“Amanheceu, peguei a viola, botei na sacola e fui viajar...”. Atravessando décadas e mais décadas, a música tradicional caipira, regional e popular segue superando todos os modismos e sobrevive como uma espécie de “joia rara” na mente das pessoas. E, quando se fala em música caipira do Interior de São Paulo, Renato Teixeira é um nome que não se pode passar despercebido. Defensor assíduo da música regional e caipira interiorana, o compositor, instrumentista e cantor acumula 40 anos de carreira e cerca de 20 discos gravados. Ele retorna a Bauru para show imperdível hoje, no Sesc, às 21h, no Ginásio de Eventos da unidade. Até ontem, havia convites disponíveis para venda.
Neste show, acompanhado de sua banda, Renato Teixeira traz no repertório grandes composições de sua carreira como “Romaria”, marcante na voz de Elis Regina, e “Amanheceu, Peguei a Viola”, além de canções que resultaram das parcerias com importantes nomes da música regional, como Almir Sater, com “Um Violeiro Toca” e “Tocando em Frente”.
Em entrevista ao Jornal da Cidade, o músico defendeu a música caipira e sua ligação com o Interior paulista, já que Renato começou a fazer suas composições ainda na adolescência, quando morava no Interior de São Paulo. Também falou das lembranças que têm do Festival de Águas Claras, realizado na região na década de 70. Confira a entrevista:
JC: Não é a primeira vez que você vem a Bauru. Tem alguma memória afetiva da cidade?
Renato: Já vim muitas vezes para Bauru, uma cidade que sempre foi muito expressiva. Nos shows que já fiz em Bauru, o público sempre se identificou com minha música. Todos saem felizes por saber que nosso Interior tem música, tem sim seus compositores. E sempre tive um carinho muito grande por Bauru, principalmente quando morei em Taubaté. Um dos jogos de futebol que eu mais gostava de ver era Noroeste contra Taubaté... eram clássicos. Mas tenho uma memória legal do Festival de Águas Claras (festival realizado na região de Bauru, em Iacanga, entre os anos de 1975 e 1984). Foi muito engraçado, porque choveu muito e o evento foi realizado em uma fazenda. Na edição do festival que eu fui, estava presente o Raul Seixas. Esse evento foi um momento inesquecível para mim.
JC: Você sempre teve ligação com o Interior de São Paulo, passou por várias cidades e hoje mora onde?
Renato: Nasci em Santos, passei minha infância em Ubatuba, depois fui para Taubaté e depois fui para São Paulo, no começo dos anos 70. Atualmente, moro na região da Serra da Cantareira (localizada ao norte da cidade de São Paulo).
JC: Como é a atuação no palco, seus filhos participam?
Renato: O meu show é de estrada, eu toco com meus dois filhos, Chico e João, que conhecem bem minha música. Toco também com Dudu Portes e Natan Marques, músicos de expressão internacional. E tem o Marcinho Werneck, que está comigo desde minhas primeiras gravações. Minha banda não é um “cata-cata”, minha banda já está comigo há muitos anos.
JC: Como é sua relação com a música caipira e regional?
Renato: Meu trabalho e minha origem vêm da MPB. Comecei minha carreira ao final dos anos 60, mas profissionalmente no começo dos anos 70, e neste momento eu intui que a música do Interior - chamada de música caipira - tinha, de certa forma, cumprido o seu ciclo, porque os próprios artistas que faziam parte desse momento já estavam ‘veteranos’ e no fim de suas carreiras. E eu achava que o Interior de São Paulo jamais poderia ficar em silêncio como estava naquele momento. O fato daquela geração encerrar seu ciclo não significava que aquela temática da música caipira tivesse acabado. Ela precisava de uma reavaliação, de uma releitura, de uma repaginada.
JC: Foi aí que seu trabalho começou a aparecer?
Renato: Sim...comecei trabalhando nesse sentido, de repaginar a música caipira, que é a música do Interior de São Paulo. Foi através de “Romaria” que consegui criar uma situação inovadora dentro da música e da cultura caipira. Eu acho que a cultura caipira é a base da cultura nacional, porque o Brasil começa em São Paulo, no Interior de São Paulo. O Interior é o que é graças à forte cultura que existe por trás, graças às tradições.
JC: E as pessoas, principalmente os paulistas, conseguem valorizar a música regional, de raiz?
Renato: Acho que São Paulo chegou a um ponto de ‘falta de cultura’ por conta da ditadura militar, que foi muito opressiva e gerou uma ignorância em todos os sentidos. A ditadura aniquilou os valores mais representativos da cultura brasileira e o Interior de São Paulo começou a consumir coisas de pouca qualidade. Perdeu a identidade, não tinha mais espelho pra olhar. E quando olhava, olhava para o axé... e no fundo todo mundo quer bater tambor, beber cerveja e falar no celular. Mas eu não condeno isso. Porém, o sujeito não pode esquecer que existe algo mais forte por trás de tudo isso e com grande representatividade; que existem músicas que não são descartáveis nem são sazonais. E, quando se fala em Interior paulista, os mais autênticos representantes são Tonico e Tinoco. Não adianta achar que é Caetano Veloso, Gilberto Gil e Paul McCartney. O Interior de São Paulo é Tião Carreiro, Tonico e Tinoco e mais nada.
JC: Existe uma dualidade entre cultura de massa e cultura popular, que é tida como autêntica. Como você vê a relação entre essas duas culturas?
Renato: A cultura de massa é algo que não existe. Existe a cultura tribal. A cultura de massa é uma ilusão. É que nem quando você se refere ao pop: o pop resolve tudo e não explica nada. O que existe é a cultura tribal, a cultura da humanidade é tribal. E se a gente quer falar com o mundo, a gente tem que mostrar o nosso sotaque, a nossa viola... Agora, quando você liga sua guitarra... aí é cultura de massa, aí não é nada. Quando você olha para a história da música no Brasil, você vai ver Pixinguinha, Noel Rosa, Dorival Caymmi e nenhum deles é ruim. E da história só vai sobrar quem realmente tem algum valor.
No entanto, ao mesmo tempo, o caipirismo abrange desde Monteiro Lobato a Michel Teló, Luan Santana. E você não pode dizer que o Luan Santana é um mau artista. Ele é um cara talentoso, tem carisma, mas o que falta pra ele é referência. Eu acho que os pais do Luan nunca ouviram Noel Rosa na casa deles. Por isso, não aceito as críticas que as pessoas fazem do sertanejo moderno que está aí nas rádios. O fato de Michel Teló e Luan Santana não terem referências não é culpa deles. Mas que eles têm talento ninguém pode negar.
“Cultura caipira é a base da cultura nacional, porque o Brasil começa em São Paulo, no Interior de São Paulo.”
“Não adianta achar que é Caetano Veloso, Gilberto Gil e Paul McCartney. O Interior de São Paulo é Tião Carreiro, Tonico e Tinoco e mais nada.”
“A ditadura aniquilou os valores mais representativos da cultura brasileira e o Interior de São Paulo começou a consumir coisas de pouca qualidade.”
“Você não pode dizer que o Luan Santana é um mau artista. Ele é um cara talentoso, tem carisma, mas o que falta pra ele é referência.”
“Tenho uma memória legal do Festival de Águas Claras. Na edição que fui, estava o Raul Seixas. Foi um momento inesquecível para mim.”
Serviço
Convites são vendidos na Central de Atendimento a R$ 5,00; R$ 10,00 ou R$ 20,00. O Sesc fica na av. Aureliano Cardia, 6-71. Informações: (14) 3235-1750