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Mercado volátil faz profissão ?mutante?

Luiz Beltramin
| Tempo de leitura: 8 min

O termo "metamorfose ambulante" não se refere apenas ao estilo de vida exaltado em letra e música pelo eterno Raul Seixas. É obrigação para profissionais que pretendem se manter competitivos, seja no emprego com carteira assinada ou no empreendimento próprio.

A overdose de informações do mercado moderno, com velocidade cada vez mais galopante, dita padrões cada vez mais voláteis, transformando ofícios que demandaram anos de formação em ocupações sazonais, numa legítima e constante mutação pela sobrevivência.

Diferentemente de quando tudo o que se precisava era simplesmente tocar a vida após receber o diploma universitário, hoje, de tempos em tempos, é preciso se inventar, ou melhor, reinventar para se manter vivo no mercado de trabalho. Profissões que se renovam, outras que se desdobram em novos ofícios e algumas até extintas oficialmente. O que não falta é a palavra chave: mudança.

Diante desse quadro de volatilidade do mercado, entretanto, o modelo como os profissionais do futuro são preparados ainda é questionado por especialistas tanto na área educacional quanto corporativa.

No Brasil, de acordo com eles, a maioria das instituições acadêmicas ? desde o ensino básico, até o universitário ou profissionalizante ? o modelo ainda segue as normas do mercado tradicional, desprezando a necessidade de adaptação perante as mudanças inevitáveis.

Semana passada, no programa Manhattan Conection, do canal à cabo GNT, Paulo Blikstein, professor da Universidade de Stanford nos Estados Unidos e considerados por muitos um gênio na área de educação, mesmo com apenas 39 anos, foi taxativo ao afirmar que os ofícios estão cada vez mais voláteis e, não muito distante de hoje, terão validade, em geral, de no máximo cinco anos.

Para o estudioso, entretanto, a educação ainda rema em outra corrente, preparando profissionais sem a mentalidade empreendedora (não apenas para o negócio próprio, mas para a vida profissional, de maneira genérica) necessária a encontrar a maré mais favorável, independentemente ao ramo de atuação. "Pedagogos e educadores precisam reinventar o próprio discurso", analisou, na mesa redonda da Globosat.

Engenheiro formado pela Universidade de São Paulo (USP) e premiado educacionista nos Estados Unidos ? recebeu recentemente o "Early Career Award", concedido pela National Science Foundation (Fundação Nacional de Ciência dos EUA), um dos mais importantes reconhecimentos daquele país a jovens docentes ? Blikstein pretende criar, também nos EUA, o que chama de centro com "supereducadores do século XXI".

Para ele, o que se vê na maioria das escolas ainda é o que chama de motivação extrínseca do aluno, que, observa o estudioso, faz as provas para não repetir de ano, uma geração que estuda por obrigação. "Quando saem da escola, a última coisa que querem fazer é estudar", comenta ele.

Essa postura gera profissionais que, no futuro, terão extrema dificuldade em se reinventar perante as mudanças obrigatórias, mesmo após o diploma. "A aceleração da mudança tecnológica na sociedade faz com que as pessoas se formem para campos de trabalho que não existem mais. Da mesma forma como daqui a cinco anos surgirão campos de trabalho que não existiam", acentua.


Para toda vida

Há vinte anos, quem tinha o curso de datilografia possuía um trunfo a mais no currículo na disputa por uma vaga num escritório, por exemplo. Hoje, esse tipo de habilidade é obrigatória, mas obsoleta. Em contrapartida, o ofício de analista de mídias sociais está em pleno vigor.

Contudo, a mudança da Olivetti para o smartphone ou tablet levou décadas para se consolidar. Agora, alertam especialistas, essas mudanças, e respectivas demandas, ocorrem na velocidade da era da informação. A saída, aponta Blikstein, é o que chama de educação para toda a vida. "É preciso não apenas ensinar uma profissão, mas ensinar uma pessoa aprender uma nova profissão a cada cinco anos", diferencia.

E uma das receitas para essa nova ordem do trabalho, acentua, é a visão empreendedora. "Uma solução é o empreendedorismo. Na faculdade, é preciso estimular, treinar o empreendedorismo. Se a pessoa está sem emprego, ela cria uma empresa. Ter novas ideias é uma coisa que a gente precisa muito hoje em dia", argumenta.

Mas não é apenas no ensino superior que esses conceitos devem ser passados, defendem educadores e especialistas em mercado de trabalho.

Desde o início, a visão empreendedora para a vida deve ser incentivada, acreditam. "A única coisa certa é de que haverá mudanças", decreta Fausto Simões de Andrade, analista da agência do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em Bauru, que diferencia: empreendedorismo não se restringe apenas ao fato de ter ou não o próprio negócio.

Penso, logo mudo


Perante à volatilidade de demanda e mercado, é necessário flexibilidade. Para mudar, entretanto, é necessário pensar. Se o profissional seguir a cartilha difundida no sistema antigo e convencional, está fadado à estagnação e até mesmo ao risco de ver o diploma na parede registrar uma habilidade que ficou apenas para a história. E o incentivo ao pensamento propulsor da mudança está na base, ainda no ensino fundamental.

