Bairros

O desafio da praça: projeto tenta repaginar Praça Rui Barbosa

Luciana La Fortezza
| Tempo de leitura: 9 min

 

Prestes a completar um século, a Praça Rui Barbosa teria potencial para tornar-se mais um personagem longevo e também decadente como os que transitam pela literatura, concebidos por autores como Gabriel Garcia Marquez, Chico Buarque e, agora recentemente, Fernanda Torres. Do lugar mais luxuoso e mais frequentado de Bauru ao atual chão de passagem, a praça foi palco de glamour, romance, comédia, aventura e até suspense. 

 

Mas apesar de tanta história, chegará aos 100 anos no próximo dia 12 de abril sem passar pela “recauchutagem” exigida em uma fase, como a atual, tão hedonista. Se as expectativas da administração municipal estiverem corretas, até outubro deste ano, após o aniversário, o processo de revitalização terá sido concluído. 

 

Resta a finalização do projeto elétrico para que a Secretaria Municipal do Planejamento (Seplan) tenha ideia do custo total das obras.

 

Só então o processo de licitação será aberto para que a empresa responsável pelo trabalho seja contratada. Ela deverá levar de três a quatro meses para executar os planos que engenheiros e arquitetos da pasta elaboraram e estão orçados em R$ 241,5 mil, excluindo a parte elétrica, cujo projeto deve ser concluído na próxima semana. 

 

Valores

 

É possível que o montante se aproxime dos R$ 292,5 mil, previstos em emenda parlamentar do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT) de abril de 2013. 

 

O valor já empenhado pelo governo federal prevê contrapartida de R$ 27.500,00 da Prefeitura de Bauru, que gastará o que for necessário pelas obras, embora o setor responsável por projeto e convênios da Prefeitura de Bauru informe que o processo está em andamento encontra-se dentro do prazo.

 

Douglas Reis

 Fonte será recuperada para voltar a atrair visitantes

 

O que vem por aí

 

“É uma praça central, que completa 100 anos em 2014. O projeto não é caro, é relativamente simples e dará nova cara ao local”, comenta o chefe do Executivo, Rodrigo Agostinho (PMDB). 

 

Ele ressalta que fará os investimentos previstos, mesmo que dependesse apenas de recursos do próprio município, independentemente dos atos de vandalismo constantemente presenciados na praça, que também se tornou local de vendas de droga. 

 

“Nem precisa fazer reforma alguma, basta garantir segurança. Aqui só tem pichação e depredação”, diz o servidor público Cristiano Celestino, 35 anos. Diariamente, ele e amigos jogam cartas na praça, cuja reforma finalizada em 1991 foi fortemente criticada.

 

Alguns deles presenciaram quando o espaço contava com verde abundante, lagos até com jacaré, pontes de concreto imitando madeira e iluminação especial. Mas puxada pela decadência também do Centro da cidade, a elegância da Praça Rui Barbosa (homenagem ao famoso jurista e escritor baiano, cujo nome original era grafado com “y” no Rui) entrou em derrocada.

 

Entorno noturno

 

O espaço passou por modificações com a morte noturna do entorno, que só vive em horário comercial, além das modificações que tiraram os atrativos turísticos, de lazer e visitação, destaca o professor da Unesp José Xaides de Sampaio. De acordo com ele, a partir da reforma elaborada pelo arquiteto Jurandyr Bueno Filho em 1991 há, de fato, mudança de características na praça.

 

Ela perde o caráter bucólico de visitação pública e torna-se “chão de passagem”, atendendo apenas a demanda do centro comercial, sem contemplar a socialização. “Isso está na origem da deterioração”, conclui.

 

Reforma prevê mais verde no local

 

A pedido do prefeito Rodrigo Agostinho (PMDB), o projeto de reforma elaborado pela Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) aumentará a área verde da Praça Rui Barbosa, quando for implementada. 

 

Além de manter as árvores tombadas e os coqueiros, haverá novo recorte no piso, onde será instalado um canteiro verde de 610 metros quadrados.

