Borá- Marca do Tempo. Esse é o nome de uma das ruas da pequena Borá (177 quilômetros de Bauru). Menor cidade do País em número de habitantes - são 805 moradores, aponta o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, o lugarejo, ironicamente, começa a ver as novas marcas do tempo, que, até então parecia ter parado pelos pacatos e silenciosos caminhos que cortam o município.
Uma iniciativa de marketing entrelaçou a tradição quase rural dos moradores da pequena cidade com o dinamismo e tecnologia do universo digital.
No sábado à tarde, dezenas de jovens paulistanos ligados à blogosfera (ou seja, habités das mídias sociais como Facebook, Twitter ou Orkut e editores de blogs e sites da Internet) estiveram em Borá e se confraternizaram com moradores, alguns deles recrutados para colaborar com a campanha publicitária na qual o grupo se engaja: a divulgação do lançamento do minidrops Halls XS.
A ideia é eleger, por meio de depoimentos através do Facebook, os "feitos heróicos pessoais". Ajudar uma senhora a atravessar a rua ou emprestar um copo de açúcar ao vizinho estariam entre as pequenas façanhas do dia-a-dia.
E o que Borá e sua tranquilidade têm a ver com isso? Tudo, conforme explica Leonardo Carbonell, gerente de redes sociais da agência Espalhe, responsável pela campanha. O produto a ser lançado no mercado é o menor drops produzido no País. Logo, a associação entre a bala e a cidade.
Além disso, salienta, o pequeno contingente populacional boraense pode contribuir para uma grande avalanche de participações na rede social. "A menor cidade do Brasil é a maior do mundo em penetração do Facebook, com 93% dos moradores com perfis cadastrados", enumera.
O recrutamento de moradores foi realizado por uma equipe de "ciberberds", que percorreu a cidade em busca de voluntários, muitos deles com pouca ou nenhuma intimidade com Web ou mídias sociais. A partir disso, foi estabelecido o contato entre quem não respira sem Internet com a população da cidade que ainda respira outros ares, em pleno Estado de São Paulo do início do século XXI.
Intercâmbio
Mais badalado encontro de celebridades da Internet (as webcelebrities), o Nerds On Beer teve uma de suas etapas dedicada ao projeto na pequena cidade. Intitulado Nerds on Borá (NoB), o evento reuniu cerca de duas dezenas de jovens paulistanos assíduos nas mídias sociais e boraenses de diferentes gerações numa mesma festa.
Enquanto os "webnerds" (atualmente o termo nerd está longe de ser pejorativo e é dedicado a quem tem habilidades a novas propostas tecnológicas) apresentavam a mídia social e computadores portáteis, o pessoal do truco e cerveja mostrou à moçada da capital como fazer bonito numa tradicional partida na cancha de bocha da cidade.
Apesar dos apelos para alguns locais conhecerem o poder das "engenhocas", tem gente que ainda prefere passar o tempo da maneira tradicional mesmo. "Caipira é uma peste mesmo", brinca "seo" Valdemar Canato. Mestre na cancha, ensinou com paciência e bom humor o jogo de bocha para a moçada da cidade grande, não quis nem saber de chegar perto do "trem" eletrônico. "Meu mundo é diferente, eles é que têm que ver isso", despista o operador de máquinas da usina sucroalcooleira da cidade.
Celebridade virtual
O passeio de charrete por Borá completou o choque de culturas promovido pelo encontro, que ainda recebeu as chamadas celebridades da Internet, entre elas, o blogueiro Leandro Santos, de 27 anos, ou @MussumAlive. Na casa dos 100 mil seguidores no microblog Twitter, ele prova que é possível conseguir grande contingente de leitores na web até mesmo para os "mortais", sem auxílio de grandes corporações. "O segredo é fazer de coração", receita.
Para ele, que homenageia com blog humorístico o inesquecível trapalhão Antônio Carlos Bernardes, o "Mussum", morto em 1994, a difusão de ferramentas da web é uma revolução no estilo de vida em meio a quem ainda não estava inserido em mídias sociais. "A vida sem Internet, para o pessoal acostumado sem ela, é comum e ela até seria, a princípio, desnecessária", observa. "Mas, depois que você a conhece, a vida muda e, aos poucos, ela se torna indispensável", pondera.
Boraenses se habituam aos holofotes
Apesar do cotidiano pacato, que pode até mesmo ser confundido com o da zona rural, os moradores de Borá já se habituaram a presença de repórteres.
Volta e meia, emissoras de TV de todo o País enviam equipes para a menor cidade do Brasil, que atrai grande curiosidade pelo pequeno número de habitantes e tranquilidade atualmente rara até mesmo nas cidades pequenas.
Uma das investidas mais recentes da grande mídia no lugarejo foi a visita dos reportagem humorística do CQC, da TV Bandeirantes. Se até nos municípios maiores a presença de grande mídia causa, no mínimo, certa curiosidade por parte dos habitantes, os boraenses, em contrapartida, já consideram a presença de carros de reportagem, câmeras, holofotes e repórteres com microfone na mão parte do dia-a-dia.
"É normal, sempre aparece alguma equipe de jornalismo por aqui interessada na cidade", comenta Luiz Carlos Rodrigues, prefeito de Borá. "Isso nos orgulha", comemora. Entretanto, ressalva o mandatário, a ampla divulgação também traria ônus futuros, como uma invasão de moradores em busca de sossego. "Há a parte boa de vir mais gente para cá mas, obviamente, também há o lado negativo. Por enquanto, só colhemos os frutos", celebra o prefeito petista, eleito em 2008 por um contingente de 478 eleitores.
A tranquilidade, contudo, não impede a precaução. "Todos os nossos prédios públicos são monitorados por câmera de segurança", garante o prefeito da cidade, cujo último crime de grandes proporções, um homicídio passional, foi registrado em 2004.
Moradores experimentam o ciberespaço pela primeira vez
Aos 61 anos, a sorveteira Maria do Socorro da Silva Lima admite que não se aventurava pelo ciberespaço por pura falta de interesse (os moradores de Borá têm acesso gratuito a conexão via rádio, bancada pela prefeitura). Contudo, após o empurrãozinho, ela vai abrir um perfil no Facebook e entrar em contato com o mundo virtual. "Me pediram essa força e vou colaborar. Quero conhecer, mas preciso de um tempo para aprender", assume.
Quem aprendeu rápido foi Alessandra Galvão Singnoretti, de 29 anos. Padeira (a única da cidade), ela acompanha de perto as duas filhas de 7 e 3 anos darem os primeiros passos nos caminhos virtuais. "Usamos o MSN e Orkut mas para a gente falar com a família. Estou sempre perto e controlamos o acesso", previne. "É um horizonte que se abre", completa Glorinha Aparecida Cremonesi, 66 anos, moradora há 13 anos de Borá. Vinda de São Paulo, ela se encantou com a pequena cidade, onde o marido fez questão de ser sepultado. "Minha mãe veio morar com a gente e morreu aos 102 anos. Não troco a vida daqui por nada", assegura.