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O widget da Guinness

Paulo Cesar Razuk
| Tempo de leitura: 3 min

Naquele dia sobre a mesa do jantar, segundo meu pai, uma das melhores cervejas do mundo: a Guinness. Não sei exatamente quando meu pai teve contato com ela, talvez em uma de suas paradas quando da longa viagem ao Brasil. Em várias de nossas conversas sobre o processo de fabricação da cerveja, a Guinness era mencionada e elogiada por ele. Sempre que conseguia uma, ao retornar de suas constantes idas a São Paulo, esperava minha presença para abri-la. Depois do chá, a cerveja é a bebida mais popular no mundo além de ter uma longa história, pois começou a ser produzida na Babilônia há mais de seis mil anos. Particularmente, a Guinness teve sua origem com Richard Guinness que, no início de 1700, administrava uma fazenda na Irlanda e com frequência fazia a cerveja para manter felizes os empregados daquela propriedade. Mas foi seu filho Arthur, nascido em 1725, que, seguindo os passos de seu pai, abriu uma pequena cervejaria nos arredores de Dublin. Em 1799, Arthur concentrou sua produção no que depois ficou conhecido como cerveja stout irlandesa (escura, amarga e de alto teor alcoólico) ou a Guinness. Em 1886, com 1,2 milhão de barris de stout por ano, a Guinness havia se tornado a maior cervejaria do mundo.

Quando em 1963 a Guinness abriu sua primeira fábrica fora da Irlanda, os verdadeiros fãs desta cerveja alegavam que o gosto da bebida feita em Dublin era único, razão pela qual em 1985, após anos de pesquisa e milhões de dólares investidos, a Guinness patenteou o widget introduzido na lata do produto... um dispositivo difícil de descrever... um "negócio" ou uma "coisa". Bebo muito pouco e prefiro o vinho, mas como engenheiro mecânico projetei inúmeros equipamentos para a indústria cervejeira, inclusive grandes fermentadores de expansão direta, no entanto, já cheguei a abrir algumas latas de Guinness só para ver o widget... bem de perto. O widget permitiu que pessoas em qualquer lugar do mundo saboreassem o mesmo colarinho, espesso e cremoso que, pela tradição, só poderia ser obtido sob pressão na torneira de um pub irlandês. O widget é uma pequena esfera oca de plástico com furos de 0,61 milímetro feitos a laser e inserido na lata antes do envase.

A cerveja produz espuma porque é gaseificada com dióxido de carbono, que aparece durante a sua fermentação e dissolvido na bebida sob pressão. Quando a pressão cai, ao abrir a lata ou a garrafa, esse gás sai em bolhas para formar o familiar colarinho. A Guinness, além do dióxido de carbono, recebe uma certa quantidade de nitrogênio líquido antes da lata ser selada. A evaporação do nitrogênio inserido aumenta a pressão interna, forçando de 10 a 15 mililitros da Guinness para dentro do widget. Quando a lata é aberta, a esfera de plástico força a cerveja para fora de seus pequenos orifícios, recriando a pulverização que acontece nas torneiras dos pubs irlandeses. A queda na pressão também libera o nitrogênio dissolvido no líquido cujas bolhas são menores do que as do dióxido de carbono e, por isso, mais estáveis, formando um delicioso colarinho, cremoso e durável, no qual você pode assinar seu nome ou desenhar um trevo. Pesquisadores da Universidade de Wisconsin, em 2003, publicaram um artigo afirmando que os antioxidantes presentes na Guinness desaceleravam o depósito de colesterol nas paredes das artérias, mas também não deixaram de mencionar: beba a Guinness com muita moderação e não dirija após degustá-la. Neste instante, ergo um brinde à memória de meu pai.

O autor, Paulo Cesar Razuk, é professor titular aposentado do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Engenharia da Unesp ? câmpus de Bauru

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