O Distrito de Tibiriçá é “um pulinho” da região central de Bauru. Sem ter o estresse causado pelo trânsito a motoristas e pedestres. Sem a população conviver com a sujeira e abandono da região central, principalmente à noite. Um distrito sem ruas de terra que atazanam a população quando chove ou na estiagem - que castigou os bauruenses durante 50 dias. Barro, chuva e excesso de poeira não combinam com a vida urbana.
Indo pra quem vai na direção de Lins, no quilômetro 360 da rodovia Marechal Rondon chega-se ao distrito de Tibiriçá. Antes pode-se optar por uma visita ao Patrimônio de Barra Grande. Cruzando debaixo do viaduto segue-se a rodovia de acesso à área urbana de Tibiriçá.
As ruas passam quase o dia inteiro vazias. Na manhã de terça-feira, a praça Nove de Julho aglomera um punhadinho de adolescentes à vontade em um banco a jogar conversa fora. Até nessa ausência de movimento, Tibiriçá é diferente. De repente, ouve-se uma carroça, meio de transporte com tração animal proibido em Bauru. É o produtor rural João Pedro Primo, que veio entregar leite em garrafa pet a um cliente cativo. A sirene da E.E. Major Fraga anuncia a chegada da turma da tarde.
No Patrimônio de Barra Grande, a comemoração pelo 70º aniversário da Capela de São Roque, integrando as festividades de 117 anos de Bauru, atraiu milhares de pessoas nos três dias de festa, com comida, música raiz e causos. O JC nos Bairros passeia pela tradição de Tibiriçá com foco nos personagens anônimos que fazem o cotidiano de um lugar especial.
Major Fraga: xodó de Tibiriçá
O Distrito de Tibiriçá mantém o espírito rural e um olhar otimista para o futuro. A comunidade possui 950 moradores no Distrito e mais 600 na Zona Rural. Essa população desfruta de uma qualidade de vida excepcional.
A autoafirmação vem da vida comunitária. Atualmente, a EE Major Fraga é referência para as realizações de crianças, adolescentes, jovens, professores e educadores. A escola não possui muros imensos e grades para todo lado.
Há poucos meses a escola adotou a frase que resume a postura da Major Fraga: “Onde abrem-se as portas”. A aluna Isadora Chaves Pereira, do sétimo ano, criou o lema da escola usado no desfile de 7 de Setembro - Dia da Independência. Ela reside em uma propriedade e não pode aproveitar o desfile. A escola prepara uma homenagem para a aluna. A diretora da Major Fraga Renata Cristina Gomes Marinheiro comenta a importância da escola ter assimilado sua importância na comunidade, que no caso de Tibiriçá vai além dos ensinamentos da sala de aula. A comunidade presa muito o fato de desfrutar de uma escola aberta e pronta para fazer a mediação dos seus anseios.
Na prática, a Major Fraga organiza feira cultural, festa junina, o projeto Um dia na Escola, quando educadores, pais e alunos se relacionam.
Independência
Neste ano a comunidade surpreendeu Renata com uma participação muito acima da expectativa. O Distrito de Tibiriçá se mobilizou para retomar a tradição do desfile cívico de 7 de Setembro. Pelo menos há 20 anos, o distrito não tinha a comemoração do Dia da Independência. Renata comenta que a adesão para o desfile no Sambódromo era baixa.
O aluno do quinto ano Jefferson Leonel Nunes Souza, 10 anos, comenta que participar do desfile no Sambódromo é ser mais uma escola entre tantas que cruzam a passarela do samba de Bauru, junto a outras atrações. A grande motivação da comunidade foi exatamente desfilar no distrito, com os familiares podendo se deslocar das propriedades rurais para assistir e também participar da comemoração.
Os quase 500 alunos mobilizados começaram os preparativos estimulados para pesquisar. Os estudos foram transformados em mural transpondo a história da escola com destaque para os personagens, como Major Fraga, no projeto “Minha Escola tem História”. A coordenadora pedagógica Leila Masson ressalta que as disciplinas, como história, geografia, português e matemática, dialogam e os estudantes passam a entender a importância de seu conteúdo em seu dia a dia quando produzem com ajuda da matemática gráficos dimensionando cada público da escola.
O policial militar se propôs voluntariamente a ensinar os estudantes a marchar. Temas transversais foram permeando as discussões. Adereços foram produzidos para representar trabalhadores na colheita de laranja, café. O teatro também recebeu menção com um grupo de alunos desfilando pintados.
