. O serviço foi crescendo e exigiu que a gente se organizasse como empresa. Foi aí que fundamos a MDL. Até hoje, os engenheiros Jocelim Fernandes Lopes, Celso Martha e eu somos sócios.

JC - A vida como professor universitário começou quando?

Edmilson - Este ano completo 25 anos dando aula. Sou professor em três universidades: no Centro Universitário de Lins (Unilins), no curso de engenharia civil e engenharia ambiental, dou aula no curso de arquitetura e de engenharia civil da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus Bauru, e no curso de arquitetura da Universidade Paulista (Unip), onde sou coordenador do curso. Costumo dizer que não sou professor profissional, mas faço tudo isso em total estado de entrega.

JC - Quais foram as mudanças que a arquitetura sofreu desde que ingressou no mercado de trabalho?

Edmilson - Quando eu aprendi a desenhar, nós desenhávamos tudo no braço, os desenhos eram feitos à mão com lápis, lapiseira e caneta nanquim. Com o tempo começaram a haver mudanças, as canetas ficaram mais modernas, mas confiáveis e não borravam tanto. Com o advento do computador e a descoberta dos softwares mais diversos possíveis, foi criado um para desenho que substitui papel, lápis, borracha e possibilitou fazer o desenho eletrônico. Mas a visibilidade do desenho, a interpretação do espaço continua sendo importante para o aluno. Inclusive conhecer o desenho, principalmente a geometria descritiva que infelizmente não existe mais nas grades curriculares das universidades, ajuda a entender o espaço, as concepções de retas, planos, poliedros. O fato de não existirem mais faz com que os alunos encontrem um pouco de dificuldade na opção de desenhar. Sempre digo que a máquina não substitui a inteligência espacial. Além disso, a capacidade do profissional criar e inovar com os materiais e tecnologias disponíveis no mundo, o computador não consegue ter. Eu vejo também algo que mudou bastante, não só na minha profissão, mas acho que em todas. No meu tempo, os profissionais eram mais preocupados com o conhecimento e com a realidade, com as questões que afligem o mundo, as pessoas eram mais politizadas. Hoje, vejo as pessoas muito despreocupadas com os problemas sociais, isso é muito materialista. Mas é claro que não são todos.

JC - Você também tem um histórico político. Essa sua trajetória teve influência de seu pai?

Edmilson - Totalmente. Eu via as perseguições e injustiças que meu pai sofria. Quando ingressava na adolescência vi meu pai ser preso pela primeira vez. O exército cercou minha casa e todo o quarteirão, tinham soldados no telhado das casas dos vizinhos e eles chegaram de madrugada para prendê-lo. Meu pai foi avisado no dia anterior que iria ser preso e não fugiu. Ele era de uma coragem ímpar. Com isso, era difícil entender como um homem que levantava cedo e ia trabalhar a pé porque não tinha carro era perseguido. Não achava certo isso, apesar de entender que isso era porque ele discordava politicamente de quem estava no poder. Ele foi preso quatro vezes e eu tinha que ter uma atitude no sentido político. Então, também fui militante. Na última prisão dele, eu tinha 16 anos e fiquei detido por mais de uma hora dentro do seu laboratório. Neste dia, bateram na porta frontal e, quando abri, me deparei com um homem que segurava uma metralhadora. Entraram quatro policiais pela lateral do local e alguns cercavam a casa. Perguntaram pelo meu pai e, com a metralhadora apontada para mim, esperamos ele voltar. Foi uma eternidade. Quando meu pai chegou, foi fechado pelos policiais e não reagiu.

JC - Seu primeiro contato direto com a administração pública foi na Emdurb?

Edmilson - Fui presidente da Emdurb em 1983 e 20 anos depois voltei ao cargo. Em 2000 fui secretário de Obras, este foi um período muito difícil para a secretaria e para a prefeitura, com poucos recursos. Mesmo na política sempre tive a mesma linha de atuação. Nunca pleiteei esses cargos, todas as vezes eu fui convidado. No meu trabalho, levo conceitos. Nas residências procuro estabelecer condições de igualdade para todos os moradores. Os meus ambientes têm poucas paredes, bastante janelas para que a luz do dia entre e internamente coloco poucas divisões para que as pessoas se vejam, conversem, tenham contato.

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Perfil

Nome: Edmilson Queiroz Dias

Idade: 55 anos

Local de nascimento: Três Lagoas, Mato Grosso do Sul

Esposa: Soniamar Faria Queiroz Dias

Filhos: Carolina Maria Queiroz Dias, Vinícius Faria Queiroz Dias e Verônica Faria Queiroz Dias

Hobby: Ler

Livro de cabeceira: A Bíblia, que leio todos os dias e, na literatura, a obra completa de Machado de Assis

Filme preferido: “O homem elefante” e “Assim caminha a humanidade”

Estilo musical preferido: Além da MPB, a música que eu gosto, que me encanta é “Pra não dizer que não falei das flores”, do Geraldo Vandré

Time: São Paulo e Noroeste

Para quem dá nota 10: Oscar Niemeyer

Para quem dá nota 0: Ninguém é zero, acho que todo mundo merece uma oportunidade, duas ou três, se precisar

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