 

As espécies que serão plantadas no local, situado entre o banheiro e a fonte, ainda não foram definidas. Uma das principais queixas relativas à reforma implementada em 1991 diz respeito à falta de árvores. Mas foi a abundância de plantas que marcou o espaço inaugurado em 12 de abril de 1914.

 

Segundo informações obtidas junto à Seplan, o arquiteto Jurandyr Bueno adotou proposta de praças da Europa, onde o clima é mais temperado,  para propor as mudanças feitas em 1991, quando a falta de verde tornou-se alvo de críticas. 

 

No entanto, segundo o historiador Gabriel Pelegrino, muito antes da reforma realizada na gestão do então prefeito Antonio Izzo Filho, muitas árvores já tinham sido suprimidas por conta de uma praga denominada “Larcerdinha”.

 

As plantas que atualmente adornam, em seus respectivos canteiros, o espaço de 8.968 metros quadrados serão iluminadas, assim como 11 árvores mais significativas. O busto de Rui Barbosa também receberá luzes, conforme o projeto em que o arquiteto Nei trabalhou.

 

Era uma capela...

 

Quando a proposta para Praça Rui Barbosa começou a ser a executada, dez anos depois do início do século 19, houve um problema de foro religioso que resultou na excomunhão de Bauru. 

 

A capela do Divino Espírito Santo ocupava parte na área a ser urbanizada que, até então, não passava de um areião. 

 

Precária, a estrutura tornou-se um entrave para o projeto. Ficava, inclusive, no meio da via que, posteriormente, tornou-se o Calçadão da Batista de Carvalho. A capela, então, foi demolida para que uma igreja matriz fosse construída bem próximo. Ainda assim, a destruição resultou em problemas junto às lideranças da igreja católica que, na época, ficavam em Botucatu.

 

Até hoje, porém, o local onde a capelinha acolhia fieis é demarcada no piso. Mas como pouca gente percebe a sinalização, o local deverá receber uma placa em bronze com a indicação.

 

Banheiro acessível

 

Embora os banheiros instalados na Praça Rui Barbosa sejam mais recentes, construídos há aproximadamente duas décadas, também estão contemplados no projeto de reforma elaborado pela Seplan. Além de ganharem rampa de acessibilidade e corrimão, serão trocados bacias, mictórios, torneiras, portas e toda a parte elétrica para a instalação de iluminação indireta.

 

Fonte de água

 

A fonte instalada na praça também será recuperada. Está seca atualmente por conta de uma trinca descoberta no final do ano passado. A partir do segundo semestre, passará por recuperação estrutural e impermeabilização.

 

Mas se a administração municipal tivesse recursos, a Rui Barbosa receberia uma fonte lúdica, conforme era a expectativa inicial do prefeito Rodrigo Agostinho. Se fosse instalada, permitiria aos munícipes interagirem com água, que teria de contar com reservatório subterrâneo. Além de ser caro, oneraria também a manutenção. Demandaria ainda piso antiderrapante.

 

Apesar dos custos, provavelmente o local seria transformado em ponto turístico, já que jatos e vapores de água seriam iluminados, por exemplo.

 

Tapete

 

Quem passa correndo pela Praça Rui Barbosa talvez não tenha percebido a passarela de pastilha vitrificada da rua 1º de Agosto até a Catedral do Divino Espírito Santo. Como se fosse um tapete, usado inclusive nas festas de Corpus Christi, ela será recuperada, assim como todas as escadarias do local, onde foram instaladas pedra Miracema.

 

A administração municipal a substituirá por granito bruto antiderrapante cinza. Muito durável, é bem parecido com a Miracema. “A ideia é respeitar o projeto original do arquiteto Jurandyr Bueno”, explica Claudinei Ferreira Lima, arquiteto da Seplan, que trabalhou no projeto.

 

Com a mesma preocupação, o piso da praça será recuperado. Pedra Portuguesa preta e branca toma 90% da área, que será mantida como era. Também permanecem os cerca de oito ambulantes que trabalham por ali.