Bloco Estrela do Samba
“Agradeço a direção do E.E. Major Fraga pelo convite feito para participarmos do desfile que ocorreu no dia 7 de Setembro, no Distrito de Tibiriçá, onde nos sentimos muito felizes, uma vez que a grande maioria dos componentes do grupo já foram alunos desta respeitável escola e ainda este acontecimento veio valorizar o local onde residimos e valorizar a cultura, não só carnavalesca, como também através de um ato cívico”
Dulcineia Cosme Leizico, presidente do Bloco Estrela do Sampa e moradora do Distrito de Tibiriçá e zona rural desde 1970.
Voluntários
A Major Fraga marca a trajetória de vida de Maria Neuza Reis Xavier, 64 anos. Ela estudou na escola e trabalhou na Major Fraga durante 27 anos. Aposentada, aproveita seu tempo livre para colaborar nas atividades. Ela comenta a importância de interagir com a comunidade escolar.
Meu lugar
O estudante no oitavo ano do Major Fraga Leandro Matheus de Souza, 14 anos, levou para as ruas de Tibiriçá um pouco da sua habilidade trabalhando no campo. Ele desfilou no 7 de Setembro levando a bandeira do Brasil montado em seu cavalo, o Gringo.
O jovem já decidiu seguir os passos do pai o produtor rural Vagner Fernando de Souza. A propriedade deles produz leite, queijo e hortaliças.
O garoto pretende buscar conhecimento cursando o colégio rural.
Estímulo dos pais
Uma das características dos pais da EE Major Fraga é o interesse que manifestam em relação à escola dos filhos que um dia também já foram a sua escola. Nascida em Tibiriçá, Márcia Conceição Campo, 50 anos, se formou na escola onde estudou Carol, sua filha, hoje com 30 anos. Carina, 25 anos, agora estudante de pedagogia, também se formou na Major Fraga. Agora, estudam seu filho Caio, 17 anos, no terceiro ano do ensino médio, e a caçula Camilli, 11 anos, estudante do sexto ano.
Ela percebe como fundamental a participação porque os filhos passam a entender a importância da escola vendo seus pais envolvidos. Ela desfilou no 7 de Setembro.
Barra Grande mantém tradição
O Patrimônio da Barra Grande é ligado ao distrito de Tibiriçá, porém, cultiva a convivência dos moradores mantendo as tradições. O lugar é conhecido como Fazenda Barra Grande pelo nome de uma propriedade rural. O dono de uma chácara na Barra Grande, Dorival Lombardi, esclarece que é comum a confusão daqueles que não residem no lugar. O que se denomina Fazenda Barra Grande é, na realidade, um conjunto de propriedades de tamanhos e atividades agroeconômicas diversificadas. Chácaras, sítios e fazendas compõem o patrimônio.
O ponto comum para a comunidade da Barra Grande é a Capela de São Roque, formada pela igreja, o Salão de Festas Messias Martins e o campo de futebol. A capela comemorou 70 anos no mês passado. Dorival imagina que a festa ocorra desde a sua criação. “Foi quando construiu a capela e formou a comunidade. Penso que desde essa época tem a festa”, comenta.
Esse espírito comunitário está muito ligado à raiz do meio rural. Os costumes e o modo de vida na lida com a terra e a criação de animais aproximam os moradores. A terra de onde as famílias tiram o seu sustento e investem suas expectativas de vida se integra à Capela de São Roque, que acaba unindo os anseios da comunidade.
A música de raiz passa de geração em geração e reúne as famílias, geralmente em confraternização com a culinária do meio rural.
Festa
Dorival comenta que a Festa de São Roque virou tradição e, agora, tomou dimensão de grande evento cultural. Neste ano, a festa de 70 anos ocorreu durante três dias, de 16 a 18 de agosto, com aproximadamente 5 mil pessoas.
Atrações musicais do local revezam-se a um show de fora. O secretário de Cultura de Bauru Elson Reis comenta que, desde 2009, a Prefeitura de Bauru oferta um show, mas a indicação da atração musical vem da comunidade da Barra Grande. Sempre mantendo a linha da música de raiz. Neste ano, o show do domingo foi da dupla Belmont e Amaraí.
A festa é organizada pela comunidade da Barra Grande, integrando as comemorações de aniversário de Bauru, com apoio das secretarias de Cultura e Agricultura (Sagra) e a Emdurb. O roteiro segue a Missa do Padroeiro, com procissão nos arredores sob a coordenação do pároco Frei Alfredo. Sábado tem um bailão. Domingo é o dia do almoço de confraternização com cardápio à base de frango assado, leitoa, churrasco, bebidas. Tudo sempre ao som de moda de viola. Também é promovido um leilão de animais. “Ela cresceu bastante nos últimos anos com a vinda de músicos sertanejos”, frisa Dorival.
Ele integra o grupo de organizadores. Para um evento que já transpôs o meio da comunidade, o pessoal trabalha bastante. “Dá bastante trabalho. Depois de realizado a gente sente muito prazer. É gratificante fazer e participar”, comemora Dorival.
