Afeganistão, julho de 2010. O brasileiro Marcelo Olivetti Solano, na época sargento do Exército norte-americano, estava no País do Oriente Médio numa missão de combate ao terrorismo. Mas neste dia, especificamente, uma mistura de adrenalina, medo e heroísmo marcou sua vida para sempre. "Era mais de 5h da manhã. Eu estava dormindo e acordei com a parede do prédio da base no chão e em meio aos gritos de ?Sargento, levanta, estamos sendo atacados? ", recordou Solano.
O estrondo que atingiu uma das bases militares dos Estados Unidos fazia parte de um ataque vindo de organizações terroristas, que acabavam de explodir - com um carro-bomba - uma das torres da estrutura militar, matando diversos soldados. "Fomos atingidos por um morteiro, uma espécie de foguete. Ele explodiu a torre e um muro, e os estilhaços bateram contra a parede que, com o impacto, caiu", contou Solano.
Esse foi um dos episódios recordado, ontem, pelo ex-soldado do Exército dos EUA, que também chegou ao posto de sargento. Nascido em Santos (SP), Solano viveu por 13 meses em combate à organizações terroristas no Afeganistão e 15 meses no Iraque. Ontem, em entrevista concedida ao Jornal da Cidade, ele lembrou de momentos em que viu, por instantes, sua vida ficar por um fio.
"Estar o tempo todo em combate nestes lugares é algo corriqueiro. Enquanto estava havendo este grande ataque, eu dormia e pensava que tudo não passava de um sonho. E, de repente, o alarme da base toca e você tem que encarar a realidade", relatou.
As missões
Além dos embates, resistência e coragem eram palavras de ordem para sobreviver nas missões norte-americanas. Enfrentar locais com temperaturas de mais de 40 graus, beber até dez litros de água por dia, por e tirar o colete, dormir com um fuzil ao lado, trabalhar 12 horas por dia, estar sempre em prontidão para um possível contra-ataque e ficar durante meses longe da família são apenas algumas de suas histórias.
Solano serviu a duas missões: como soldado, na OIF10 (cidade de Tikrit, no Iraque, entre 2006 e 2007) e como sargento, na OEF 11 (cidade de Jalalabad, no Afeganistão). Ambas as operações tinham como objetivo libertar os países do terrorismo, segundo Solano.
Mas, antes desta arriscada trajetória, ninguém poderia imaginar que o santista, que levava uma vida pacata no litoral paulista, poderia chegar até o Exército norte-americano e embarcar numa das mais marcantes e importantes batalhas contra o terrorismo.
Longe da agitação que por anos conviveu, todos os dias, ele contou as histórias, ontem, sentado na mesa de um tranquilo bar do bairro Quilombo, pertencente ao município de Iacanga, onde mora sua família, vinda de Santos. Aos poucos, moradores da pequena vila iam se interessando pelas histórias, se aproximando para ouvir tudo de perto.
Primeiro desafio: entrada no Exército
Solano, que se considera um pessoa de sorte por ter saído com vida das batalhas no Oriente Médio, contou como surgiu a oportunidade no Exército dos EUA. "Com 25 anos, resolvi ir para os EUA, no ano de1999. Fui tentar a vida como qualquer brasileiro. Tinha feito um curso técnico de tradutor e assim tive contato com línguas estrangeiras, como o inglês", explicou.
Lá, antes de se alistar no Exército, o brasileiro trabalhou como garçom, lavador e até pintor. "Lavava pratos, carros e cheguei até a pintar casas. Resolvi me alistar no Exército quando me casei com uma brasileira, que já estava lá e foi uma das pessoas que me incentivou em ir tentar ganhar a vida naquele País", conta. "Logo me legalizei cidadão dos EUA e decidi que queria entrar para o Exército. Era um antigo desejo meu", comentou.
Após se alistar, o brasileiro, passou por treinamento de nove semanas. "Após estas nove semanas de intenso treinamento, fui para a escola de aviação, onde aprendi a ser mecânico de helicópteros. Me formei e em 2006 fui para uma primeira base militar, onde atuei por três anos. Nesse meio de tempo, parti para minha primeira experiência: a cidade de Tikrit, no Iraque. Posteriormente, passei a integrar a base Hunter Army Airfield, que fica em Savannah, de onde fui para o Afeganistão, em 2009", lembra.
Confrontos
"No Iraque, tivemos diversos confrontos. Nossa meta, na época, era capturar Saddam Hussein e entregá-lo à Justiça iraquiana ", relatou Marcelo, recordando as primeiras experiências como militar fora dos EUA.
Ao mesmo tempo em que a adrenalina ia a mil e o sentimento de heroísmo se espalhava pelo ar, o até então soldado Solano se perguntava o que estava fazendo lá.
