Sempre quando enfrentamos alguma situação de estresse extremo, além do coração bater a “mil por hora”, com o inevitável frio na barriga, imediatamente após a turbulência nos vem uma impressão de leveza, quando parece que mal sentimos nossas pernas tocarem o chão.
Essas sensações naturais são alguns dos efeitos das descargas de adrenalina em nosso organismo. O hormônio, também chamado de epinefrina, é um estimulante natural liberado em nosso corpo sempre que há um sinal de alerta para algum tipo de tensão ou risco à vista.
Quem nunca viu “teto preto” quando se deparou com uma discussão séria, ou então sentiu a boca seca e respiração ofegante quando o trem da montanha-russa estava no ponto mais alto antes de queda brusca que faz com que o coração “salte” pela boca?
É a adrenalina agindo, como uma verdadeira centelha que acende o nosso organismo, para que se fique esperto aos perigos que vêm pela frente. Sua principal função, explica a biomédica Ana Paula Ronquesel Battochio, é preparar o corpo para pensar e agir rapidamente. “Quando liberado no organismo, o hormônio é responsável pelo aumento da atenção”, acentua.
Produzida pelas glândulas supra-renais (como o próprio nome diz, localizadas acima dos rins), a adrenalina, explica ela, quando liberada no corpo, resulta em atenção redobrada, dilatação das pupilas, palidez, respiração ofegante, aceleração do ritmo cardíaco, bem como aumento da pressão arterial e teor de glicose.
O efeito “viciante” da liberação hormonal, conceitua Ana Paula, que é coordenadora do curso de biomedicina das Faculdades Integradas de Bauru (FIB), se explica pelo efeito de recompensa que a substância também desencadeia no corpo.
Isso, acrescenta, incentiva algumas pessoas a sempre buscarem as sensações-limite que desencadeiam a descarga da adrenalina no corpo, seja um esporte radical, ou outras situações que, muitas vezes, podem ser nocivas à pessoa em diversos campos.
Neste caso, apesar da procura por emoções fortes não significar, necessariamente, que o indivíduo sofra de algum tipo de distúrbio, observa o psiquiatra Sérgio Yutaka Sato, o exagero com reflexos negativos na vida dessa pessoa pode ser sinal de que ela necessite de algum tipo de intervenção médica, seja por terapia ou até medicamento.
“Não se trata de patologia, mas sim de temperamento”, diferencia o médico, associando, em casos extremos, à busca impulsiva por fortes emoções, e consequente descarga de adrenalina no organismo, ao transtorno bipolar.
Personalidades que tendem ao exagero constante, observa o psiquiatra, podem ser atenuadas com estabilizadores de humor. Entretanto, alerta o médico, os casos devem ser extremos, quando tudo que a pessoa faça seja em demasia, o popular “oito ou oitenta”.
“Pessoas exageradamente obstinadas, teimosas ou explosivas, em casos muito graves, precisam de observação”, especifica. “Pessoas que se arriscam muito em investimentos financeiros são um exemplo”, ilustra.
Risco
Os riscos da descarga de adrenalina na corrente sanguínea não ocorrem em decorrência da altitude, velocidade ou qualquer outro limite extremo superado pelos praticantes de esportes radicais.
Pelo contrário. A atividade física é altamente recomendável. O problema ocorre justamente quando a substância é lançada no organismo sem que ocorra algum tipo de ação, pois, durante a liberação da adrenalina, a taxa de glicose no sangue também sofre um aumento.
“Quando somos colocados numa situação de estresse emocional negativo e repetitivo e não realizamos atividades para compensar, a adrenalina eleva o nível de açúcar no sangue, causando a hiperglicemia”, adverte a biomédica Ana Paula Ronquesel Battochio. “Além disso, os batimentos cardíacos aumentam, algo prejudicial para quem sofre de problemas do coração”, acentua.
As emoções negativas, principalmente, adverte Ana Paula, geralmente deflagradas pela descarga de adrenalina em brigas contundentes, podem resultar em ataque cardíaco nas pessoas já propensas ao problema, particularmente quanto ao entupimento de artérias coronarianas. “O hormônio fecha os vasos sanguíneos e interrompe o fluxo para o coração. No entanto, esse risco só existe para quem já tem as artérias parcialmente entupidas”, ressalva.
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Quando a ‘faísca’ vira fogo
A adrenalina em nosso corpo, define a biomédica Ana Paula Ronquesel Battochio, age como um estimulante natural e é fundamental para a manutenção da própria vida. Porém, a centelha que nos mantém em estado de alerta sempre que nos deparamos com um cenário de estresse ou perigo, em casos extremos pode ser danosa e causar verdadeiros “incêndios”.
Hoje com 62 anos, a nadadora Maria (nome fictício) exemplifica a canalização de toda essa energia tanto pode desencadear ações benéficas quanto nocivas à saúde. Ela conta que, desde a infância, sempre foi muito agitada. Nas brincadeiras, não aceitava outro papel senão a de líder. Já na fase adulta, não se contentava com nada e sempre procurava algum tipo de mudança para se sentir feliz.
Quando as mudanças constantes, seja na vida amorosa, profissional e espiritual, não traziam “essa tal felicidade”, a busca frenética por bem-estar era descarregada em compulsões. “Eu fiquei com mania de fazer compras. Me separei, mudei de cidade, casei novamente e troquei de religião. Saí de um emprego e entrei em outro, mas nada me completava”, recorda Maria, que já chegou a trabalhar em três lugares diferentes, simultaneamente.
Esportista amadora desde a juventude, ela abandonou as piscinas para mergulhar de cabeça em problemas causados pela inquietude que, diz, sempre a acompanhou. “Achava que o problema estava na casa, nas pessoas, na cidade. Mas o vazio estava sempre comigo”, narra. “De tão eufórica que sempre fui, os músculos da minha perna eram constantemente tensionados”, completa.
A solução para um mar de atividades que não a completavam, atribui, foi buscar ajuda. Integrante dos “Neuróticos Anônimos”, irmandade referência no amparo a pessoas com problemas de natureza emocional, ela hoje consegue canalizar toda a volúpia por ação ao voltar, justamente, para o que havia abandonado.
As águas das piscinas de competição apagaram o incêndio de emoções à flor da pele, que tomavam a vida de Maria. Hoje, ela foca toda a energia nas brigas do bem, por medalhas. “Hoje a natação de competição é melhor válvula de escape para toda minha adrenalina. O melhor caminho é o esporte, com certeza”, recomenda. “A atividade física libera a serotonina (responsável pelas sensações de bem estar) e endorfina (substância que melhora o humor). Antes eu tremia de ansiedade”, compara.