Tradição
A tradição de Barra Grande é a cantoria. A festa de São Roque é o ápice da vida comunitária. Dorival esclarece que entre os proprietários rurais há muita gente que gosta de cantar e tocar.
Os vizinhos se revezam abrindo as portas de suas propriedades para receber o pessoal para as cantorias. “Isso é tradição aqui”, ressalta.
Casarão
O imponente casarão de 1924 desocupado, próximo da estação de trem, assusta com duas estátuas de leões no pé da escadaria. O imóvel é alvo de comentários que refletem a superstição e um pouco de imaginação de parte da comunidade de Tibiriçá.
No terreno há uma madeira fincada no chão ao lado de um banco improvisado com a mensagem “Te convido a ouvir o trem passar”. A linha férrea fica a cerca de 20 metros da casa.
A história
Tibiriçá, distrito de Bauru, foi criado pela Lei Estadual n° 1675, de 9 de dezembro de 1919. Recebeu o nome de Presidente Tibiriçá e posteriormente Tibiriçá, pelo decreto n° 9775, de 1938.
Jorge Tibiriçá Piratininga (1855-1928), quando governador de São Paulo, fez a viagem inaugural promovida pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e teve seu nome perpetuado no distrito em que o trem teve sua parada. Nascido em Paris em 1855, era filho do abastado João de Almeida Prado Filho, senhor de engenho e dono das fazendas Itaici e Tranqueiras, em Itu. Devido ao bairrismo, acabou batizando o filho e substituindo seus sobrenomes em homenagem ao cacique Tibiriçá e o nome antigo da cidade de São Paulo. A mãe dele era francesa, Pauline Eberlé, que faleceu em Paris durante o cerco provocado pela guerra franco-prussiana. Jorge estudou num colégio da Suíça e depois se doutorou em agronomia em 1877, pela Escola de Hohennheim (Alemanha) e, em 1879, em filosofia pela Universidade de Zurique. Seu pai faleceu em 1888, assumindo os negócios da família e passando a administrar em 1890, a Estrada de Ferro Mogiana. Foi depois nomeado por Deodoro da Fonseca para o governo de São Paulo, sendo exonerado em 1891, quando a Constituição passou a vigorar. Foi governador eleito no período de 1904 a 1908, com construção de escolas, na modernização da Força Pública, ampliação das ferrovias. Em seu governo enfrentou uma crise cafeeira provocada por superprodução do produto. Arrendou a Estrada de Ferro Sorocabana. Mas depois reassumiu a Sorocabana, nomeando o engenheiro Alfredo Maia para sua superintendência. Ele foi membro do Tribunal de Contas. Faleceu em São Paulo em 30 de Setembro de 1928. (Pesquisa feita pelo historiador Irineu Bastos)
Com o desmatamento foram surgindo as serrarias e estimulou a construção das casas de madeira, e nos finais de semana já era intenso o comércio da vila. Entre as primeiras famílias de moradores destacam-se: Fraga, Mendes, Zamataro, Telli, Rangel, Duarte, Collis, Rodrigues, Turini, Paixão, Ferreira, Maia, Xavier, Rosa, Reginato, Oliveira, Alves, Moura, Silveira, Toni, Manrique, Honorato e outras, e as famílias de imigrantes espanhóis, italianos e portugueses: Martinho, Carrara, Bertucci, Cavalieri, Prieto, Seco, Manzato, Carpezani, Lima, Capaccio, Malmonge, Ceschin, Lagar, Juares, Rodrigues, Esteves, Birelo, Alarcon, Sanchez, Sartori, Catachi, Coracini, Salorno, Crepaldi, Martelo, Gavioli, Juncal, Castilho, Mallini, Peres, Leonardi. Thomazini, Seabra e Ortolani.
Na década de 1920 Tibiriçá adquiriu a condição de Distrito de Paz e foi instalado o cartório de Registro Civil, sendo o primeiro escrivão Joaquim Ferraz da Silveira. No final da década de 20, Alcy Vasconcellos passa a residir em Tibiriçá, sendo o primeiro médico a fixar residência no distrito.
