Uma história de vida coerente. Essa é a definição unânime atribuída ao militante político Arcôncio Pereira da Silva, que faleceu ontem, aos 96 anos, após ter sofrido um AVC (acidente vascular cerebral) pela manhã. Ele era o mais antigo comunista vivo da cidade. Morava no Nova Bauru e deixou a esposa Zuleide Júlia de Souza da Silva. Teve três filhas, uma delas já falecida.
Apesar de problemas cardíacos e de diabetes, Arcôncio era lúcido, caminhava, fazia tarefas do dia a dia e adorava conversar. Um dia antes do AVC, recebeu a visita dos companheiros de militância Darcy Rodrigues e Antônio Pedroso Júnior. Os dois amigos foram levar a notícia de que o Estado de São Paulo reconhecera uma indenização favorável a Pereira da Silva em razão da prisão sofrida durante a ditadura militar.
“Conversamos por mais de três horas sobre política e sobre o livro A Privataria Tucana. Era um homem muito lúcido”, pontua Pedroso Jr..
A geração ainda atuante de militantes históricos de Bauru, como Pedroso Júnior, Isaias Daibem, Darcy Rodrigues e Milton Dota, se inspira na história de Arcôncio e alguns de seus companheiros, como Antenor Dias, Antônio Pedroso e Jonas Paes Cavalcante. “Eles formam nosso espelho”, conta Darcy.
Rodrigues lembra que iniciou sua militância política na greve dos ferroviários de 1949, movimento já liderado por Arcôncio. “Quando estava começando, ainda criança, por causa do meu pai, ele já tinha um papel importante nessa luta. Posteriormente, nos conhecemos em 198
, quando cheguei a Bauru”.
Isaias define Arcôncio como um lutador social permanente, inconformado e movido pela esperança. “Eu o conheci na greve da Sorocabana, quando pichava os muros com piche mesmo. Lembro também das reuniões no período noturno”, rememora Daibem.
Parte da história de Arcôncio é relatada no livro ‘Subversivos Anônimos’, do memorialista Antônio Pedroso Júnior. Ferroviário, se filiou ao Partido Comunista em 1946. Atualmente, era filiado ao PC do B de Bauru.
Arcôncio é natural de Viçosa, em Alagoas, e veio para o Estado de São Paulo em 1936, quando foi contratado pela Companhia Paulista de Ferro. Foi lá que começou a sua militância e, em 1949, foi demitido e multado pelo Código Penal após participar da organização da Comissão Sindical dos Ferroviários da Paulista e da histórica greve de 2
de janeiro daquele ano.
O militante foi preso e cumpriu pena na Cadeia Pública de Bauru. Para criar e educar suas filhas, sobreviveu colhendo café, carpindo e colhendo laranjas. Em 1957, porém, foi contratado para trabalhar na extinta Estrada de Ferro Sorocabana, onde também se envolveu em movimentos de reivindicações da classe trabalhadora.
Foi novamente preso e demitido após o golpe militar de 1964. Posteriormente, trabalhou como jornaleiro nos trens da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Depois, abriu uma banca de jornais na praça Rui Barbosa. Em 197
, foi novamente preso às vésperas das eleições e levado para o Quartel do Exército de Lins. Em 198
, trabalhou na Prefeitura de Bauru a convite do então prefeito Tuga Angerami e, apenas em 1983, foi readmitido e aposentado pela Fepasa, sucedânea da Paulista e da Sorocabana.
Mesmo depois disso, se manteve na militância e fundou a Associação dos Aposentados e Pensionistas de Bauru e Região. Arcôncio recebeu ainda o título de Cidadão Baurense, proposto pelo vereador José Carlos de Souza Batata (PT).
Arcôncio está sendo velado no Memorial Bauru, na rua Ezequiel Ramos, 15-51. O enterro está marcado para meio-dia de hoje.