É o que defende o professor Paulo Roberto Fernandes, da escola de Bauru do Serviço Social da Indústria (Sesi). A instituição educacional, que, desde os primeiros anos de ensino incentiva os alunos a participarem de projetos voltados à tecnologia, entre eles os trabalhos inscritos em recente torneio de robótica, de acordo com o educador, tem essa preocupação.

Fernandes aponta que se, desde os primeiros anos de sala de aula e laboratórios, o alunos tiver atividades curriculares alternativas ao método tradicional, maiores as possibilidades de escolha no futuro, mesmo quando o profissional já está formado e busca novas alternativas, dentro ou fora da profissão em curso.

Com esta visão de futuro, a escola, na observação do professor, deixa de ser especificamente uma janela de conhecimento e passa a ser uma bússola ao estudante, que, devido ao extenso leque de informações propiciado pelo advento da tecnologia, disponibiliza de grande conteúdo.

"A escola deixa de ter o papel fundamental de passar informações e assume a condição de orientadora", conceitua.

Sempre haverá o imprevisível


Apesar da necessária flexibilização de pensamento e, principalmente, atitude perante às oscilações do mercado de trabalho, independentemente da profissão, o imprevisível sempre estará presente, tornando qualquer tipo de preparo específico, em alguns casos, inócuo.

É o que defende a doutora em Psicologia Educacional Marisa Meira, da Unesp/Bauru. "Não se pode transformar radicalmente métodos de estudo em virtude de tendências de determinado momento", alerta.

Segundo ela, o ideal é a dosagem entre capacitação específica com uma forma mais articulada de estudos, incentivando o pensamento que reflete, consequentemente, numa postura mais flexível do futuro profissional diante às diferentes marés que irá enfrentar. "Se levarmos em conta o pensamento pragmático, para que serve a Filosofia, para nada? Sabemos que, na prática, não é assim. Ela é fundamental para a existência humana", exemplifica a psicóloga considerando que as profissões estritamente técnicas, sem qualquer viés de evolução ou alteração, estas sim, estão fadadas a expirar conforme o tempo.

André Caramuru, historiador e articulista da revista Trip, também defende uma educação mais voltada ao pensamento do que apenas a formação da chamada "mão-de-obra". "Bem ou mal, um bom médico ou um bom engenheiro conseguem trabalho em qualquer circunstância. Mas, para isso, eles precisam, ao longo de toda a vida profissional, aprender constantemente, ter ideias novas. É isso que a educação deveria buscar e não formar técnicos que sabem operar as novas máquinas que montam carros", ilustra, em entrevista ao JC.

Então, é claro, se você for bem educado, você fica mais imune a esses percalços. Bem ou mal, um bom médico ou um bom engenheiro conseguem trabalho em qualquer circunstância. "Andamos rápido e a tecnologia muda muito. A Internet tem pouco mais que uma década, assim como os celulares e os PCS têm uns 25 anos. Mas a visão que temos da lentidão no passado também é ilusória", considera. "Desde a Revolução Industrial as coisas têm andado rápido", contextualiza o historiador.


A arte de se reinventar

Executivo de vendas de softwares gerenciais há dez anos, Márcio Pereira, não mudou exatamente de profissão, mas é um exemplo de comportamento "cameleão" no mesmo ofício. Atuante no mercado extremamente volátil e dinâmico mercado tecnológico, ele conta que, em 2005, negociava projetos orçados na casa de R$ 1 mil. Na mesma função e segmento, seis anos depois, foi obrigado a aprender a trabalhar com sistemas ? e a respectiva carga de responsabilidade ? na faixa dos R$ 80 mil. "A função é a mesma. Mas a postura, o método de trabalho, é sempre mutante", testemunha. "A necessidade de se reinventar é evidente. A profissão de torneiro mecânico

E não é só dentro da profissão que uma mudança pode surtir em bons resultados. Em muitas vezes, como diz o ditado, é melhor saltar da barca furada para não se afogar. Ou melhor, deixar a nau à deriva e ainda arrumar uma carona em outra embarcação que vai de vento em popa na direção do sucesso e da modernidade.

É o que fez o jornalista de formação Gustavo Camilo. Diplomado numa profissão que também passa por grande mutação ? ainda sem rumo definido -- ele mergulhou no ramo da prestação de serviços, ainda bastante incipiente de forma geral, principalmente quanto a atendimento e ditames da modernidade, como, por exemplo, a sustentabilidade.

Foi então que surgiu a ideia de um lava-rápido ecologicamente correto, com consumo de água que chega a ser 90% menor do que as lavagens automotivas tradicionais (mais informações sobre o sistema no site www.carewash.com.br). "Sempre me interessei pelo ramo de prestação de serviços que, no Brasil, começa a se aperfeiçoar. O desejo de montar o negócio próprio era antigo. Viajei, visitei feiras onde busquei conhecimento, e vimos espaço para esse tipo de mercado", orgulha-se. "Não podemos nos acomodar, é preciso sempre buscar informação", ensina.

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