Ciências

Somos todos afrodescendentes!


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Não importa se tens olhos azuis, cabelo loiro e a pele branca. As informações que as células carregam nos genes herdados de nossos pais e antepassados revelam que nossa origem é africana. Para a ciência, a rigor, somos todos afrodescendentes.

O homem surgiu na África e depois migrou para a Europa e Ásia, mas como nossos ancestrais chegaram até a América e, mais especificamente, no Brasil? A migração para estes locais distantes, com o tempo, provocou algumas alterações nas características do homem como na cor da pele, cabelos, forma do crânio, face, altura e outras. A finalidade destas mudanças ao logo dos séculos foi a adaptação às necessidades de cada ambiente como temperatura, relevo e alimentação disponível.

Até uns 10 mil anos atrás, todos os homens em qualquer continente tinham uma morfologia craniana de padrão africano, segundo Walter Neves, bioantropólogo da USP. Ainda não havia o que chamou-se de raças.

O surgimento de tipos físicos como os caucasianos ou os asiáticos de olhos puxados e face plana seria um fenômeno biológico muito recente e ocorrido apenas depois que o homem espalhou-se praticamente por toda a Terra, segundo o pesquisador.

Esta possibilidade foi exposta em artigo científico publicado no American Journal of Physical Anthropology, de março de 2011, em que foram descritas 24 características de 48 crânios humanos de 10 mil a 40 mil anos atrás com outros 2 mil crânios de humanos atuais. Os crânios antigos eram parecidos com o de Luzia, o mais famoso crânio americano antigo de 11 mil a 16 mil anos resgatado em Lagoa Santa, Minas Gerais, com características morfológicas dos negros.

Já os crânios mais novos, de 9 mil a 10 mil anos, apresentaram características de asiáticos e de tribos indígenas encontradas até hoje nestes povos. Essas características ocorreram pela adaptação ao ambiente onde viveram.

A África, Europa e Ásia são unidas geograficamente, mas como o homem chegou nas Américas se hoje estão isoladas pelo mar constitui uma das perguntas que os cientistas mais buscam incessantemente responder!

No extremo norte do Alaska tem-se o estreito de Bering, uma pequena faixa de mar que separa os EUA da Rússia. Algumas evidências revelam que há milhares de anos este estreito era cortado por uma faixa de terra que ligava os continentes asiático e americano e recebeu o nome de Beríngia, que atualmente está submersa pelo mar. Antes desta submersão, entre 10, 15 e 18 mil anos atrás houve três prováveis ondas migratórias da Ásia para a América.


100 mil anos


Para a arqueóloga Niede Guidon do Museu do Homem Americano e do Parque Nacional Serra da Capivara no Piauí, o homem já estava no nordeste brasileiro há mais de 100 mil anos.

Segundo ela, o homem veio para a América do Sul navegando de ilha em ilha do oceano Atlântico, aproveitando-se de momentos em que o mar estava em um nível muito baixo do que o atual. Para ela a navegação é bem mais antiga do que se pensa. A arqueóloga não acredita que o homem colonizou as Américas a partir do estreito de Bering.

No Piauí existem aproximadamente 1.300 sítios pré históricos com pinturas rupestres exuberantes e que já forneceram 33 esqueletos humanos cujas datações indicam ser de 50 mil anos, apesar das controvérsias. Alguns indícios revelam que estes humanos teriam as características semelhantes aos de Luzia, ou seja, eram de origem africana.

No Piauí está um dos principais laboratórios naturais de estudos arqueológicos do País e várias universidades estudam ali os fósseis e outros sinais de uma vida milhares de anos anteriores ao nosso tempo.

Ou a Europa e Ásia foram colonizadas pelos africanos e uma vez adaptados migraram em seguida para as Américas, ou os africanos vieram diretamente para as Américas sem passar pelos outros continentes. Mas, de qualquer forma somos todos afrodescendentes. Os dados arqueológicos são cada vez mais confirmados pela genética.

A cada dia o conceito de raças humanas fica ultrapassado. A genética não consegue identificar no laboratório a que "raça" pertence um determinado indivíduo, pois não existe um perfil genético específico para o que um dia se conveniou que seria raça a partir da cor da pele.

É possível geneticamente identificar a etnia das pessoas e a sua origem geográfica, mas não a raça. Evite usar o termo raça humana, use os termos etnia ou a região de origem da pessoa se for preciso caracterizá-la. Assim o fazendo, você estará sendo politicamente correto e cientificamente preciso. O conceito e preconceito "racial" não resistiram ao aprofundamento do conhecimento humano. Ainda bem!


Alberto Consolaro ? Professor Titular da USP e Colunista do Caderno Ciências do JC

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