 

Há um século, polêmicas e dúvidas

 

Ao ser inaugurada em 12 de abril de 1914, a Praça Rui Barbosa com seus jardins luxuosos, lagos artificiais e iluminação esplendorosa foi alvo de críticas na imprensa. Foi apontada como um conto das “mil e uma noites’” enquanto o resto da cidade enfrentava problemas com abastecimento de água, fornecimento de energia elétrica e limpeza pública.

 

Os relatos constam em texto publicado pelo jornalista e editor do jornal Bauru Ilustrado, Luciano Dias Pires. De acordo com ele, o poder público investiu pesado na ocasião para a urbanização da antiga Praça Municipal, como era anteriormente chamada.

 

O local não tinha qualquer embelezamento. Não passava de um grande areião com poucas casas vizinhas. Mas depois da reformulação, tornou-se ponto de encontro dos bauruenses, destacam Luciano e o historiador Gabriel Ruiz Pelegrina, em entrevistas separadas. Moços e moças, por exemplo, flertavam em círculos, enquanto afrodescendentes observavam à distância, comenta Pelegrina.

 

“Um tufão de progresso varreu os escombros da igreja velha”, trouxe jornal da época consultado por Luciano. Para que o local fosse urbanizado, uma antiga capela foi demolidwa. 

 

Sua destruição resultou na excomunhão de Bauru, embora outra igreja tenha sido construída bem próxima. A matriz do Divino Espírito Santo foi inaugurada em 1915, explica Pelegrina.

 

Foi nela que Luciano Dias Pires causou-se com a esposa Helena da Silva. Fizeram a última cerimônia antes que a igreja fosse novamente demolida em 1955 para, posteriormente, ser erguido o prédio moderno da atual catedral. 

 

Pontes

 

O “aprazível recanto” foi por muito tempo vizinho do prédio da Câmara Municipal, que ficava na rua 1º de agosto. 

 

Na época, porém, o local concentrava poucos imóveis, acrescenta Pelegrina. Ainda assim, os encantos da Praça Rui Barbosa atraíam adultos e crianças que percorriam as pontes, construídas de cimento, embora imitassem madeira. Era comum que homens e mulheres fizessem fotografias, enquanto ouviam as canções que vinham coreto. 

 

“Eram dois lagos, tinha até jacaré. Era possível encontrar pato, galinha. Tinha também uma fonte pequena”, recorda Pelegrina. Ele e Luciano Dias Pires ainda destacam as quermesses. Em uma delas, fizeram passeios no lago, com embarcações semelhantes às gôndolas de Veneza. “Em 1930 também foi feita outra para a construção do Asilo Colonia Aimorés (depois transformada em Instituto Lauro de Souza Lima)”, relembra. A praça foi palco, inclusive, de vários carnavais. 

 

Recebeu também autoridades e importantes reuniões políticas, esportivas e culturais.

 

Coreto

 

Com arquitetura dos anos 20, o coreto volta a ter suas cores originais, de acordo com o novo projeto da Seplan. Bege e azul claro prevalecerão sobre o atual azul royal. Além da cobertura, o gradil também será substituído. A estrutura, utilizada por várias bandas no decorrer dos anos, receberá iluminação especial em um canteiro verde que o circundará. 

 

Já a escultura contemporânea do professor da Unesp José Xaides de Sampaio será mantida, assim como o arco, que passará ter iluminação de led. Atualmente é de neon. Os bancos da praça serão reformados, realocados e instalados para que os munícipes possam usufruir do conforto das sombras.

 

Novidades

 

Entre as novidades a serem incorporadas pela Praça Rui Barbosa está o piso tátil, que atravessará o espaço entre as ruas Antônio Alves e Gustavo Maciel. Como a ideia é respeitar as normas de acessibilidade para tender pessoas com deficiência visual, ele dará acesso à Catedral do Divino Espírito Santo, que também ganhará uma rampa.

 

Já próximo aos pontos de táxi serão instalados bicicletários chumbados no chão.

 

 

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