"A primeira sensação é de estranhamento e medo. Você não entende, num primeiro momento, do que você está fazendo parte e passa a se questionar se é isso mesmo que você quer. Mas não tinha mais volta", enfatizou.
No Iraque, o maior desafio foi bater de frente com o poderoso grupo Jihad. Já no Afeganistão, o embate maior foi contra a organização Al-Qaeda e também o Taleban. "Todos os embates acontecem ao mesmo tempo, em vários locais diferentes. Perdi vários amigos em explosões. Vários deles eu ajudava a recolher em balde, em pedaços. Muitos eram jovens com seus 19 e 20 anos e todo dia havia um confronto", lembrou. "E, mesmo em meio às mortes, não nos envolvíamos com motivos políticos. Apenas obedecíamos ao governo americano", pondera Solano. "Tive que disparar contra pessoas, contra veículos. A adrenalina vai a mil, mas ao mesmo tempo, somos como peças de xadrez", acrescenta.
Os membros das organizações, chamados de insurgentes pelos militares dos EUA, têm um nível de organização muito grande, conforme ressalta Solano. "Eles são muito eficazes e usam a população como os traficantes de drogas fazem aqui. Esses grupos compram as pessoas para que elas os ajudem a esconder armamento, explosivos. A população se envolve por dinheiro", conta.
Em meio a uma explosão e outra, Solano achava tempo para escrever para o pai, Atílio Solano, de 64 anos, morador de Iacanga. "A cada carta que chegava era uma emoção. Eu tinha medo de acontecer algo com ele, mas ao mesmo tempo me orgulhava, pois sabia que meu filho estava lá em missão, com objetivo de levar mais paz para o mundo", enfatizou Atílio.
De volta para casa
"Depois de passar por tudo isso, me considero uma pessoa de sorte, que ganhou a vida. Nas missões, sinto que tivemos êxito, pois a vitória é medida pelo número de pessoas que você levou para as bases de batalha e conseguiu trazer de volta. Cada base abriga em torno de 1.500 soldados, que ficam um tempo e depois retornam para os EUA, enquanto outra equipe chega para dar continuidade ao trabalho", afirmou.
De volta aos Estados Unidos, em 2010, Solano resolveu se desligar do Exército. "A experiência de vida que ganhei com tudo isso foi muito grande. Quando se participa de um combate, você passa a encarar a vida e a morte de outra forma. Se eu matei alguém foi por motivo de defesa, pela minha profissão, para revidar ataque. Encaramos com menos emoção e de forma mais profissional, com seriedade. Mas quando se chega em casa, aí pensamos o que passamos, nos amigos que perdemos", comentou.
Mesmo após se afastar do Exército norte-americano, por onde permaneceu seis anos, o brasileiro, que estava de passagem no Brasil para visitar os parentes, pretende voltar para os EUA em agosto e, posteriormente, para o Afeganistão. "Só que, agora, quero atuar como civil e não mais como militar. A proteção é bem maior", salientou.
Apesar de todos os episódios arriscados, Solano opina que o soldado cultiva um verdadeiro herói dentro dele. "O soldado é tido e se sente como herói. Isso estimula ele a querer voltar para o campo de batalha, a querer escapar da rotina pacata do dia a dia. Os soldados, de várias partes de mundo, são muito unidos. Na hora do combate, a gente luta um pelo outro e nos esquecemos de raça, cor, religião. Formamos um time", resumiu Solano.
?Terrorismo é câncer na sociedade?
Mesmo com a morte de Osama Bin Laden, líder e fundador da Al-Qaeda, Marcelo Olivetti Solano não considera que a organização terrorista vá acabar. "O terrorismo é um câncer que existe na sociedade, como uma droga. Pode morrer um grande líder, mas outro vai tomar posse", alega o ex-atuante do Exército norte-americano. "As organizações terroristas têm como alvo os símbolos de países poderosos", ressalta.
Contudo, a morte de Bin Laden é considerada uma vitória para as Forças Armadas norte-americanas. "É uma vitória, pois ele foi o mandante do ataque às torres gêmeas do 11 de setembro. Ele foi um grande cabeça. Mas os outros membros são bastante organizados e acredito que vão conseguir se recuperar dessa perda", opina.
Solano ainda arrisca afirmar que os EUA já sabiam do paradeiro de Bin Laden há muito tempo. "Só vinham vigiando ele de longe e esperavam o momento exato para capturá-lo. Foi uma estratégia política", disse.
Apesar do sentimento de vitória, de certa forma, Solano não considera o norte-americano satisfeito com o fim de Bin Laden. "A população dos EUA acha que todo dinheiro está se esvaziando pelo ralo na guerra. Ela não vê retorno", frisa.