A Casa Mendes foi o primeiro estabelecimento comercial e em 15 de novembro de 1921 foi inaugurado o Cemitério Municipal denominado São Pedro. No final da década de 1920 Tibiriçá se fortalece com grandes fazendas de café e o aparecimento das primeiras máquinas de café, olarias, serrarias, moinho de fubá e diversos estabelecimentos comerciais. Armazém Manzato, Casa Luzitana, Casa Portuguesa, Casa Duarte, Casa Martinho, Casa Telli, Casa Ferreira, Empório Juncal, Casa de confecções Karazawa. A primeira farmácia foi a de José Ângelo, depois se instalou a de Gabriel Ferreira, de Brás Boaventura e Plínio Camargo, de Arnaldo Stein, Tercila Almeida Proença, Silvino Duarte (reside ainda no distrito). Os barbeiros Gaudêncio Ferreira, Antonio Birelo, Juca, José Cavalieri. Os açougueiros Guerino Telli, Agenor Maia, João Pires, Amador Otuka, Dito. Os alfaiates Germano Toni, Manoel Castilho, Francisco Ceschim. Os sapateiros Fausto Juncal, Marino Turini, Aparecido Bertucci. A selaria de Victor Juarez, fabrica de carroças de Rino Collis. O Hotel da Dona Ritinha, que desde a década de 20 hospedava os viajantes e sitiantes e depois os doentes para consultar com médico Alcy Vasconcelos. Os bares da Dona Quena, do João Reginato, do José Mallini, família Molina, Pedro Dobre, Rufino Munhoz, do João Hirata, do Zenzo Kikuti, Bar do Rocha. Padaria do Modesto D’ Ávila, do Moinho da família Manzato.
Em 1932 foi criado o Grupo Escolar de Tibiriçá, dirigido por pelo professor Colatino Fagundes. As quatro primeiras professoras foram Ezaltina, Maria Aparecida, Laura - filhas do major Antonio Fraga - e Silva Gomes, neta do coronel Francisco Gomes dos Santos. Havia também uma escola de madeira ao lado do casarão, próxima à estrada de ferro. A professora Didi Fraga, pela sua religiosidade, dava curso de catecismo na hora do recreio.
No final dos anos 30 rumores da grande guerra acabaram rondado também os distritos e os jovens pracinhas de Tibiriçá Santo Turini, Nicola R. Ruiz e Arcilio Paixão foram à guerra e voltaram com heróis.
Imigrantes
Entre os imigrantes ressalta-se a colônia japonesa, que impulsionou a agricultura do distrito, com destaque para Haneda, Shinohara, Sakurai, Karasawa, Otuka, Sato, Takahashi, Koga, Takishita, Umetsu, Kikuti, Takigushi, Morizumi, Yamamoto, Togashi, Mariko, Suzuki entre outras. Estes trabalhadores orientais, disciplinados e educados, influenciaram os hábitos do lugarejo com suas tradições e culturas milenares, novas técnicas de plantio, truques de enxertos, ranchos de bicho da seda, pratos típicos, quimonos, chinelos de dedo feitos em palha. Nas festas típicas dos orientais eram marcantes o doce de feijão, os batizados de bebês orientais e padrinhos brasileiros, os rituais de funerais e casamentos.
Política
O grande destaque do distrito foi nas eleições de 1948, quando elegeu três vereadores para a Câmara Municipal de Bauru. Alcy Vasconcelos, Guilherme Telli e Antonio Campos Fraga. Depois, Paulo Pereira Rangel foi vereador durante 22 anos. Também foram vereadores pelo distrito o farmacêutico Plínio Camargo, Antonio Gonçalves Fraga, Kempi Togashi e Oswaldo de Oliveira. O maior destaque político do distrito foi quando o major Antonio Fraga foi prefeito de Bauru.
Na década de 50, a população é beneficiada com a rede de água com a inauguração do primeiro poço artesiano. Até então cada residência tinha seu próprio poço. A benfeitoria foi solicitada pelo vereador Paulo Pereira Rangel, ao vice-prefeito em exercício professor José Ranieri, no cargo pelo período em que o prefeito Nuno de Assis licenciou-se por motivo de viagem aos Estados Unidos.
Religiosidade
No âmbito religioso o grande destaque foi quanto o tibiriçaense Thomaz Marques de Freitas foi ordenado sacerdote seguindo para uma missão religiosa na Indonésia, onde permaneceu por mais de 30 anos.
Cotidiano
Outros fatos que marcam a história do Distrito de Tibiriçá é a jardineira do Quintino que fazia o percurso de Tibiriçá a Bauru em 3 horas. Passava pela Barra Grande, Gabiroba, Corumbá, Escola Agrícola. Seu ponto final era na Casa Julio Meca, em Bauru. Também o cinema de Carlos Alasmar, de Antonio Duarte, dos escoteiros, das grandes festas de Nossa Senhora Aparecida, do carro de praça do Zenzo Kikuti. Os grandes jogos do Tibiriçá F. C. de Xandu, Fraga, Rangel, Brito, de Lebreiro, Milton Paixão. Corridas de cavalo, os bailes no Instituto, do trem de estudantes, das sorveterias do Adelino Loureiro e Luiz Ferraz, do posto de gasolina e oficina mecânica de José Pereira Rangel, que foi representante da Força e Luz, subprefeito nomeado por Brizola, subdelegado, juiz de paz e grande folclorista.